Lei Menino Bernardo completa dois anos de incentivo à educação sem violência
Um evento com exposição itinerante, roda de conversa e palestra na Defensoria Pública do Rio de Janeiro lembrou ontem (29) os dois anos de promulgação da Lei 13.010/2014, conhecida como Lei Menino Bernardo, que estabelece como direito da criança e do adolescente serem educados e cuidados sem o uso de castigos físicos ou de tratamento cruel ou degradante.
O nome da lei é uma homenagem ao menino Bernardo Boldrini, morto em abril de 2014, aos 11 anos, em Três Passos (RS). Os acusados são o pai e a madrasta do menino, com ajuda de uma amiga e do irmão dela. Segundo as investigações, Bernardo procurou ajuda para denunciar as ameaças que sofria.
O evento foi organizado pela Rede Não Bata, Eduque, que trata do tema há dez anos e ajudou na discussão para aprovação da lei. A coordenadora da organização, Márcia Oliveira, disse que a lei é um marco no combate à violência contra as crianças, assim como a Lei Maria da Penha é no caso da violência contra a mulher.
“A Lei Menino Bernardo traz um novo olhar sobre o processo educativo e de cuidados com crianças e adolescentes. A ideia é que os pais, responsáveis e todos os responsáveis que lidam com crianças de alguma forma, percebam que bater, xingar, humilhar, não é um processo educativo e que busquem outras alternativas.”
Segundo Márcia, a educação não violenta de crianças e adolescentes requer uma mudança cultural na sociedade brasileira. “A gente acredita que está construindo uma sociedade menos violenta, em que o processo de educação e de cuidado tem um novo olhar. Todas as pesquisas dizem que quando você bate na criança para educar, que as pessoas fazem uma confusão com disciplina, você está ensinando violência.”
Estatuto
Participante da roda de conversa, a coordenadora de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente do Estado do Rio de Janeiro, Eufrásia Souza, ressalta que a lei reafirma os direitos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e não cria nenhuma modalidade penal.
“As pessoas dizem equivocadamente que o pai que bater no filho vai ser considerado criminoso como estuprador, assassino. Não é isso. A lei não traz nenhuma tipo de punição na esfera criminal, nenhuma inovação na legislação penal, além do que já está previsto, como maus tratos, homicídio, estupro. A lei é afirmativa, ela assegura o direito de toda criança e adolescente ser criado sem o uso de castigo físico ou tratamento cruel ou degradante”, explicou.
Segundo a médica pediatra Rachel Niskier, do Instituto Fernandes Figueira e da Sociedade Brasileira de Pediatria, pesquisas comprovam os malefícios da violência no desenvolvimento da criança e do adolescente.
“A criança que é criada com violência, xingamento, palmadas, tapinha, tapões, não importa, ela cresce insegura, com maior possibilidade de desenvolver mais tarde, seja na adolescência ou na fase adulta, problemas de comportamento, chegando até a marginalidade, problemas de saúde mental, depressões, suicídio e outros problemas que podem interferir na vida pessoal e social dela”, listou. “Óbvio que são casos extremos”, acrescentou.
Para a pediatra, a lei sozinha não vai fazer “milagre social”, mas é um avanço. “Quando atendo um menino que fica sozinho em casa doze horas porque sua mãe precisou sair de casa de madrugada para fazer faxina a três horas de ônibus da sua casa e esse menino ficou sozinho sem um acompanhamento da sua comunidade, sem a proteção das políticas públicas que lhe dessem escola de qualidade em tempo integral, possibilidade de outras atividades lúdicas esportivas culturais, eu sinto até uma pena tanta discussão, tanto tempo jogado fora, quando se sabe que sem uma estrutura social, política e econômica adequada não adianta que milagres não acontecem”, lamentou.
Experiências
Bolsista da Rede, Tiago de Araújo Silva, 17 anos, é um dos facilitadores do diálogo nas rodas promovidas pelo projeto em locais como clínicas da família e escolas. Ele conta que conseguiu melhorar a própria relação com os pais e que seus irmãos mais novos já não recebem as palmadas que ele levou quando “aprontava”. Segundo Thiago, o objetivo das rodas de diálogo é romper com o ciclo de violência na sociedade.
“A gente faz essa metodologia com adolescentes, idosos e temos visto resultado, a gente está passando a importância de não usar a violência. É um grande desafio, porque muita gente foi ensinado que bater é a forma certa de educar, mas com muita insistência e perseverança a gente vai quebrando esse pensamento deles, agora estão tendo uma visão de que bater não é certo e que educar sem violência dá certo. Idosos dizem que se arrependem de terem usado violência para educar os filhos e estão passando isso para os netos, rompendo o ciclo de violência.”
A jovem Débora da Cruz da Silva, 21 anos, integra o programa Rap da Saúde, da Secretaria Municipal de Saúde, que dialoga com outros jovens de forma lúdica e dinâmica para tratar temas relacionados à saúde.
“Tem adolescentes que são mães, que não sabiam lidar com os filhos e acabavam indo para a violência. Tem uma parte da roda que são os sentimentos, quando chega nessa parte muitas delas contam que se arrependeram, que todo o processo da roda fez com que elas mudassem a visão e já começam a pensar em estratégias, que é a última parte da roda, vê que realmente tem como educar sem violência.”
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