Igreja São João Batista em Poxoréu. Leia sobre o município
Poxoréu tinha tudo pra dar certo, mas não foi bem assim. Parte do centro ainda resiste e mantém ares de normalidade, com razoável movimentação. Porém, no conjunto, a cidade agoniza.
Em 1960 o município tinha 16.687 habitantes. Desde então, a população nunca foi tão reduzida quanto agora: 16.441 residentes. Há alguns anos o índice de crescimento populacional é negativo. Somem-se a isso preocupantes indicadores sociais e o desmembramento político de Primavera do Leste. O município perdeu a vitalidade econômica desde que o garimpo entrou para a história. Resta à força da pecuária com suas 300 mil cabeças bovinas, que gera poucos empregos da porteira pra dentro.
Em 2016 o caos não dá lugar à comemoração pelos 78 anos de emancipação de Poxoréu, data que na época das vacas gordas era celebrada com festança em 26 de outubro. A luz no fim do túnel aponta para a MT-130, a rodovia que cruza o perímetro urbano e será uma das principais de Mato Grosso, pois é rota obrigatória das commodities de Paranatinga e região ao terminal ferroviário de Rondonópolis. Dos bons tempos do garimpo não resta nem mesmo o xibiu que os capangueiros refugavam.
A realidade mostra que o momento é de tirar as pedras do caminho pra encontrar o diamante sem jaça e, assim, bamburrar. A outrora Capital dos Diamantes não aguenta mais ficar blefada.
Situada entre Rondonópolis, Primavera do Leste e Campo Verde, Poxoréu está em descompasso na região mais desenvolvida de Mato Grosso. A riqueza da cidade escapou por entre as mãos.
Agências bancárias baixaram as portas, a 5ª Zona Eleitoral foi removida para Nova Mutum e figuras ilustres pegaram a estrada, se mandaram para outros lugares, de onde arrotam suspeita paixão pela terra que um dia também foi deles. O êxodo esvaziou o lugar, mas a Santa Sé permanece firme, com sua Matriz São João Batista e outras igrejas, e seu foco continua nos índios xavantes e bororos, sem perder de vista a população urbana e rural, que em boa parte se converteu às denominações evangélicas, que abriram templos por todos os cantos.
A vida segue ao ritmo do tique-taque, avançando, mas diferente dos anos 1940, 50 e 60, época em que a elite econômica e os novos ricos do garimpo usavam o avião como meio de transporte.
Uma das rotas Cuiabá-Belo Horizonte, operadas pela extinta companhia Real Aerovias, fazia escalas na cidade com seus bimotores DC-3. O município vivia um período de opulência no ciclo do diamante.
Nas décadas de 1960 e 70, quando a agência do Banco do Brasil não dispunha de numerário para grandes saques – então comuns –, o gerente recorria a um velho conhecido de todos, Prisco Menezes, o ex-garimpeiro que se tornou milionário emprestando dinheiro a juros. Àquele tempo o médico e ex-prefeito Antônio dos Santos Muniz, o Doutor Muniz, dizia que a cidade era um verdadeiro ímã, que segurava todos que chegassem. O Doutor Muniz era exceção quanto ao poder de sedução de Poxoréu: um dia ele trocou a Boa Terra da Bahia por aquele lugar, de onde saiu às pressas para Rondonópolis deixando pra trás inclusive o mandato na prefeitura, após ser derrubado do cargo num verdadeiro golpe de Estado em dimensão municipal.
Por volta de 1980, com os primeiros sintomas da exaustão do diamante, levas de garimpeiros migraram para Juína. No auge do garimpo – estimava João de Barro, antigo morador do distrito de Alto Coité, seis mil aventureiros arriscavam a sorte em Poxoréu.
Garimpo não era a única aventura. Para o paulista Jubal Martins da Siqueira, ex-vereador e ex-pecuarista já falecido, em nenhum lugar do mundo se joga tanto quanto em Poxoréu. O jogo a que Jubal se referia é o baralho, mesmo. São muitos os tunguetes e casas onde as cartas correm soltas madrugadas adentro. Jubal era falante sem perder a verdade nem abrir mão da seriedade.
Em 1969 Jubal construiu na fazenda Lidianópolis, de sua propriedade, a primeira piscina da zona rural de Poxoréu.
