GRAMPOS EM MT
Cabo revela como funcionavam escutas e nega ilegalidade Gerson Correa afirmou que interceptações eram feitas a mando de seus superiores
O cabo da Polícia Militar, Gerson Ferreira Correa Júnior, garantiu, na segunda-feira (14), que todas as interceptações telefônicas que realizou durante o período em que esteve no Grupo de Atuação Especial Contra o Crime Organizado (Gaeco) foram feitas a mando de seus superiores e dentro da legalidade.
Durante depoimento concedido à juíza Selma Arruda, da Vara Contra o Crime Organizado da Capital, na condição de testemunha, o militar detalhou como eram feitas as interceptações telefônicas para as quais era designado. A oitiva ocorreu no âmbito da Operação Metástase, que apura desvio de R$ 1,7 milhão na Assembleia Legislativa.
Gerson Correa está detido desde o dia 23 de março, no Batalhão de Ronda Ostensiva Tática Móvel (Rotam), sob a acusação de ter integrado uma organização criminosa que operava interceptações ilegais no Estado.
O cabo prestou depoimento em razão de ter sido um dos agentes que realizaram as interceptações telefônicas que embasaram a Metástase.
O esquema apurado na operação teria contado com a participação de servidores e advogados e consistia na simulação de compras para justificar os gastos com as “verbas de suprimentos”, que eram recebidas no gabinete do ex-deputado José Riva, réu em ação distinta sobre os mesmos fatos. Em sua oitiva, ele afirmou que trabalhava no Gaeco na época dos fatos, como analista de interceptações telefônicas.
Em relação à Metástase, o cabo contou que foram feitos dois períodos de interceptações, sendo o primeiro deles de 28 de março a 12 de abril de 2015 e o segundo de 13 a 28 de abril do mesmo ano.
No depoimento, ele negou que houvesse qualquer ilegalidade nos grampos que realizou no Gaeco e mencionou que todas as apurações possuíam diversas ferramentas, dentre elas as interceptações telefônicas. "Logicamente que a interceptação deve estar alinhada a outras ações de inteligência, seja em campo, in loco, ou conforme aquilo que o promotor ou delegado já colheu. Logicamente que eu, como analista de interceptação telefônica, tenho que ter acesso a tudo isso, para entender as investigações”, explicou.
O militar negou que fosse o responsável por determinar as interceptações telefônicas. Segundo ele, o seu papel era cumprir pedidos encaminhados por seus superiores. “Eu não era o dono dos procedimentos. Eles são de responsabilidade do promotor de Justiça e do delegado do Gaeco. Eu sou apenas o analista de interceptação”, justificou.
“Esses relatórios de interceptação são assinados por mim, mas não sou o encarregado do procedimento investigatório”, completou.
Ele mencionou que era realizado um filtro nas ligações telefônicas interceptadas pelo Gaeco. "É importante dizer que no serviço de interceptação telefônica, como analista, primeiro faço um filtro. Transcrevo, resumo e passo para o relatório. Depois disso, há um filtro e passo para o meu superior. Depois, ainda há o filtro do meu superior, que era o delegado ou promotor do MPE. As minhas assinaturas eram somente nos autos de interceptação, que eu assinava”.
"Eu ouvia, transcrevia, resumia as interceptações e encaminhava. Há uma equipe trabalhando, não sou eu sozinho. Nessa operação [Metástase] havia outros agentes que resumiam e depois de mim ainda havia outros filtros superiores”, relatou.
Ele comentou que costumava fazer o filtro inicial das transcrições dos grampos, no qual ouvia os áudios para verificar se os mesmos batiam com as descrições que eram feitas por outros membros do núcleo de investigação. “Mas eu não defino tudo sozinho. O encarregado, seja promotor ou delegado, faz o filtro final”, enfatizou.
Correa pontuou que nem todos os áudios interceptados são transcritos no relatório de grampos. "Há muito tempo não existe a possibilidade de transcrever na íntegra todos os diálogos dos investigados. Ainda mais porque nessa operação foram 73 linhas, imagina transcrever tudo isso? Juntamos todos os diálogos, sem exceção, e trazemos aos autos as conversas mais importantes”, detalhou.
Alterações nos áudios
Ainda durante depoimento à juíza Selma Arruda, o cabo explicou que ocorreram edições nas transcrições que eram feitas dois áudios apurados, dentro do próprio programa de interceptação. "Ocorre a edição ou resenha dentro do próprio sistema Guardião, dentro da aba de transcrição das conversas. Depois que sai de lá, somente o encarregado, promotor ou delegado, pode editar os diálogos. Mas se acontecer alguma edição, fica tudo registrado e apontando quem mudou”, declarou.
“Mas o último filtro não era meu, sempre era feito um outro depois de mim. O filtro final era do responsável pelo procedimento investigatório final no Gaeco”.
Em relação às edições, o cabo garantiu que não eram irregulares e não ocorriam nos áudios, somente nas transcrições.
No âmbito da Operação Metástase, ele afirmou que não houve muitas alterações no relatório que foi encaminhado ao seu superior que, segundo ele, seria a major Valéria Fleck.
“Nesse procedimento, que passei ao meu superior, não houve grandes mudanças. Se não me engano, não houve nenhuma. É difícil ocorrer mudanças de diálogo se não houver anuência de todos. O que escutei não é diferente do que os outros vão ouvir”, declarou.
Conforme o militar, o acompanhamento das operadoras que realizavam desvio, mediante o pedido judicial, era acompanhado em tempo real. “Posteriormente, eu ia escutando os áudios, um a um, pela cronologia. Todo esse acompanhamento, edição de transcrição ou resenha, que eram feitos dentro do sistema Guardião e passava por filtros, tudo ficava registrado dentro do programa”.
Correa relatou que os membros do Gaeco que atuavam nas interceptações trabalhavam na mesma sala. “Havia uma sala onde eram analisadas as escutas, onde todos tinham acesso imediato às conversas. As edições aconteciam em tempo real no Guardião, um gravadorzão ao qual os analistas tinham acesso”, comentou.
Depois da conclusão do relatório, Gerson comentou que o documento era encaminhado ao responsável pela investigação, sendo ele o promotor ou delegado. “A partir daí, eu não tinha mais acesso, somente se voltasse alguma requisição de lá”.
“Se eu errasse ou interpretasse algo errado, meu superior iria me chamar e falar que não estava de acordo com a conversa. Era tempo real. Se houvesse alguma discordância, eu era avisado. Não existe, ao menos até onde eu estava no Gaeco, decidir algo sozinho”, completou.
“Barriga de aluguel”
A defesa de um dos servidores réus da ação, Mário Márcio, questionou o cabo se era normal inserir o número de pessoas não investigadas nos pedidos de interceptação.
A defesa acusou Gerson Correa de ter feito “barriga de aluguel”, quando números são inseridos indevidamente em pedidos de quebra de sigilo telefônico.
“Não é normal. Em todos os terminais, são feitas pesquisas conforme o CPF, e as inclusões são fundamentadas. O cliente do senhor não recordo ter ouvido ou citado nos pedidos”, disse Gerson, ao negar ilegalidades.
A defesa ainda questionou se o cabo participou de algo, além das interceptações durante a operação.
“Dei apoio à prisão e ao mandado de busca e apreensão do doutor Vinicius [Silveira, réu da ação]”, afirmou.
“Minha assinatura está nos autos de interceptação , mas eu não era responsável por pedir as interceptações. Há uma equipe trabalhando. Nessa operação havia outros agentes, mas eu que fazia o filtro, relia os autos “, completou.
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