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Cidades/Geral
Quarta - 24 de Junho de 2015 às 14:58

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Ser travesti no Brasil não é fácil, mas há alguns anos a situação era ainda mais insustentável. Assumir a atração sexual por alguém do mesmo sexo e ainda se vestir como uma mulher era ato de extrema coragem, pois implicava desprezo familiar, restrição profissional, violência social (seja física ou psicológica). Poucas travestis conseguiram fazer mais do que cair no mundo da prostituição para sobreviver.

A primeira travesti doutora no Brasil, Luma Nogueira de Andrade, defendeu sua tese em 2012. Ela foi uma das convidadas para compor mesa de discussão sobre gênero em evento ocorrido este mês na Universidade Federal de Mato Grosso.

Atualmente, Luma é professora na Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), em Redenção (CE), e, inclusive, foi a primeira travesti concursada numa Federal. A instituição tem como objetivo contribuir com a integração entre o Brasil e os demais países membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), especialmente os países africanos, bem como promover o desenvolvimento regional e o intercâmbio cultural, científico e educacional.

A Unilab, portanto, é um palco de convergência das diferenças. “Temos contato com outras formas de pensar. A gente acaba vivendo e respirando em um laboratório vivo”, salienta a pesquisadora, lembrando que recebe estudantes de África e Ásia com frequência.
Ao longo da explanação, a pesquisadora teve como base teórica textos de Michel Foucault, Gilles Deleuze, Félix Guattari, todos muito conhecidos no campo das Ciências Sociais, especialmente da Comunicação. Durante a sua palestra, ela apontou a força da cultura.


Cultura é poder

Que a cultura é uma forma de poder, não é novidade. Mas como mesclar isso com o preconceito vivido pela diversidade de gênero?

Luma Nogueira lembra que o Brasil – e todo o ocidente – está centrado no Cristianismo, e a cultura acaba recebendo as influências dessa forma de pensar, que, por sua vez, está ligada ao conservadorismo advindo do pensamento colonizador. “O que faz a gente desejar, sentir prazer, tem um adestramento. Somos como animais, e, antes de nascer, somos pensados, tudo planejado”. Para exemplificar, Luma cita que quando alguém veste uma roupa, sabe quem vai gostar ou não. Como tudo já está pronto e imposto aos que nascem, não são oportunizadas outras possibilidades.

Na avaliação da pesquisadora, é operada toda uma questão cultural para que o sujeito não deseje aquilo.

Na sexualidade isso não seria diferente. A postura hétero normativa é imposta desde o início, como quando há ameaça aos filhos que querem brincar de boneca. Assim, o sujeito que cresce nesse ambiente não vai entender essas possibilidades, porque elas são negadas. “Haverá esse adestramento, e se você não obedecer, vai sofrer as punições”, completa. Para a doutora, daí vem a nossa falta de entendimento quando nos deparamos com algo diferente.

Violência racional

A professora Luma faz uma crítica à classificação de “irracional” que parte da população costuma dar ao sujeito que é violento com homossexuais. “É o contrário. Ele é extremamente racional, igual a todos nós. Ele tem uma lógica que não é a mesma que a nossa, mas isso não quer dizer que ele não esteja raciocinando”.

Para a doutora, a partir do momento em que a sociedade diz que o agressor é um irracional, é como se nada pudesse ser feito. Quando notar que as ações truculentas são conscientes, vai cobrar um entendimento sobre essa postura e buscará ações para mudar isso.

Luma avalia que uma travesti, por exemplo, não precisa cometer uma infração para ser presa. “O seu corpo é uma infração porque não opera dentro dessa ordem, dentro dessa norma”. Ela lembra do caso de Verônica Bolina, uma travesti que teve o rosto desfigurado após apanhar de policiais.

Verônica é acusada de tentar matar uma vizinha idosa e depois arrancar a dentadas a orelha de um carcereiro dentro de um distrito policial, em São Paulo. “Mesmo cometendo algo infracional, Verônica poderia ter tido o mesmo tratamento que outro cidadão, mas não teve porque ela é em si uma infração, uma desordem, uma ilegalidade”.

A pesquisadora acrescenta ainda que a escola não é a chave para a resolução do problema. “A chave é a sociedade. A transformação da sociedade é que induz a mudança na escola. A instituição vai reproduzir o desejo da sociedade. É por isso que o kit anti-homofobia não está sendo desenvolvido dentro das escolas”.

Mas Luma vê que hoje já há mais abertura para a existência dessa diferença. “A cultura muda. A nossa forma de pensar vai acompanhar outros aspectos e outras formas e vai gerar outras possibilidades”, conclui.

Estatísticas

Segundo relatório realizado pelo Grupo Gay da Bahia, no Brasil foram documentadas 326 mortes de gays, travestis e lésbicas, incluindo nove suicídios, em 2014. Um assassinato a cada 27 horas. Aumento de 4,1 % em relação ao ano anterior (313).

Pela primeira vez, o Centro-Oeste emerge como a região geográfica mais intolerante, com 2,9 ‘homocídios’ para cada 1 milhão de habitantes, seguido do Nordeste (2,1), Norte (1,5), Sudeste (1,2) e Sul, a região menos violenta, com 0,7 mortes.

Das capitais brasileiras, João Pessoa é a mais perigosa, com 15,3 vítimas por milhão de habitantes, seguida de Teresina 11,9 e Cuiabá 10,4.





Fonte: A Gazeta

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