Antes da piscina de Jubal, em 1966, chegou ao distrito de Paraíso do Leste o mineiro, descendente de italianos, José Nalon, acompanhado por familiares, e iniciou ali, naquele ano, o plantio da primeira grande lavoura de fumo para a indústria tabagista de que se tem registro em Mato Grosso. O pioneirismo dos Nalon não parou por aí. Trinta anos depois, Manoel Nalon, filho do fumeiro, liderou um movimento que resultou na tentativa da cultura do maracujá em escala no município.
O Morro de Mesa foi a referência geográfica aos garimpeiros que no final do século XIX buscavam o diamante nas altas cabeceiras do pantaneiro rio São Lourenço. Agora, é ponto turístico, mas sem exploração – cartão-postal que a prefeitura não sabe valorizar.
A colonização do lugar começou em 1924 com o garimpo. Quatorze anos depois Poxoréu era cidade, não sem antes ser destruída por um incêndio que devorou seus primeiros casebres. No ano seguinte à emancipação, o coronel Luizinho – que na bia batismal recebeu o nome de Luís Coelho de Campos – foi empossado intendente, que era a denominação do prefeito à época.
Rica em diamante, Poxoréu ganhou representatividade política. O ex-senador Louremberg Nunes Rocha, que nasceu naquele lugar, conta que na eleição para presidente da República em 1950 todos os candidatos foram à sua cidade.
A representatividade política numa visão doméstica em Poxoréu é atípica. Filho do ex-prefeito Joaquim Nunes Rocha, Lindberg Nunes Rocha administrou o município em vários mandatos; a prefeita Jane Maria Sanchez Lopes é sua mulher e Louremberg, seu irmão. Antes da figura da reeleição, Lindberg cismou em permanecer na prefeitura após seu mandato. Para tanto lançou seu primo Lucas Ribeiro Vilela à sua sucessão. Com a força do clã Rocha, Lucas ganhou de barbada. Juntos os dois primos protagonizaram um episódio talvez inédito na política nacional. Eleito, o parente deixou as chaves da prefeitura e junto com elas uma procuração com plenos poderes ao antecessor. Essa situação perdurou ao longo do mandato.
“O problema do diamante é que ele não dá duas safras”, resume o ex-garimpeiro e agora parceleiro do Incra João Gualberto Guimarães, o João Gogó. A opinião de João Gogó reflete parte do problema, que é maior porque a incompetência dos prefeitos nunca deu passagem à alternativa econômica. Tanto assim que uma infeliz poligamia do município com o Estado e o governo federal resultou na criação de dois projetos Casulo periféricos à cidade, onde foram assentados ex-garimpeiros. Todos os que bebem água, à exceção de alguns em Poxoréu, sabem que o homem acostumado ao garimpo não se adapta à agricultura familiar. Por isso, os Casulos foram pro beleléu.
O diamante escafedeu-se e o pouco do que resta enfrenta o travamento do Ibama. Sem garimpo, não há onde trabalhar. Por isso há silencioso e permanente êxodo em busca de oportunidades. Muitos fazem as malas e se mandam para Primavera do Leste e Rondonópolis, onde mão de obra ociosa é igual fantasma – pode até existir, mas ninguém vê.
Nenhuma zona boêmia ganhou tanta fama em Mato Grosso quanto a Rua Bahia, no centro de Poxoréu. No começo dos anos 1970, quando o garimpo estava no auge, mais de 20 boates mantinham acesas suas luzes vermelhas, com suas vitrolas no volume máximo ou ao som do maestro Marinho Franco. Em frenesi, as mulheres dispostas a tudo, com suas roupas provocantes e carregadas com maquiagem que realçava a beleza e escondia a feiura.
O coração de Poxoréu batia mais forte na Rua Bahia, onde garimpeiros endinheirados lavavam o chão dos cabarés com cerveja Brahma gelada e pagavam o doce sabor do sexo com a moeda mais forte e conhecida por todos: o diamante.
À noite a Rua Bahia fervilhava; na madrugada, mais ainda. Onde se garimpa diamante a criminalidade é zero ou quase isso, ao contrário das praças das fofocas do ouro. Com sua riqueza, seu sexo, sua farra e seu jogo, Poxoréu foi paraíso.
