A universidade de Camila perdeu a licença para pedir a emissão de vistos para alunos estrangeiros. (Foto: BBC Brasil)
Após investir mais de R$ 60 mil para fazer um curso de Marketing, a estudante baiana Camila Alvarez, de 25 anos, viu seu sonho de concluir um mestrado em Londres transformar-se no pesadelo de uma ameaça de deportação. Camila faz parte do grupo de 35 brasileiros matriculados na London Metropolitan University (LMU), universidade que perdeu a licença para pedir a emissão de vistos para alunos estrangeiros na semana passada, em uma decisão inédita do governo da Grã-Bretanha.
A estudante de Salvador estava no primeiro mês de um curso de 15 meses quando a LMU teve sua licença revogada. De acordo com autoridades britânicas, ela e os outros 2,7 mil estudantes não europeus da LMU terão 60 dias para serem aceitos em outra universidade ou deixar o país. Segundo a LMU, o prazo só começará a contar a partir do momento em que os estudantes recebam uma carta da agência de imigração lhes informando oficialmente sobre sua situação.
"Tenho de entregar trabalhos para o curso, mas não consigo avançar porque paro e me pergunto: "Por que estou fazendo isso se posso acabar até sendo deportada?"", disse Camila à BBC Brasil. Ela afirma que pedirá o dinheiro investido no mestrado de volta se tiver de deixar o País.
"Uma decisão como essa tem um impacto psicológico muito grande. Não é fácil acordar um belo dia e ver seus planos de estudar no exterior desmoronarem. Eu poderia ter ido para os EUA, o Canadá ou a Austrália, mas escolhi vir para cá. Agora, a mensagem que tal medida envia para estudantes estrangeiros é que eles não são bem-vindos na Grã-Bretanha", completa a estudante.
Segundo a Associação de Brasileiros Estudantes de Pós-Graduação e Pesquisadores no Reino Unido (Abep), a forma como a licença da LMU foi revogada "gera incerteza" sobre os benefícios de trazer estudantes brasileiros à Grã-Bretanha, em um momento em que o governo brasileiro se diz disposto a financiar 10 mil alunos em instituições britânicas dentro do programa Ciência sem Fronteiras.
Pelo menos mais um aluno, de doutorado, já procurou a embaixada brasileira em Londres relatando estar em uma situação semelhante à de Camila. Outros, que estavam no fim do curso, não têm certeza de que receberão o diploma. E um número ainda não divulgado de brasileiros que deveriam começar os estudos na LMU entre setembro e outubro também terá de cancelar os planos de viagem.
Tiro no pé
Antes de começar o mestrado em Londres, Camila trabalhou quatro anos em uma empresa de navegação em Salvador. Estava satisfeita com o trabalho, mas ainda assim decidiu largar o emprego e estudar fora do Brasil para expandir suas perspectivas de carreira.
O investimento da estudante no projeto foi substancial - tanto em termos financeiros quanto de tempo. Camila começou a trabalhar nos preparativos para sua estadia na Grã-Bretanha em março do ano passado. Só o curso de mestrado em Marketing na LMU custou 12 mil libras (R$ 38,7 mil).
Também teve de fazer um exame de inglês, pagar uma tradutora juramentada para traduzir seus documentos e viajar para o Rio de Janeiro para completar o processo de solicitação do visto - procedimentos que lhe consumiram mais de R$ 2 mil. reais. A passagem custou R$ 3,5 mil, e Camila ainda tinha economizado mais R$ 20 mil com os quais estava financiando os custos com alojamento e alimentação na Grã-Bretanha.
"Arranjei um emprego de meio-período, algo permitido quando você tem visto de estudante, para complementar meu orçamento aqui", conta. "Mas não há dúvida que estudantes como eu trazem muitos recursos para a Grã-Bretanha, o que faz com que a decisão do governo sobre a LMU seja um tiro no pé", acredita.
Incertezas sobre o diploma
Outro exemplo do drama vivido por brasileiros que estudavam na LMU é o caso do jornalista brasileiro Jonas Oliveira, de 27 anos, que entregou sua dissertação de mestrado na sexta-feira, mas não sabe se receberá o diploma.
Segundo Jonas, que pagou 10 mil libras (cerca de R$ 32,2 mil) pelo mestrado em Administração do Esporte iniciado em setembro do ano passado, a universidade tem evitado "dar informações precisas" sobre o que acontecerá com os estudantes estrangeiros matriculados em seus cursos. "Ficamos sabendo de tudo pela imprensa", ele diz.
"Alguns brasileiros deveriam receber o diploma em dezembro, mas foram à secretaria da universidade perguntar o que vai acontecer e receberam a mesma resposta: ""não sabemos""", contou Diego Scardone, diretor-executivo da Abep.
De acordo com Scardone, nesta época do ano não será fácil para alunos que estão no meio do curso conseguirem transferência para outras universidades, porque a maioria das instituições já finalizou seus processos seletivos.
Na sexta-feira, a Abep enviou uma carta ao ministro britânico da Imigração, Damian Green, condenando a revogação da licença da LMU e chamando atenção para o "impacto devastador" sobre "milhares de estudantes internacionais, muitos deles brasileiros".
"A ameaça de deportação, a incerteza sobre o futuro e o risco de que os investimentos de muitas famílias e indivíduos sejam jogados pela janela depois de muito trabalho árduo são totalmente inaceitáveis", diz o texto.
"Essa decisão arbitrária pode gerar incerteza sobre os benefícios de trazer estudantes brasileiros ao Reino Unido e questionamentos sobre se vale a pena promover intercâmbio com um país no qual esses estudantes não são bem-vindos ou respeitados.
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