Por que a judicialização na saúde é nefasta Calcula-se que 7 bilhões serão despendidos com ações em 2016 -- ao redor de 2,5% do orçamento federal destinado à saúde pra este ano
Num sistema público de saúde combalido pelo financiamento insuficiente e um modelo de gestão que facilita ineficiência, o volume das ações de judicialização assusta: calcula-se que 7 bilhões serão despendidos por meio de ações em 2016, algo que gira ao redor de 2.5% do orçamento federal destinado à saúde para este ano. A judicialização na saúde, da forma que vem ocorrendo, sem critérios definidos para sua solicitação e seu cumprimento é nefasta por vários motivos.
A judicialização na saúde é um mecanismo que tem sido cada vez mais empregado para que o Estado forneça medicamentos não disponibilizados pelo sistema público. É legítimo que, caso exista algo que possa melhorar o tratamento de um indivíduo, ele use todos os recursos possíveis para ter acesso àquilo de que precisa. Contudo, através dos processos de judicialização, definem-se inúmeros problemas, a seguir.
1) Os juízes, de um modo geral, não têm o conhecimento científico para tomar decisões quanto à real necessidade de um medicamento para alguém que o solicita, o que compreensivelmente pode causar-lhes uma situação de conflito interior, na medida em que a eventual recusa a um pedido possa fazer a diferença entre a vida e a morte do solicitante.
2) O atual crescimento exponencial dos processos de judicialização ocupa cada vez mais um sistema judiciário que já não dá conta do que tem para resolver.
3) o volume envolvido de recursos é muito alto, algo como 7 bilhões de reais em 2016, que correspondem a cerca de 2.5% do orçamento anual da saúde.
4) nem sempre o medicamento solicitado é a alternativa cabível, tendo em vista a relação custo/efetividade, ou seja, o real benefício que o solicitante terá em termos de sobrevida e qualidade de vida, a ponto de justificar que se aloque a ele recursos que poderiam ser empregados em outras finalidades de interesse comunitário.
Uma vez que os recursos para a saúde são finitos e que um sistema público não pode deixar de administrar o conflito entre necessidades coletivas e individuais e, mais ainda, que o Judiciário não é a melhor via para resolver esse tipo de problema, que caminhos procurar? O primeiro ponto a ponderar é sobre quais medicamentos podem ser solicitados em circunstâncias especiais. Aqui é possível definir quatro grupos, que requerem encaminhamentos distintos.
1) os que não foram aprovados nem pela Anvisa, nosso órgão regulador, nem no exterior; portanto, creio que esses não devem ser contemplados por não terem sido aprovados pela comunidade científica;
2) os que não foram aprovados pela Anvisa, mas o foram por órgãos no exterior de alta credibilidade, com convênios firmados com nossa agência reguladora, como, por exemplo, a FDA americano. Esses medicamentos poderiam ser pleiteados;
3) os que foram aprovados pela Anvisa, mas que por qualquer motivo não foram incorporados ao SUS. Nesses casos a requisição especial poderia ser pleiteada; e 4) os que foram aprovados pela Anvisa, incorporados pelo SUS, mas que não são fornecidos por motivos administrativos ou de custo.
O segundo ponto diz respeito a como encaminhar essas solicitações. A via, sem dúvida, não deve ser a judiciária, e sim a administrativa, através das secretarias estaduais de Saúde, que, com câmaras técnicas constituídas especialmente para esse fim, conseguirão julgar os pedidos. Será de muita valia um formulário especial, para que o médico não apenas prescreva o medicamento, mas eliminar justifique sua indicação. A participação do Conselho Federal de Medicina, nesse sentido, é primordial.
Finalmente, alguns dados bastante expressivos da Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo, que dispende cerca de 1.2 bilhão de reais por ano com solicitações judiciais: 30% dos medicamentos solicitados não são retirados; existem solicitações frívolas, tais como de absorvente feminino, e outras de má-fé, que levantam a suspeita de interesses escusos; finalmente, a mais relevante: 29 medicamentos oncológicos correspondem a 80% dos gastos, o que, do ponto de vista prático, levanta as perguntas que não querem calar. Mesmo podendo atuar de forma eficaz, quanto esses medicamentos vão impactar na qualidade de vida e no tempo de sobrevida para os solicitantes?
Deveria existir uma política definindo critérios para fornecer ou não determinados medicamentos em função da relação custo/efetividade? Minha conclusão é que a avaliação técnica é imprescindível para qualquer decisão, tanto para proteger o indivíduo quanto o Estado, e até mesmo o Judiciário.
Comentários