Quando o último boêmio saía do cabaré e as portas e janelas se fechavam no salão silencioso e impregnado pelo azedume da cerveja e do conhaque derramados, Poxoréu voltava ao garimpo, para mais tarde, tão logo o sol se pusesse, voltar a viver gostosa noite de orgia.
As mulheres da Rua Bahia conviviam bem com a população e embarcavam para Cuiabá ou Rondonópolis nos ônibus da empresa Baleia junto com os demais passageiros. Normalmente saíam em pequenos grupos para as compras na "Loja Para Todos", do Bartolomeu Coutinho, o Bartô, em outros pontos do comércio ou em busca de uma agulhada de Benzetacil na farmácia de seo Amarílio de Britto, pra curar incômoda gonorreia. Algumas, mais atiradas, entravam na Matriz para preces a Jesus, o Senhor que perdoou Madalena. Os rufiões também se misturavam ao povo, onde se abrigavam os coronéis das quengas e os gigolôs. O Cine Roma elas conheciam somente pelo lado de fora, porque a exibição dos filmes coincidia com o horário do trabalho da profissão mais antiga do mundo.
Sem o diamante, a Rua Bahia morreu. Seus cabarés viraram ruínas e as pedras de seu calçamento não escutam mais os ais do prazer, ouvem apenas o cortante silêncio sepulcral de uma triste cidade sem garimpo, sem zona boêmia, sem rumo.
Mesmo que a cidade retome sua movimentação, dificilmente a Rua Bahia ressuscitará. O sexo perdeu o quê de boemia, ganhou espaço entre a juventude com sua parafernália nas redes sociais. O casamento já não é mais o mesmo. A vida mudou. Falta agora a mudança de Poxoréu, ou melhor, seu reencontro com a vitalidade econômica para que seu povo tenha melhor qualidade de vida e sua força de trabalho encontre o que fazer perto de casa.
Em 1949, usurpando o papel do governo no melhor sentido da palavra, o garimpeiro mineiro e residente em Poxoréu Jacinto Silva rasgou a machado a rodovia Deputado Osvaldo Cândido Pereira (MT-130). Nos anos 1980 ela foi pavimentada pelo governador Júlio Campos. Agora vai ganhar intensa movimentação com o transporte de commodities agrícolas para o terminal da ferrovia em Rondonópolis.
Poxoréu não tem política para incentivar investidores da agroindústria, de modo a descentralizar a concentração das fábricas que constroem plantas nas boas cidades que a circundam. Pela MT-130 a cidade tem escoamento garantido. Falta produzir antes que a juventude parta em busca do amanhã que a bruma administrativa não deixa clarear sobre a antiga Capital dos Diamantes.
SERVIÇO:
Poxoréu, na região sul, dista 240 quilômetros de Cuiabá, 85 quilômetros de Rondonópolis e 40 quilômetros de Primavera do Leste.
O principal acesso é a MT-130.
A pista do aeroporto não é pavimentada.
A cidade fica à margem do rio Poxoréu, nome que para os bororos quer dizer água escura.
O Produto Interno Bruto (PIB) do município é de R$ 400.038.000.
A renda per capita de Poxoréu é de R$ 23.644,33.
O Índice de Desenvolvimento Humano é de 0,678 numa escala de zero a um.
Poxoréu realizada anualmente um grande evento artístico e cultural: o Encontro Nacional de Violeiros, em data móvel entre abril e maio. Neste ano o Encontro aconteceu em maio, e como tradicionalmente acontece, reuniu alguns dos principais violeiros brasileiros.
O desmembramento territorial de Poxoréu permitiu a criação dos municípios de Rondonópolis, São José do Povo, Pedra Preta, Juscimeira, São Pedro da Cipa, Jaciara, Dom Aquino, Primavera do Leste, Santo Antônio do Leste e parte de Campo Verde.
INFOGRAFIA: Édson Xavier (065.9.9942-2534)
Jarudore a um passo da guilhotina
Poxoréu tem um distrito ameaçado e extinção. ÉJarudore, que está a um passo de ser riscado do mapa como aconteceu em 2012 com Estrela do Araguaia, que pertencia a São Félix do Araguaia, Alto Boa Vista e Bom Jesus do Araguaia, onde o Estado Brasileiro criou a terra indígena Marãiwatsédé, destinada ao xavantes.
