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Nacional
Quarta - 16 de Setembro de 2015 às 14:21

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Após perder o emprego em uma empresa de tecnologia, Roberto* decidiu que seria taxista em São Paulo. Para isso, fechou um acordo com seu vizinho, que possui um alvará e um táxi, para entrar como segundo motorista. Então tirou a carteira da profissão (Condutax), fez o registro no DTP (Departamento de Transportes Públicos, da prefeitura) e, no início de setembro, já estava rodando pela cidade, com ponto garantido em uma rua movimentada do Jardim Paulista, um dos bairros mais ricos da capital. Sua recolocação profissional só tem um porém: ele paga R$ 120 ao dia para o dono do alvará, o que é ilegal.


Essas concessões são gratuitas e não podem ser compradas, vendidas ou alugadas. Apesar disso, taxistas da cidade falam abertamente sobre essas práticas, que os acabam forçando a aumentar a jornada de trabalho para pagar as despesas.

Roberto (que pediu à reportagem para não ser identificado) trabalha das 8h às 14h só para quitar a diária e o combustível. É só a partir de sua oitava hora de trabalho que ele começa a colocar dinheiro no bolso. Não raro, sua jornada chega a 14 horas diárias.

— Trabalho de 12 a 14 horas por dia. Mas não é por causa do alvará, é porque preciso pagar minhas contas.

Roberto aceita essa situação porque, como diz, “é melhor assim do que estar desempregado”. Mas uma CPI na Câmara de Vereadores de São Paulo pretende investigar esses crimes e acabar com isso.

No último dia 9, quando a Câmara aprovou um projeto de lei que proíbe a atuação de aplicativos como o Uber na cidade, a vereadora Sandra Tadeu (DEM) entrou com um pedido de CPI sobre o tema, apelidada de “CPI dos Alvarás”.

— Ninguém trabalha 15 horas por dia porque quer, mas por necessidade. Isso pra mim é um trabalho escravo. São quase 15 mil [taxistas] nessas condições. Pessoas que trabalham sem nenhum vínculo empregatício. Se bater o carro e sofrer um acidente, não vai ganhar absolutamente nada.

Para a vereadora, a venda e a locação dos alvarás levam ao abuso dos trabalhadores, à piora do serviço e também é um dos motivos para o sucesso do Uber na capital.

— Se o Uber apareceu na cidade de São Paulo, é porque o sistema estava fraco e falho. Se o sistema fosse eficiente, o Uber iria aparecer e ninguém iria notar.

O que pode e o que não pode?

Segundo a Secretaria Municipal de Transportes, “o alvará é gratuito e não pode ser objeto de compra e venda entre particulares porque contém o direito de exercício da atividade econômica e o direito de estacionar na via pública, que é um bem público”. A locação também é proibida.

De 2012 até 19 de agosto de 2015, o DTP abriu 281 processos de investigação: 128 Alvarás/Condutax foram cassados, enquanto os demais continuam em análise.

A prefeitura informa que há 105 fiscais nas ruas diariamente fiscalizando serviços de táxi, frete, escolares, motofrete e carga a frete.

Apesar disso, a negociação de alvarás é corriqueira. Sem saber que estava sendo filmado, um taxista admitiu para a reportagem que paga uma mensalidade de R$ 2.700 para poder rodar pela cidade.

Esse taxista aluga apenas o alvará, já que possui o próprio veículo. Mas até a propriedade de seu carro está em risco, já que ele pagou pelo automóvel, mas o colocou em nome do proprietário do alvará.

— [O dono do alvará] disse que, se eu quiser parar com o táxi e tirar o carro, eu posso fazer. Mas não tenho nenhuma garantia.

O presidente do Sindicato dos Taxistas Autônomos de São Paulo, Natalício Bezerra, nega as práticas ilegais.

— Venda de alvará não existe. A transferência está sendo feita baseada na lei 7.329/69, que dá esse direito. Nada proíbe de transferir [o alvará]. A não ser que se revogue essa lei. O sindicato não é contra isso. Se tiver que revogar e tirar o segundo motorista, o sindicato vai aceitar. Mas tem que passar pela Câmara e o prefeito sancionar.

E diferentemente do que estabelece a prefeitura, que proíbe a cobrança de diárias, o presidente do sindicato afirma que essa prática é legal.

— Lógico que o taxista tem [o direito de cobrar uma diária do segundo motorista]. O carro é meu e o alvará é meu. Eu trabalho de dia e ele trabalha à noite. O problema nesse caso são os preços abusivos.

Antiga lei, velhos problemas

Embora tenha aprovado o projeto que proíbe o Uber, a vereadora Sandra Tadeu diz que a Câmara não discutiu o mais importante: a lei 7.329, sancionada em julho de 1969 pelo então prefeito Paulo Maluf.

— Temos que modernizar o passado até para podermos nos incorporar tecnologicamente. Por que não se consegue discutir a lei de 1969? Esse projeto [que proíbe o Uber] não vai resolver o problema. O problema continua existindo.

“Como é que esses alvarás são transferidos? Em que condições?”, pergunta o vereador Abou Anni (PV), autor do pedido de CPI ao lado de Sandra.

— É notório que existe comércio irregular. (...) E por que temos as ‘frotavitalícias’, que operam com 200, 300, 400 alvarás? Eles se utilizam de concessão pública, e o que vários taxistas relatam é que é um trabalho escravo. Temos licitação no transporte coletivo, no transporte escolar. Por que para os táxis não?

Segundo Toninho Vespoli (PSOL), um dos três únicos vereadores que votaram contra a proibição do Uber, a lei de 1969 “é retrógrada por conta do tempo e por conta do quanto essa cidade mudou”. Ele defende a discussão de um novo modelo para o transporte individual.

— Ignorar a possibilidade de que as novas tecnologias ajudem a viver melhor e a ter uma mobilidade melhor, em uma cidade que tem esse problema, é uma burrice.

Para a CPI começar a trabalhar, basta somente que a maioria simples da casa (28 vereadores) aprove a investigação.

Segundo o Regimento Interno da Câmara, são permitidas até 5 CPIs ao mesmo, sendo que duas devem funcionar obrigatoriamente — atualmente operam a CPI das Torcidas Organizadas e a dos Planos de Saúde.

Para uma terceira em diante ser aberta, o vereador precisa recorrer ao “caráter excepcional” e “motivo relevante” da matéria.

Segundo a assessoria de imprensa da Câmara, há 37 pedidos de CPI protocolados atualmente. A dos Alavrás, que está em nome de Abou Anni, é a 36ª.

“Talvez não comece esse ano, mas no ano que vem ela tem que ser pautada”, diz Sandra.





Fonte: Do R7

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