Repórter News - reporternews.com.br
Saúde
Segunda - 12 de Junho de 2017 às 07:29
Por: Giulia Vidale/Veja.com

    Imprimir


A nova técnica de angioplastia, desenvolvida no Japão, consiste em desobstruir a artéria no sentido contrário ao fluxo sanguíneo, onde a placa de gordura é mais maleável. (iStockphoto/Getty Images)
A nova técnica de angioplastia, desenvolvida no Japão, consiste em desobstruir a artéria no sentido contrário ao fluxo sanguíneo, onde a placa de gordura é mais maleável. (iStockphoto/Getty Images)

Os procedimentos intervencionistas ou menos invasivos ganham cada vez mais espaço na medicina. No campo da cardiologia, há algum tempo, as cirurgias de revascularização (ponte de safena ou mamária) perderam espaço para a angioplastia e pesquisas indicam que esta tende a ser substituída, sempre que possível, pelos tratamentos clínicos, com remédios.

Entretanto, essa última opção não é uma possibilidade para todos. Em pacientes com obstrução total crônica – quando uma artéria está há mais de três meses completamente obstruída pelo acúmulo de colesterol, placas de tecido fibroso e outras substâncias, como cálcio – e sintomas de isquemia grave, como angina (dor ou desconforto no peito), falta de ar e cansaço, a administração de medicamentos poderá não ser suficiente para lhes devolver a qualidade de vida.

Estima-se que dos pacientes com oclusão crônica, 60% ficam no tratamento medicamentoso com uma combinação de estatina, beta bloqueador e aspirina, 20% são submetidos à cirurgia e os outros 20% para a angioplastia. Segundo Carlos M. Campos, cardiologista intervencionista do serviço de hemodinâmica do Hospital Israelita Albert Einstein, a baixa indicação da angioplastia – técnica intervencionista que utiliza um cateter e um stent para desobstruir a artéria sem a necessidade de cirurgia – nesses casos está associado à alta taxa de insucesso do procedimento, que chega a 30%.

Veja também

Isso acontece porque a calcificação da obstrução por tempo prolongado deixa a placa tão dura quanto cimento, impedindo que o equipamento delicado transpasse a barreira e restabeleça o fluxo sanguíneo. “O grande desafio da oclusão crônica é reconstruir o caminho por onde vai colocar o stent”, explica Campos.

O tratamento mais eficaz e, portanto, mais frequente, seria a cirurgia, que também vem carregada de riscos e contraindicações. Portadores de doenças pulmonares ou renais e idosos, por exemplo, não podem realiza-la.

Cart reverso ou abordagem retrógrada

Felizmente, uma técnica desenvolvida no Japão surge como uma nova esperança para estes casos. Chamada de cart reverso ou abordagem retrógrada, o método, que é um aprimoramento da angioplastia tradicional, é capaz de alcançar, nas mãos de um profissional experiente, uma taxa de sucesso de 90% na remoção de obstruções totais crônicas graves, contra cerca de 70% do método tradicional.

Caminho inverso

A inovação consiste em desobstruir a oclusão de baixo para cima. Tradicionalmente, isso é feito de cima para baixo (anterógrada), no sentido do fluxo sanguíneo. Segundo Marcelo Harda Ribeiro, cardiologista intervencionista do Hospital SOS Cardio e médico pesquisador pelo Hospital Israelita Albert Einstein, a probabilidade de desobstrução no sentido contrário ao fluxo sanguíneo é maior porque, nessa região, a placa tem menos fibrose e cálcio, o que facilita a abertura com o cateter e a colocação do stent, que esmaga a placa de gordura e previne novos acúmulos.

Para que isso seja possível, o cateter chega à artéria obstruída por meio da circulação colateral do coração (mais detalhes na arte abaixo), rede composta de pequenos vasos sanguíneos com 0,5 a 1 milímetro de espessura, provenientes de outras artérias com fluxo sanguíneo normal, que ajudam a manter o músculo cardíaco irrigado e vivo. É justamente a existência dessa rede alternativa de vascularização que mantém o músculo do coração funcionando apesar da obstrução total.

Além do caminho utilizado para a desobstrução, a principal diferença do novo método, em comparação com o tradicional, é o material e o equipamento necessário. Para alcançar uma taxa de sucesso tão alta, são necessários cateteres e fios metálicos específicos, desenvolvidos especialmente para isso, e o uso de tecnologias de imagem, especialmente o ultrassom intracoronário e a tomografia cardíaca, que ajudam a perfurar a obstrução com maior precisão.

Cultura japonesa teve papel decisivo no desenvolvimento da técnica

No Japão, onde a técnica surgiu há cerca de 20 anos e vem sendo constantemente aprimorada, a cultura foi fator decisivo para seu desenvolvimento. Os japoneses acreditam que a alma de uma pessoa parte quando seu peito é aberto, portanto, cirurgias são consideradas pecado e evitadas ao máximo. Dessa forma, a busca por métodos alternativos capazes de remover obstruções cardíacas sem a necessidade de cirurgia é intrínseca aos médicos locais.