Resumidamente a realidade de Jarudore é o que está escrito na sequência. Comunidade não se faz somente com história, mas e principalmente com gente: daí a citação do personagem Otávio.
Um dos graves problemas enfrentados por Mato Grosso é a insegurança jurídica quando o assunto é terra indígena ou criação e ampliação dessa. Em dezembro de 2012 a população assistiu perplexa milhares de brasileiros que há décadas viviam na antiga fazenda Suiá-Missú serem arrancados de suas casas, despojados de suas terras e lavouras e jogados à margem das estradas por forças federais, que cumpriam a desintrusão que abriu espaço ao Território Indígena Marãiwatsédé, com 155 mil hectares, em Alto Boa Vista, São Félix do Araguaia e Bom Jesus do Araguaia, no Vale do Araguaia.
A truculência contra os brasileiros despejados de Suiá-Missú foi além do que se podia imaginar. Máquinas sob a proteção de armas de guerra demoliram a vila Estrela do Araguaia com suas casas, igrejas, escolas, saúde pública, estabelecimentos comerciais e as demais paredes que um dia formaram uma cidade embrionária. No campo, as casas, currais e as cercas também foram demolidos e lavouras sequer puderam ser colhidas. Praticou-se naquela área a política da terra arrasada.
O choro de tantos homens e mulheres de mãos calejadas, de tantas crianças arrancadas da sala de aula e do convívio social em seu universo não chega a Brasília aos insensíveis ouvidos dos doutores da lei e da classe política que tem força para promover mudanças, mas que opta pelo comodismo da sobrevivência grupal.
O que aconteceu em Estrela do Araguaia e na zona rural de Suiá-Missú foi o primeiro ato de uma selvagem política antinacionalista orquestrada por ONGs internacionais com a bênção da Funai e de outras ilhas governamentais do poder. Se não houver uma corrida contra o tempo, liderada por alguém suficientemente corajoso para defender os interesses de Mato Groso e sua gente, outras localidades também serão varridas do mapa.
Mato Grosso tem 58 terras indígenas com área global de 12.586.568 hectares (sem georreferenciamento) onde vivem 46.538 índios de várias etnias. A política indigenista trabalha a regularização de outras 35 terras sendo que sete já foram consideradas “Declaradas”, quatro receberam a definição de “Delimitadas” e 25 estão em “Estudo” – sendo 12 para ampliação e 13 para criação.
Não é possível avaliar qual seria a área indígena global uma vez consumada essa política indígena, porque nem mesmo a Funai sabe qual a superfície a ser expandida nem a que se pretende criar.
A política indígena é executada na esfera federal, mas pode ser contraposta pelos estados. Mato Grosso está numa perigosa encruzilhada: ou enfrenta o problema propondo a manutenção do status quo ou cruza os braços e se prepara para reviver novas Suiá-Missú.
Jarudore é um distrito de paz de Poxoréu, numa área de 4.706 hectares no ponto equidistante entre aquela cidade e Rondonópolis. A gleba é povoada por 2 mil habitantes. A área urbana tem avenida pavimentada, escola estadual, cartório de paz, energia elétrica, supermercados, bares, restaurantes, posto de combustível, oficinas mecânicas, telefonia fixa, policiamento, transporte regular intermunicipal e igrejas. A zona rural é dividida em sítios, pequenas fazendas e chácaras onde predomina a pecuária, pela topografia acidentada do terreno e o solo arenoso.
Atendendo pedido do marechal Cândido Mariano da Silva Rondon a área de Jarudore, de 4.791,33 hectares (corrigida para 4.706 hectares) foi desmembrada de outra, do Estado, pelo Decreto 664, de 18 de agosto de 1945, baixado pelo interventor federal Júlio Müller. O objetivo de Rondon era criar um núcleo de suporte ao vaivém dos índios bororos canoeiros que subiam e desciam o rio Vermelho entre as reservas Merure e Sangradouro/Volta Grande, no cerrado bem distante, na região de General Carneiro, e Tereza Cristina e Perigara, no Pantanal. A mesma função tinha a reserva Tadarimana, de 9.612,69 hectares, também da mesma etnia, mais ao sul, nas imediações de Rondonópolis. Tadarimana, de terra fértil, ao contrário de Jarudore, sempre foi ocupada pelos bororos permanecendo intocável sob tutela da Funai.
