Música brega passa por uma revalorização
A biografia sobre Evaldo Braga (1947-1973), Eu Não Sou Lixo – A Trágica Vida do Cantor Evaldo Braga, que acaba de ser lançada pela Editora Noir, começou a ser escrita durante os seis primeiros meses de 2013, quando o jornalista e escritor Gonçalo Júnior resolveu procurar algumas editoras para saber se havia interesse por parte delas sobre o seu biografado. Nesse período, ele acordava e ia dormir ouvindo uma coletânea com 32 músicas gravadas pelo autor dos sucessos Sorria, Sorria e A Cruz Que Carrego – das 37 canções que deixou registradas na sua meteórica carreira de pouco mais de três anos.
“Foram onze editoras que recusaram o livro, e algumas delas não foram nada diplomáticas quando eu falava que se tratava de uma biografia sobre o cantor de música brega Evaldo Braga. Recebi chacotas, risadinhas, olhavam para mim e diziam: ‘Mas quem é mesmo Evaldo Braga?’, em tom de zombaria”, revela Gonçalo Júnior, autor de outras biografias de personagens marginalizados, como do sambista Assis Valente, do escritor Rubem Alves e do artista gráfico Alceu Penna.
Foto: NELSON PEREZ/ESTADAO |
De nada adiantava Gonçalo falar da importância do cantor na música popular brasileira, designada de forma pejorativa de cafona ou brega; de ele ter sido um artista de enorme sucesso de vendagem de discos e de público, tratado como um verdadeiro “ídolo negro”. E com uma vida trágica – ele nunca conheceu a mãe, que, sem poder criá-lo, o deixou aos quatro meses com uma mulher, que o entregou a uma intuição para menores carentes, a Funabem, no Rio de Janeiro, e que morreu prematuramente, aos 25 anos, em um acidente de carro, no dia 31 de janeiro, voltando de Minas para o Rio de Janeiro, junto com o motorista, Harley, e o empresário, Paulo César, que morreram também.
Paulo Cesar de Araújo, autor de uma das biografias mais controversas dos últimos anos, Roberto Carlos em Detalhes, já tinha passado por esse preconceito e descaso em relação ao universo da música cafona ou brega, quando chegou à universidade para fazer mestrado.
Na cidade em que nasceu, Vitória da Conquista, na Bahia, o que ele mais escutava nas rádios, no início dos anos 1970, eram as músicas de cantores como Waldick Soriano, Odair José, Fernando Mendes, Paulo Sérgio, Nelson Ned, Antônio Marcos, além do próprio Evaldo Braga. “Quando cheguei à universidade, constatei que os cantores que mais ouvia na minha cidade não estavam representados nos textos, nos livros ou documentários que os professores passavam para gente nas disciplinas. Na faculdade, havia a semana da Bossa Nova, do samba, do chorinho, da Tropicália, da MPB. Teve um dia que falei: ‘E quando será dedicada uma semana para música brega?’”, diz o autor.
A semana da música brega nunca aconteceu, mas o biógrafo decidiu fazer sua dissertação em cima desse universo, que já fazia parte de sua vida afetiva, e agora como acadêmico, seria intelectual também. Sua dissertação foi defendida em 1999 e, em 2002, seria lançada em livro Eu Não Sou Cachorro, Não – Música Popular Cafona e Ditadura Militar, pela Editora Record, que logo se transformou em livro de referência, estudado por brasilianistas, e que veria a ocupar uma lacuna deixada pelos estudiosos da música popular brasileira, que não se debruçaram sobre o tema.
O livro nunca parou de ser editado e agora ganhará uma nova edição comemorativa, pela Editora Record, no segundo semestre, depois da décima edição e dez mil exemplares vendidos.
Marginalizados. Desanimado com as recusas desrespeitosas de algumas editoras, Gonçalo Júnior deixou de lado o projeto do livro sobre Evaldo Braga, que seria retomado no ano passado, ao conversar com o editor André Hernandez, e ficar sabendo de sua intenção em abrir a Editora Noir no começo de 2017, que iria se especializar, entre outros gêneros, em biografias de personagens marginalizados.
“Voltei a trabalhar nos últimos seis meses de 2016, 14 horas por dia, e fui entrevistar um monte de gente, por volta de 30 pessoas, inclusive Odair José, que conheceu Evaldo Braga nos corredores da gravadora Phonogram”, completa Gonçalo sobre a biografia do cantor que fez o povo se emocionar não somente por causa da sua morte prematura (ele sangrou até morrer dentro do carro que o levava para o Rio de Janeiro), mas, principalmente, pelas músicas carregadas de sentimentos, tristezas e de amores trágicos.
A música brega hoje é apelativa, dizem especialistas
As mudanças no conteúdo das músicas são fruto do que acontece na própria sociedade – as pessoas vão mudando e as canções que são feitas vão se transformando, se adequando aos novos tempos, à nova época, assim entende o autor Paulo Cesar de Araújo. “A música brega hoje é mais apelativa, no sentido de que os costumes estão mais liberados. O uso da palavra bunda, que ora desce, ora sobe, por exemplo, não seria permitido nos anos 1960 e 1970. Ninguém ia usar uma expressão como essa ou qualquer outra apelativa por causa da censura e da própria sociedade.”
O cantor Odair José nunca aceitou o termo cafona ou brega para descrever sua música, por significar algo sem qualidade, de mau gosto. “Não posso concordar com um adjetivo depreciativo como este, o que faço é música romântica. Em relação ao brega hoje, acho que o sertanejo, por exemplo, é brega, mas o cara não vai dizer que sua música é brega, porque seu cachê fica desvalorizado.”
Para Gonçalo Júnior, o brega hoje virou sinônimo de mau gosto. “O sertanejo romântico, a ‘sofrência’ são músicas de duplo sentido e que transformam tudo em caricatura.”
EU NÃO SOU LIXO – A TRÁGICA VIDA DO CANTOR EVALDO BRAGA
Autor: Gonçalo Júnior
Editora: Noir (308 págs.; R$ 49,90)
EU NÃO SOU CACHORRO, NÃO – MÚSICA POPULAR CAFONA E DITADURA MILITAR
Autor: Paulo Cesar de Araújo
Editora: Record (458 págs.; R$ 48,90)
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