'Preconceito leva travestis para a prostituição', diz profissional do sexo Xica da Silva, de 25 anos, trabalha há 11 anos nesse ramo em Cuiabá. Ela vê falta de oportunidades em outras áreas, principalmente para travesti.
Em um fim de tarde qualquer, enquanto todos voltam para casa após o expediente, a travesti Xica da Silva, de 25 anos, se prepara para mais uma jornada de trabalho. Vaidosa, ela ajeita o cabelo, passa batom de cor forte e verifica se o esmalte nas unhas está intacto. Xica atua na noite cuiabana como profissional do sexo e está no ramo há 11 anos. Ela já trabalhou de carteira assinada vez ou outra, mas prefere a rapidez com que o dinheiro circula nesse meio.
Xica mora sozinha e se sustenta com o dinheiro do próprio trabalho. Não tem rotina definida ou hora para registrar o ponto. “Trabalho do jeito que eu quero. Não tenho dia da semana ou hora fixa”, afirmou. Em média, consegue R$ 3 mil por mês.
Apesar de gostar do dinheiro “fácil”, ela revela que a falta de oportunidades a encaminhou para a prostituição. “É um lado difícil. Nós [travestis] somos rejeitadas na sociedade. Trabalhamos na noite porque não conseguimos outras oportunidades desde a escola até o mercado de trabalho. Assim, é o que sobra para fazermos”, declarou.
Ela nasceu com um nome e corpo os quais não consideram dela. Mudou-se do Paraná para Cuiabá com a mãe e a irmã, em 1999, aos 8 anos de idade. Foi aos 12 anos que ela decidiu contar à mãe que não sentia atração por meninas. “Claro que houve uma resistência. Nunca é fácil para uma mãe aceitar, mas com o tempo ela foi digerindo”, contou.
Desde então, Xica passou a se vestir como travesti. Começou a fazer programa aos 14 anos, como a maioria dos adolescentes gays e pobres, que, segundo ela, não tem apoio dos pais. "O preconceito da sociedade para com as travestis, principalmente, empurra essas pessoas para a prostituição", declarou.
“Você vai uma vez e se acostuma com o dinheiro fácil. De repente, você tem R$ 100 na sua mão. Depois disso, você não sai mais”, disse.
A prostituição não é vida para ninguém. Nem para homem, nem para mulher, muito menos para travesti"
Xica da Silva
Segundo Danie Marcelo de Jesus, professor da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e pesquisador das questões de gênero, a população frequentemente cria estigma e encaminha os travestis e transexuais para a prostituição. “Sem dúvida é um problema histórico. Boa parte dessas pessoas vão para este ramo porque é lá que encontram o único meio de trabalho e sobrevivência”, afirmou.
Os clientes de Xica são todos homens. A procura, segundo ela, é grande, mas nem sempre é para sexo. “Tem homem que vem atrás de diversão, outros procuram a gente para conversar. Até companhia para usar drogas eles querem”, contou.
Além do dinheiro, o mundo da prostituição oferece outras coisas de maneira fácil, segundo Xica. Existem as drogas, a violência e doenças sexualmente transmissíveis. “É muito arriscado. Você não sabe se vai voltar viva, se vai parar em um hospital. Tudo pode acontecer”, declarou.
Ainda assim, para ela, a prostituição é como outra profissão qualquer. Xica já trabalhou como auxiliar de cozinha e de serviços gerais com carteira assinada, mas voltou para a noite, já que o dinheiro “compensa mais”. Ela conta que em única noite já ganhou R$ 4,5 mil atendendo apenas um cliente. O dinheiro foi usado para reformar a casa mãe.
“Não é o que a sua família quer para você, mas é digno. Com carteira assinada eu ganhava muito abaixo do que ganho”, afirmou. No ano passado, aos 24 anos, Xica concluiu o ensino médio e ingressou em um curso de auxiliar administrativo. Nunca exerceu a função.
Segundo ela, em Mato Grosso, faltam oportunidades para travestis e transexuais. “Nos sentimos recuadas. As pessoas nos olham de cima a baixo e não gostam de nos ver em cargos superiores. E, por causa disso, nós também nos recuamos”, disse.
Xica da Silva tem 25 anos e há 11 trabalha como profissional do sexo (Foto: André Souza/G1)
Para Danie, faltam políticas públicas que incentivem a inserção de travestis e transexuais no mercado de trabalho em Mato Grosso. “Começa com o termo ‘boa aparência’. Se você não se encaixa nos padrões é descartado. E isso, acontece com frequência”, apontou.
Por meio de assessoria, a Secretaria Estadual de Assistência Social e Trabalho (Setas-MT) informou que, atualmente, não há nenhum projeto ou programa que promova a inserção de travestis e transexuais no mercado de trabalho.
O ramo que Xica escolheu também é competitivo. Enquanto algumas pessoas precisam de qualificação, para desbancar a concorrência, ela precisa de atributos. Por isso, para garantir a clientela, ela foi submetida a um procedimento cirúrgico para colocar próteses de silicone. Foram 3 litros de silicone industrial nas nádegas por R$ 3,8 mil. A cirurgia foi feita em São Paulo, quando ela morou em casas de cafetinas.
Xica diz que aprendeu com a vida a não abaixar a cabeça para as dificuldades. “Se eu vejo que a pessoa vai abrir a boca para me desmerecer, me antecipo e mostro com quem estão falando”, afirma.
Deixar a prostituição é um dos planos de Xica. “A prostituição não é vida para ninguém. Nem para homem, nem para mulher, muito menos para travesti”, declarou. Mas antes de deixar o ramo, ela tem outros sonhos mais urgentes. Fazer faculdade de design de moda e se casar na igreja, apesar de atualmente estar solteira, são dois deles.
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