Em 26 de junho de 1947 o governador Arnaldo Estevão de Figueiredo baixa o Decreto 314 criando a Escola Estadual Franklin Cassiano da Silva, que em 66 anos de funcionamento ininterrupto formou gerações de jarudorenses.
Em 20 de agosto de 1958 o Cartório do Registro de Imóveis da Comarca de Poxoréu averba a matrícula 3.547 da área de Jarudore para a Funai e em 25 de dezembro daquele ano o governador João Ponce de Arruda sanciona a Lei 1.191 criando o Distrito de Paz de Jarudore com base num projeto de lei do deputado Mário Spinelli (PSP) aprovado pela Assembléia Legislativa.
Em 9 de julho de 1959 o chefe do Serviço de Proteção dos Índios (SPI – antecessor da Funai) da 6ª RI, Alfredo José da Silva, transfere a área denominada “Aldeia Jarudori”, com 4.706 hectares ao município de Poxoréu, porque o SPI não tinha interesse em sua posse. O ato acontece de modo oficial numa Sessão Especial da Câmara Municipal do Poxoréu presidida pelo vereador Manoel Rodrigues de Carvalho, para tratar do assunto. Diante da oferta, os vereadores presentes aprovam por unanimidade autorização ao prefeito Manoel Dióz Silva para receber a citada área e proceder gestões junto ao governo de Mato Grosso para sua efetiva documentação. O prefeito acata a decisão da Câmara e registra o ato em livro próprio do Município. O livro onde se lavrou o ato desapareceu dos arquivos da prefeitura.
Em 1973 somente o capitão bororo Henrique, a mulher dele, dona Ana, e a filha do casal e professora no distrito, Maria, residem em Jarudore. Os demais de sua etnia abandonaram Jarudore e se mudaram para a reserva Sangradouro/Volta Grande. “Capitão” era designação de cacique.
Em 1978 bororos levam o capitão Henrique e seus familiares para Sangradouro/Volta Grande. Com a saída família, a área onde viviam é ocupada pelo capitão José Luiz Quearuvare – também grafado Kiaruvare.
Em 22 de junho de 2006 a cacique Maria Aparecida Toro Ekureudo, da reserva Sangradouro/Volta Grande chega a Jarudore à frente de um grupo de 32 bororos, ocupa um sítio distante sete quilômetros da área urbana e cujo posseiro é estranho aos moradores e fixa o cartaz: “Área Indígena Aldeia Nova Bororos”. No dia 25 daquele mês o procurador da República em Mato Grosso, Mário Lúcio Avelar, e o procurador Federal Cezar Augusto Lima Nascimento, representando a Funai, ingressam com uma Ação Civil Pública com pedido de eliminar de antecipação de tutela específica ao juiz da 3ª Vara da Justiça Federal em Cuiabá, César Augusto Bearsi, pela reintegração da área de Jarudore aos bororos. Em 13 de novembro daquele ano a Assembleia Legislativa realiza em Jarudore Audiência Pública requerida pelo deputado Zé Carlos do Pátio (à época do PMDB e agora SD) na tentativa de encontrar solução para a disputa pela posse da terra entre os índios e os moradores na área, mas o impasse continua.
Não há tranquilidade nas casas em Jarudore. Todos os olhares se voltam aos carros que despontam na curva, que pode liderar um comboio militar para botar a população ao léu.
De São Desidério pra Jarudore
Seca que parecia não ter fim. A terra esturricada pela inclemência do Sol não produzia e o garoto Otávio cortava palma de gado – cacto sertanejo - para manter em pé as vaquinhas curraleiras no sítio de sua família em São Desidério, no oeste baiano.
A labuta era pesada e incessante. A família de Otávio se juntou a outras da vizinhança fretando um pau de arara para tirá-los da aridez e levá-las a um canto de Mato Grosso que sequer aparecia nos mapas: Poxoréu.
Assim, aos 11 anos o pequeno Otávio virou retirante da seca nordestina. Sessenta e oito baianos de todas as idades – 14 crianças – e de vários sobrenomes pegaram a estrada empoeirada e que parecia sem fim.