“A técnica retrógrada surgiu justamente devido à limitação da anterógrada. No Japão, esse tipo de intervenção complexa é muito popular e seu desenvolvimento, tanto em questão de técnica como equipamentos, foi um caminho natural”, conta Satoru Sumitsuji, professor titular da Divisão Internacional de Cardiologia para a Educação e Pesquisa da Universidade de Osaka, e um dos maiores especialistas em intervenções coronarianas complexas do mundo.

Chegada ao Brasil

No Brasil, a abordagem retrógrada chegou há cerca de dois anos, mas ainda é pouco realizada. Recentemente, Sumitsuji esteve em Florianópolis onde demonstrou a técnica durante o II SOS Cárdio Complex Coronary Interventions Live, realizado no Hospital SOS Cárdio, a 20 cardiologistas dos principais hospitais do país.

“A tendência mundial de medicina é ser menos invasiva e isso significa avançar nessas técnicas mais complexas para evitar que um paciente vá para a cirurgia cardíaca. No Brasil, há uma cultura errônea de que esses não vale a pena fazer a angioplastia em casos graves, mas é uma questão de entender as técnicas e desenvolver a expertise.”, diz Marcelo Harada, cardiologista intervencionista do Hospital SOS Cárdio, em Florianópolis.

O cardiologistas Satoru Sumitsuji e Marcelo Ribeiro durante procedimento intervencionista.

O cardiologistas Satoru Sumitsuji e Marcelo Ribeiro durante procedimento intervencionista. (Foto/Divulgação)

Comparada à cirurgia, a angioplastia retrógrada, que já é considerada uma intervenção mais complexa, é simples. O paciente fica internado por três dias, e, em uma semana já pode voltar às suas atividades rotineiras. Na cirurgia, a recuperação é mais delicada e sofrida. Muitas pessoas são acometidas por depressão no período pós-operatório. E o tratamento medicamentoso algumas vezes significa uma vida de restrições.

“É importante saber dessa nova possibilidade de intervenção. Boa parte dos médicos acha que como a artéria já está fechada, o paciente não vai mais enfartar. Mas o músculo está sofrendo e a pessoa não vai conseguir ter uma vida normal.”, afirma Campos.

Por outro lado, as pontes de safena e mamária continuam a ser imprescindíveis nos casos de pacientes diabéticos ou que apresentam o músculo cardíaco comprometido e mais de três artérias obstruídas ou quando a angioplastia não é capaz de normalizar o fluxo sanguíneo. No Brasil, em 2013, estima-se que tenham sido feitas 150.000 angioplastias, de acordo com dados do Sistema Único de Saúde, contra 90.000 cirurgias cardíacas.

Doença arterial coronariana

A doença arterial coronariana, quando mais de 70% da artéria está obstruída devido à aterosclerose – processo de acúmulo de placas de gordura, colesterol e outras substâncias nas paredes das artérias ao longo da vida -, afeta mais de dois milhões de pessoas por ano no Brasil e é a principal causa de morte no mundo.

Entre os pacientes com a doença, 20% têm, pelo menos, uma oclusão crônica (forma mais extrema de aterosclerose, que consiste na interrupção total do fluxo sanguíneo). Em um paciente com um coração normal, a presença de uma oclusão crônica está associada a um aumento de 30% no risco de morte. Se o paciente já tiver algum grau de fraqueza no coração, o aumento dessa mortalidade vai para 80%, na presença de uma oclusão crônica.

Isso porque a interrupção completa do fluxo sanguíneo pode ocasionar um infarto ou simplesmente nenhum sintoma – caso o paciente tenha uma boa rede de vasos colaterais que consiga continuar irrigando o músculo cardíaco de forma a mantê-lo vivo – e a pessoa continuará a viver sua vida, apresentando sintomas como angina (dor ou desconforto no peito), falta de ar e fadiga em situações específicas, como em momentos de stress ou durante a realização de esforço físico.

Veja também

A aterosclerose foi descrita pela primeira vez por volta de 1790, pelo médico Edwuard Jenner, descobridor da vacina contra a varíola. Enquanto dissecava um cadáver à procura da causa da morte – que ocorreu após um longo período de sofrimento marcado por fortes dores no peito, Jenner encontrou, dentro de uma das artérias, uma substância dura e muito similar à areia, a qual ele definiu como “pequenas pedras”.

Até o início dos anos 2000 acreditava-se que essas placas duras eram o grande responsável pela morte do músculo cardíaco (infarto). No entanto, pesquisas do cardiologista Steven Nissen, da Cleveland Clinic, nos Estados Unidos, descobriram a existência de placas moles – assintomáticas e imperceptíveis em exames convencionais – e instáveis. Como essas placas não comprometem a irrigação cardíaca da mesma forma que a obstrução crônica, o paciente não sente nada até o momento em que um pedaço dessa placa se desprende, formando um coágulo que interrompe subitamente a chegada do fluxo sanguíneo ao coração, causando o infarto. Dessa forma, as chamadas oclusões agudas são responsáveis por cerca de 70% dos infartos.





Comentários

Deixe seu Comentário

URL Fonte: https://reporternews.com.br/noticia/424902/visualizar/