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Terça - 21 de Março de 2017 às 15:20
Por: André Souza Do G1 MT

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Xica trabalha em um ponto fixo num bairro de Cuiabá (Foto: Arquivo Pessoal)
Xica trabalha em um ponto fixo num bairro de Cuiabá (Foto: Arquivo Pessoal)

Em um fim de tarde qualquer, enquanto todos voltam para casa após o expediente, a travesti Xica da Silva, de 25 anos, se prepara para mais uma jornada de trabalho. Vaidosa, ela ajeita o cabelo, passa batom de cor forte e verifica se o esmalte nas unhas está intacto. Xica atua na noite cuiabana como profissional do sexo e está no ramo há 11 anos. Ela já trabalhou de carteira assinada vez ou outra, mas prefere a rapidez com que o dinheiro circula nesse meio.

Xica mora sozinha e se sustenta com o dinheiro do próprio trabalho. Não tem rotina definida ou hora para registrar o ponto. “Trabalho do jeito que eu quero. Não tenho dia da semana ou hora fixa”, afirmou. Em média, consegue R$ 3 mil por mês.

Apesar de gostar do dinheiro “fácil”, ela revela que a falta de oportunidades a encaminhou para a prostituição. “É um lado difícil. Nós [travestis] somos rejeitadas na sociedade. Trabalhamos na noite porque não conseguimos outras oportunidades desde a escola até o mercado de trabalho. Assim, é o que sobra para fazermos”, declarou.

Ela nasceu com um nome e corpo os quais não consideram dela. Mudou-se do Paraná para Cuiabá com a mãe e a irmã, em 1999, aos 8 anos de idade. Foi aos 12 anos que ela decidiu contar à mãe que não sentia atração por meninas. “Claro que houve uma resistência. Nunca é fácil para uma mãe aceitar, mas com o tempo ela foi digerindo”, contou.

Desde então, Xica passou a se vestir como travesti. Começou a fazer programa aos 14 anos, como a maioria dos adolescentes gays e pobres, que, segundo ela, não tem apoio dos pais. "O preconceito da sociedade para com as travestis, principalmente, empurra essas pessoas para a prostituição", declarou.

“Você vai uma vez e se acostuma com o dinheiro fácil. De repente, você tem R$ 100 na sua mão. Depois disso, você não sai mais”, disse.

A prostituição não é vida para ninguém. Nem para homem, nem para mulher, muito menos para travesti"

Xica da Silva

Segundo Danie Marcelo de Jesus, professor da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e pesquisador das questões de gênero, a população frequentemente cria estigma e encaminha os travestis e transexuais para a prostituição. “Sem dúvida é um problema histórico. Boa parte dessas pessoas vão para este ramo porque é lá que encontram o único meio de trabalho e sobrevivência”, afirmou.

Os clientes de Xica são todos homens. A procura, segundo ela, é grande, mas nem sempre é para sexo. “Tem homem que vem atrás de diversão, outros procuram a gente para conversar. Até companhia para usar drogas eles querem”, contou.

Além do dinheiro, o mundo da prostituição oferece outras coisas de maneira fácil, segundo Xica. Existem as drogas, a violência e doenças sexualmente transmissíveis. “É muito arriscado. Você não sabe se vai voltar viva, se vai parar em um hospital. Tudo pode acontecer”, declarou.

Ainda assim, para ela, a prostituição é como outra profissão qualquer. Xica já trabalhou como auxiliar de cozinha e de serviços gerais com carteira assinada, mas voltou para a noite, já que o dinheiro “compensa mais”. Ela conta que em única noite já ganhou R$ 4,5 mil atendendo apenas um cliente. O dinheiro foi usado para reformar a casa mãe.

“Não é o que a sua família quer para você, mas é digno. Com carteira assinada eu ganhava muito abaixo do que ganho”, afirmou. No ano passado, aos 24 anos, Xica concluiu o ensino médio e ingressou em um curso de auxiliar administrativo. Nunca exerceu a função.

Segundo ela, em Mato Grosso, faltam oportunidades para travestis e transexuais. “Nos sentimos recuadas. As pessoas nos olham de cima a baixo e não gostam de nos ver em cargos superiores. E, por causa disso, nós também nos recuamos”, disse.

Xica trabalha em um ponto fixo num bairro de Cuiabá (Foto: André Souza/G1)Xica da Silva tem 25 anos e há 11 trabalha como profissional do sexo (Foto: André Souza/G1)

Para Danie, faltam políticas públicas que incentivem a inserção de travestis e transexuais no mercado de trabalho em Mato Grosso. “Começa com o termo ‘boa aparência’. Se você não se encaixa nos padrões é descartado. E isso, acontece com frequência”, apontou.

Por meio de assessoria, a Secretaria Estadual de Assistência Social e Trabalho (Setas-MT) informou que, atualmente, não há nenhum projeto ou programa que promova a inserção de travestis e transexuais no mercado de trabalho.

O ramo que Xica escolheu também é competitivo. Enquanto algumas pessoas precisam de qualificação, para desbancar a concorrência, ela precisa de atributos. Por isso, para garantir a clientela, ela foi submetida a um procedimento cirúrgico para colocar próteses de silicone. Foram 3 litros de silicone industrial nas nádegas por R$ 3,8 mil. A cirurgia foi feita em São Paulo, quando ela morou em casas de cafetinas.

Xica diz que aprendeu com a vida a não abaixar a cabeça para as dificuldades. “Se eu vejo que a pessoa vai abrir a boca para me desmerecer, me antecipo e mostro com quem estão falando”, afirma.

Deixar a prostituição é um dos planos de Xica. “A prostituição não é vida para ninguém. Nem para homem, nem para mulher, muito menos para travesti”, declarou. Mas antes de deixar o ramo, ela tem outros sonhos mais urgentes. Fazer faculdade de design de moda e se casar na igreja, apesar de atualmente estar solteira, são dois deles.





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