Audiência discute exigência de antecedentes criminais a candidato a emprego
A exigência da entrega de certidão de antecedentes criminais por candidatos a vagas de emprego é inconstitucional, a não ser que o pedido tenha uma justificativa. Apesar de as empresas terem o direito de organizar sua atividade e promover a seleção de trabalhadores, esse direito não é absoluto. É ilegal usar a existência de antecedentes criminais como critério para a contratação, e o ato configura adoção de “prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de trabalho”, diz a Lei 9.029, de 1995.
Em algumas categorias profissionais, no entanto, a exigência é considerada legítima e legal. “Temos algumas categorias que necessitam de registro e certificação especial, como é o caso dos vigilantes armados, por exemplo, em razão do porte de arma. Eles são contratados por empresas especializadas em garantir a segurança de pessoas ou de patrimônio. Nesse caso, a exigência da certidão é considerada lícita, legítima e até esperada, em razão da particularidade da profissão”, explicou a diretora de Cidadania e Direitos Humanos da Associação Nacional de Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Noêmia Porto, alertando que nem sempre há consenso sobre essas exceções à regra.
A juíza contou que a questão tem gerado dúvidas nos tribunais trabalhistas do país, resultando em decisões judiciais conflitantes. “Há decisões em que os tribunais avaliaram que havia ilegalidade na prática e em outra situação similar, legalidade”, explicou. “Como não temos uma sistematização legal sobre o assunto, fica difícil para um tribunal dizer para quais as categorias profissionais, em tais situações, a exigência é legal.”
Para tratar do assunto, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) promove, nesta terça-feira (28), audiência pública em Brasília com o tema "A exigência de apresentação de certidão de antecedentes criminais pelos candidatos ao emprego gera dano moral?". A audiência foi convocada pelo ministro Márcio Eurico Vitral Amaro, relator de dois recursos repetitivos sobre a questão, que aguardam julgamento. A assessoria de imprensa do TST informou que “o objetivo é a obtenção de informações úteis à formação do precedente judicial que será aplicado em todas as causas no país nas quais o tema é discutido, conforme previsto na Lei 13.015/2014”.
“Como o tribunal não consegue avaliar toda a realidade do mercado, a audiência pública serve exatamente para isso, até para o tribunal se surpreender com alguns argumentos, enxergar categorias que não ficaram visíveis nas decisões analisadas até agora e reafirmar o posicionamento em tantos outros casos em que a regra geral tem que prevalecer.”, disse a juíza Noêmia Porto.
Um dos recursos que está no Tribunal Superior do Trabalho é o do advogado Marlos Sá Wanderley, especialista em direito trabalhista. O processo trata do caso de uma contratante, uma grande empresa da Paraíba, que pediu a certidão de antecedentes criminais a um cidadão que concorria ao cargo de operador de máquinas. Ele pede dano moral pela solicitação, considerada ofensiva. “Se tivesse antecedente, provavelmente não seria contratado”, observa o advogado.
Wanderley argumenta que a natureza do cargo em questão não justificava o pedido de uma certidão e, apesar de o empregado ter sido contratado, para o advogado “sua dignidade, sua honra e sua intimidade já tinham sido atingidas, pois não havia sentido na exigência”.
O advogado concorda que há casos específicos em que o pedido é razoável, mas para ele são minoria. “Quando a pessoa tem acesso a dados sigilosos e bancários, por exemplo, como no caso dos operadores de telemarketing, também é razoável. Agora, exigir de um servente de obras não é razoável, vai contra o princípio da legalidade, o princípio da dignidade da pessoa humana, o princípio do valor social do trabalho, da busca do pleno emprego, da inviolabilidade da intimidade, da vida privada, honra e imagem do empregado”, afirma.
Estigma e direito ao esquecimento
Noêmia Porto disse que a Anamatra vê com preocupação o “uso generalizado” da exigência como condição de acesso ao emprego. Ela explicou que um dos problemas é que “o antecedente criminal não vem apenas no caso de decisão judicial transitada e julgada. Pode-se ter uma certidão negativada por ter passagem na polícia, por exemplo, o que não significa nada, somente que a pessoa foi inicialmente indicada como possível praticante do crime”. Noêmia destaca que os cidadãos brasileiros têm direito ao esquecimento e devem ser protegidos do preconceito.
A juíza lembra que outra questão problemática é imaginar que um eventual condenado por violência doméstica ou alguém condenado pelo crime grave de pedofilia, por exemplo, seria uma pessoa absolutamente irretratável na sociedade. “Uma vez que ele cometeu esse crime no passado e pagou por ele, já pagou sua dívida, foi processado, julgado, cumpriu pena, significa que nunca mais essa pessoa teria a menor condição de ser professor de criança. Essa é uma pressuposição, no mínimo, temerária e preconceituosa. E que estabelece na prática bloqueios de acesso aos contratos de emprego”, argumentou.
Segundo Noêmia, todo bloqueio de acesso ao trabalho é sempre muito complicado porque na medida em que mais pessoas têm dificuldade para encontrar emprego, mais pessoas ficam marginalizadas. “E a marginalização social não é arriscada só para quem está à margem do emprego, essa marginalização é problemática para o conjunto total da sociedade.”
O advogado trabalhista Marlos Sá Wanderley destaca que a exigência de antecedentes criminais “de toda forma” afeta o trabalhador. “Se o empregado tiver antecedentes criminais e não for contratado para o emprego por isso, a violação de sua intimidade e o prejuízo serão muito grandes, porque essa pessoa não terá condições de se ressocializar, não vai ser inserida do mercado de trabalho. E caso a empresa contrate o empregado porque ele não tem antecedentes criminais, o prejuízo será menor, porque afinal o candidato conseguiu o emprego, mas sua intimidade já foi violada”, argumenta.
“Se a pessoa já pagou pelo crime que cometeu, tem o direito de se livrar do estigma para se reintegrar à sociedade”, ressaltou o advogado.
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