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Internacional
Terça - 21 de Julho de 2015 às 06:30

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Imigrante diz que muitos brasileiros consideram haitianos como escravos

Nesta semana, uma cena chamou a atenção do mundo para o drama de meninos e meninas que vivem como refugiados. Aconteceu durante um encontro da chefe de governo alemã Angela Merkel com jovens estudantes.

Uma das meninas contou que vive há quatro anos na Alemanha como refugiada palestina. Ela sonha em estudar em uma universidade, mas agora a família dela enfrenta uma possível deportação porque não consegue visto de residência permanente.

Angela Merkel respondeu que o processo para decidir os vistos é demorado. Mas disse também que a Alemanha não pode receber todos os refugiados, e alguns terão que retornar a seus países. De repente, Angela Merkel percebeu que suas palavras tinham feito a menina chorar. Ela foi até lá e tentou consolar a pequena imigrante, a menina que não pode sonhar.

E no Brasil? Com o que que sonham os pequenos imigrantes? O que podem esperar, por exemplo, milhares de meninos e meninas de famílias que fugiram do Haiti e vivem agora em nosso país?

Os filhos a tiracolo, a mala na cabeça e, sobre as costas, o peso imenso de uma tragédia. “Eu posso ficar e passar o dia inteiro sem comer, mas ver meu filho sofrendo, ver minha mãe sofrer. Era muito duro pra mim quando eu vi essas pessoas sofrendo”, conta o técnico em refrigeração Cris Philome.

Depois do terremoto de 2010, que matou 230 mil pessoas e deixou 1,5 milhão de desabrigados, 56 mil haitianos já emigraram para o Brasil, segundo o Ministério da Justiça. A maioria entra no país pelo Acre e segue de ônibus para os estados do Sul e do Sudeste.

Cris foi dos primeiros a chegar, em 2010. Trouxe a mãe com ele, mas não deu tempo de salvá-la das sequelas da fome. “Quando ela morreu, eu senti muita dor. Aí eu nem conseguia trabalhar naquela época”, relembra.

Buscou ajuda na missão paz, em São Paulo, por onde passam mais de 20% dos haitianos que entram no Brasil. A instituição tenta ajudar os imigrantes que chegam em número cada vez maior. “Em 2010, aqui na missão paz, chegaram os primeiros 28. Em 2011, chegaram já 70. Em 2012, passaram para 800. Em 2013, foram 2, 4 mil. Em 2014, 4.680. Este ano, estamos aproximadamente ao redor de 1, 6 mil”, conta o padre Paolo Parise.

Stessy e o marido tiveram uma filha assim que chegaram. Ela não fala direito o português. A língua é a grande barreira de adaptação. Os filhos aprendem o português muito antes dos pais. “A criança que tem esta facilidade, realmente, para aprender o idioma e se inculturar, ela faz a ponte entre a nova realidade e o lugar de origem”, explica Parise.

Robert tem quatro filhas. Professor de matemática no Haiti, em São Paulo, ele conseguiu emprego de operário, mas não gostou do que viu. “ Encontro muitas injustiças. Muitos brasileiros ou brasileiras consideram os haitianos, nas empresas, como escravos”, afirma.

A mulher dele trabalhou seis meses em uma fábrica e foi demitida sem ganhar um tostão. “Até agora, a empresa não pagou nada a ela”, diz Robert. Sem falar nossa língua, ela nem sequer conseguiu reclamar com o patrão que a explorou.

Quem teria o melhor português da família? Elshanaelle tem 7 anos. Foi ela quem ensinou o pai a falar português.

Robert: Me conta muitas histórias. Sabe muitas histórias em português.
Fantástico: Ah, é? Você sabe histórias? Você conta para o seu pai?
Elshanaelle: Sim.

Embora se sinta discriminado no Brasil, Robert diz que as duas filhas pequenas foram acolhidas na escola sem problema algum. “Não sabem nada de discriminação. Não sabem o que é discriminação”, afirma.