Sem um palmo de asfalto o caminhão Ford Big Job cruzou a Bahia, atravessou o norte de Minas e Goiás, entrou em Mato Grosso e a aventura que se estendeu por um mês chegou ao fim, em Poxoréu, numa tarde de setembro, há 65 anos. O possante freou pela última vez na longa jornada pelo interior do Brasil. De sua carroceria primeiro desceram os homens. Uma escada na parte traseira facilitou o desembarque das mulheres e crianças. Os paus de arara olhavam curiosos e ressabiados o vaivém da cidade que fervilhava com o garimpo da pedra mais cobiçada do mundo.
O menino Otávio viu alguns guris com varas de pescaria passando perto do caminhão estacionado. Achou aquilo diferente. Curioso, saiu de mansinho do grupo de baianos. Observou a gurizada pescar nas águas barrentas do rio que empresta o nome à cidade. “Peixe; vige, isso é peixe, ôxente!”, gritou quase inconscientemente o baianinho pouco acostumado com água corrente. Os pequenos pescadores não gostaram da reação do estranho. Caras feias o fizeram voltar depressa ao seu grupo.
Escureceu e os paus de arara procuraram suas redes para a última noite no caminhão. Ao invés do movimento diminuir com a escuridão das ruas mal iluminadas, o vaivém aumentou, mas com um detalhe: não se via mulheres; apenas os homens caminhavam e a maioria tinha destino comum: a zona boêmia mais famosa de Mato Grosso à época, a Rua da Bahia, repleta de cabarés com mulherio de cair o queixo e onde os garimpeiros que bamburravam lavavam o chão com cerveja Brahma de casco escuro.
O calmo oeste baiano cedeu lugar ao burburinho de Poxoréu. Do caminhão se ouvia o som das eletrolas dos cabarés, que inundavam a noite alternando o bolerão “Bésame Mucho”, da mexicana Consuelo Velásquez, com o modão “Cabocla Tereza”, da dupla João Pacífico & Raul Torres. A barulheira não tirou o sono do pequeno Otávio, que acomodado numa rede armada ao lado de outras na carroceria se deixou vencer pelo cansaço da longa viagem, pela emoção da descoberta da pesca e pelo fascínio com a terra mato-grossense.
Amanhece em Poxoréu e Otávio se encanta com o azul do céu, o barulho das águas do rio, a revoada das araras e outros pássaros. O grupo baiano é disperso. Parte vai trabalhar em fazendas na vila de Paraíso do Leste. Os solteiros pegam o rumo dos garimpos de diamante em Alto Coité, Raizinha e sabe-se lá Deus, mais aonde. Algumas famílias esperam a vez de embarcar numa picape Willys para Jarudore.
Com o topete arrepiado pelo vento, Otávio desceu da carroceria da picape em Jarudore, de onde nunca mais saiu. No dia seguinte, sua mãe o matriculou na Escola Estadual Franklin Cassiano da Silva, para concluir o aprendizado do abecedário e aprender a fazer as quatro operações.
- Como é seu nome guri? - pergunta a professora?
- Otávio - responde.
- Tem batistério ou certidão de nascimento?
- ‘Tá’ aqui - colabora a mãe, com a papelada nas mãos.
- Seu nome não é Otávio? – questiona a professora.
- Não, senhora! É Otaviano Francisco Vieira. Otávio é apelido – explica o menino tímido olhando para o piso de chão batido da escola.
O apelido continua. Seo Otávio se casou com dona Joselice no Cartório de Paz de Jarudore. O casal tem duas filhas: Maria de Fátima e Elizete, ambas nascidas em Jarudore, e a exemplo do pai, ex-alunas da Escola Franklin Cassiano da Silva.
Desde pequeno seo Otávio lida com gado e na juventude comprou seu primeiro sítio, mas não é posseiro rural em Jarudore. Sua terra localiza-se fora dos limites daquele Distrito de Paz de Poxoréu. No entanto, sua casa é ali, bem no centro, na pavimentada Avenida Manoel Cândido de Oliveira. “Aqui é meu ninho”. É assim que se refere ao lar onde mora há mais de 45 anos.
Em Jarudore é assim. Parte da comunidade mora na vila e tem propriedades fora do distrito. Alguns são pequenos agropecuaristas na área, mas residem em outras localidades. “É assim, porque em Mato Grosso é assim, no Brasil é assim, pois não há isolamento de regiões em País livre”, observa seo Otávio.
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