Canabidiol
Empresa se instala e Mato Grosso passa a produzir maconha medicinal Em Mato Grosso, a Greenfields HealtCare, subsidiária da suíça Medropharm, já está em operação
Mato Grosso será um dos Estados pioneiros no Brasil na facilitação de acesso a medicamentos feitos à base de um composto químico princípio ativo da maconha, o canabidiol.
O remédio é utilizado no mundo todo para tratar uma miríade de males, de problemas gastrointestinais e de visão até doenças neurodegenerativas, como a esclerose múltipla.
A Anvisa liberou a importação do remédio em novembro de 2016. Em janeiro passado, registrou o primeiro remédio brasileiro à base de maconha, o Mevatyl.
Em Mato Grosso, a empresa Greenfields HealtCare, subsidiária da suíça Medropharm, já está em operação apenas dois meses após abrir seu primeiro escritório em São Paulo.
Isso deve baratear os custos do tratamento do menino Ricardo Curvo, três anos, portador da bastante rara síndrome de Schinzel-Giedion, uma doença neurodegenerativa que levava a criança, antes do uso do canabidiol, a ter convulsões ininterruptas só apaziguadas com internação hospitalar e sedação intravenosa, conforme revelou ao a mãe dele, Jéssica Curvo.
“Ele toma medicação para conter as convulsões desde os seis meses, mas esse primeiro remédio não era muito eficiente, porque ele tinha convulsões diárias que só foram aumentando com o tempo, até chegar ao ponto dele precisar ficar sempre internado, recebendo sedativos na veia”, conta Jéssica. Aos dez meses, Ricardo começou a receber o canabidiol e as convulsões ficaram menos violentas e também diminuíram. Hoje, com quase três anos, é raríssimo ele ter alguma. Quando tem, é leve e passa rápido.
A mãe conta que isso melhorou e muito a qualidade de vida da criança e de toda a família. Ela explica à reportagem que a condição do filho é tão rara que há somente outra criança com a mesma síndrome, uma menina, moradora do Rio de Janeiro. No mundo todo, só há 15 casos conhecidos. “O remédio também melhorou a expectativa de vida dele, que era só de três anos. Além disso, ele não regrediu em nenhuma das funções motoras e ainda melhorou em outras, como, por exemplo, conseguir beber água. Antes, ele engasgava, hoje não”.
O problema hoje é o alto custo do medicamento, no caso de Ricardo, importado pelo pai, Bruno Ricardo, de uma empresa situada na Califórnia, Estados Unidos, ao custo médio de R$ 4 mil mensais. “É vendido somente em lote, mas conseguimos uma liminar e o Estado banca o tratamento”, explica Jéssica. Muitas vezes, a burocracia brasileira faz, no entanto, com que a compra seja demorada e estressante.
Reprodução/Facebook
Ricardo Curvo (ao centro) melhorou muito sua condição após ser tratado com canabidiol
É onde entra o trabalho de Stefhan Ferrari Consorte, um dos CEO da Greenfield HealthCare. “Trabalhamos com produtos de canabidiol para a América Latina, iniciamos primeiro no Uruguai e depois viemos pro Brasil. Lá, no Uruguai, os produtos já estão sendo vendidos; aqui, estamos fazendo ainda os procedimentos”, disse, por telefone.
Ele explica que os pacientes precisam ter um laudo médico, depois uma prescrição que será submetida à Anvisa e só então o órgão emite uma autorização especial de medicação. Desde a regulamentação da instituição de controle de substâncias medicamentosas, não é mais necessário liminar para compra. “Ainda tem algumas discussões sobre o custeamento dos produtos à base de cannabis, mas esperamos que isso em breve seja resolvido. No entanto, a justiça tem sido muito pró consumo medicinal”, continuou Stefhan. Ele explica que começaram as operações com a empresa suíça Medropharm porque, além dos estudos habituais de mercado e eficácia, um dos sócios tem glaucoma e obteve melhora significativa após ele mesmo ser medicado com canabidiol.
Toda produção, do plantio da cannabis sativa até a extração do THC e o processo em laboratório é feito na Suíça. “Intermediamos os pacientes que tem autorização de compra, porque no momento não podemos ter uma fábrica aqui”. Neste primeiro momento a empresa não pode colocar nas farmácias da cidade porque, da maneira com a Anvisa criou o sistema de venda, o produto só pode ser vendido por importação direta ao paciente com autorização.
Especialistas como o professor titular de psiquiatria do Departamento de Neurociências e Ciências do Comportamento da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP), José Alexandre Crippa afirma que há estudos sobre os benefícios do uso terapêutico do canabidiol e acrescenta que é importante esclarecer o assunto à sociedade.
“O debate permite que as pessoas possam ter a própria opinião. Estamos fazendo vários estudos clínicos em Ribeirão Preto. Vamos iniciar um com 126 crianças com epilepsia. Tem pesquisa do uso de canabidiol na prevenção de estresse pós-traumático em mulheres vítimas de abuso sexual. Também estamos planejando ensaios clínicos para tratar pacientes com autismo e epilepsia. Colaborar para que o canabidiol chegue em breve às farmácias”, destacou Crippa.
Além das doenças degenerativas, remédios à base de cannabis tratam bem glaucoma e problemas intestinais
No entanto, há ressalvas, afirma o professor do Departamento de Psiquiatria e coordenador da Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas (Uniad) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Ronaldo Laranjeira. Ele é contrário à legalização e a descriminalização da cannabis e lembra que é preciso diferenciar o uso terapêutico do canabidiol do consumo in natura da maconha.
“As pessoas que fumam a maconha fumam mais de 400 substâncias, além do canabidiol e THC. O consumo crônico da maconha, principalmente na adolescência, traz sérios riscos à saúde mental, como perda de memória e dificuldade de aprendizagem. A maconha não afeta somente o indivíduo, mas a família toda”, alertou Laranjeiras. Na semana que vem, o fará uma matéria sobre o uso recreativo de drogas, inclusive as mais pesadas, como o crack e a cocaína.
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