Elshanaelle e a irmã Endesheis, de 10 anos, estudam em uma escola estadual em Guaianazes, na zona leste de São Paulo. Outros dois meninos haitianos estudam com elas. Keverns tem 7 anos. O futebol fascina o garoto. No Haiti, a imaginação inventava a bola que ele não tinha. “Tem pedra em todo chão. Então pega a pedra no chão e é só chutar. Aí, quando doer, não sei o que fazer. Aqui dá para jogar com bola”, afirma o menino.

Mas, se há aprendizado, há também retribuição. “Eu vou ensinar ‘oi’: ‘Salut’”, diz Elshanaelle.

Mil e cinco estudantes haitianos já estão matriculados em escolas públicas brasileiras, 262 só emSanta Catarina. Boa parte deles, na região que prosperou com a imigração. Blumenau foi fundada por imigrantes alemães. A escola municipal Lauro Müller tem o nome de um político descendente de alemães. Quase todas as crianças que estudam vêm de famílias que, no passado, viveram as privações e dificuldades da adaptação a um país estranho. A experiência radical do encontro de culturas diferentes está de volta a Blumenau.

As colegas que vieram de longe são as estrelas da aula de geografia. De viajar, Gine entende. Saiu de Les Cayes para a capital, Porto Príncipe. Dali, para o Panamá. Depois, Venezuela. Entrou no Brasil por Manaus. Foi a Brasília e São Paulo, até chegar a Blumenau, onde encontrou uma escola diferente da que conhecia.

Gine Saint Louis (10 anos): Aqui faz mais prática.
Fantástico: Mais prática? Você gosta mais?
Gine: sim.
Fantástico: E os coleguinhas? Você fez muitos amigos aqui?
Gine: Sim.

Hadassa Peters, de 11 anos, achou demais ter uma colega poliglota!

Hadassa: Eu pedi para Gine me ensinar a falar espanhol, porque eu acho incrível. Assim, muito legal.
Fantástico: Ela fala espanhol, fala francês e ainda fala português!
Hadassa: Que é difícil, né?
Fantástico: É difícil. Francês, então!

Sem contar as novas brincadeiras importadas do Haiti que Eveline ensinou.

Hadassa: Ah, ela é uma menina muito legal, ela é muito esperta, muito bagunceira.
Fantástico: Bagunceira? Sério?
Hadessa: É sapeca.

Ótimas alunas, elas dominaram o português em poucas semanas.

Fantástico: Aprendeu rápido? Sua família aprendeu também? Seu pai?
Eveline Delvirme, de 11 anos: meu pai aprendeu, minha mãe não conseguiu.
Fantástico: Não conseguiu?
Eveline: Não.

Eveline, o irmão mais velho e a caçula moram com os pais na periferia de Blumenau. Dioufort veio para cá em 2010, logo depois do terremoto. Só pensa agora no futuro dos filhos.

Dioufort Delvirme (operário): Eu trabalho aqui, mas eu ganho pouquinho.
Fantástico: Pouquinho?
Dioufort: Eu vou ver se ela vai ganhar mais.
Fantástico: Estudar para ganhar mais no futuro, né? Se formar na faculdade?
Dioufort: Se formar na faculdade.

Ao contrário do que lhe disseram, Dioufort não encontrou um pingo de resistência na colônia alemã. “Se tem discriminação, eu não sei”, afirma.

Que o digam os filhos dele, que já participam da fanfarra alemã, dançando com os ‘fritz’ e as ‘fridas’ da banda. “Nós temos no Brasil essa multiculturalidade, esse multiculturalismo, que pode ser somado e que pode contribuir muito mais. Nós não precisamos nos fechar”, afirma a professora Mariana Gonzales.

Nada mais brasileiro do que abrir-se à mistura e ao que os outros povos podem nos trazer de bom. “A identidade cultural é dinâmica, feita através de encontros, trocas. Esse povo, acho que traz o orgulho de se ter libertado da escravidão. Aquele olhar otimista. Ele sempre vê uma solução. Sempre aposta no futuro”, diz o padre Paolo Parise.





Fonte: G1

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