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Cidades/Geral
Domingo - 28 de Outubro de 2018 às 09:23
Por: Aline Almeida/Gazeta Digital

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João Vieira

Foi em meio a amontoados de lixos, urubus, moscas que a catadora Lucimara Abadia Sousa, 49, mãe solteira de cinco filhos, há 10 anos decidiu tirar seu sustento. O local em que “bate o ponto” desde as primeiras horas da manhã é o aterro sanitário de Cuiabá. Não diferente dos aproximadamente 300 catadores que estão no aterro, Lucimara fica à espera dos caminhões que descartam o lixo. Latinhas, cobre, garrafas e muitos outros objetos são o “ganha pão” de quem adotou aquele ambiente para trabalho. Muitos até montaram barracas para permanecer no lixão na tentativa de recolher o máximo possível, já que o número de trabalhadores cresceu 200% em dois anos.

Apesar dos catadores estarem ilegalmente no aterro, já que existe um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) entre Ministério Público e município de Cuiabá para a retirada deles, enfrentar os resíduos é a única forma de levar comida para casa, segundo afirmam.

Embaixo do intenso sol da Capital, os resíduos sólidos exalam forte cheiro no aterro, na localidade de Barreiro Branco, no Distrito do Coxipó do Ouro. Mesmo assim, Lucimara diz que se habituou com o cheiro e que está muito feliz de ter condições de sustentar sua família. Segundo ela, num mês consegue fazer renda entre R$ 800 a R$ 1 mil. “Sou cozinheira, salgadeira, mas pela minha idade ninguém quer mais. Acordo todos os dias às 4h para estar aqui. A necessidade fala mais alto. Apesar de todos os preconceitos e riscos que estamos expostos não me envergonho de dizer que sou catadora”.

A mesma necessidade, segundo Lucimara, fez a filha de 24 anos, manicure, encontrar no lixão uma oportunidade de trabalho. O irmão de Lucimara também tira o sustento entre os amontoados. Em dias de mais sorte é possível encontrar objetos de valores, que quando o dono não vai buscar, consegue-se uma renda extra. É neste mesmo escombro que cacos de vidros, agulhas e muitos outros objetos cortantes também aparecem durante a separação dos materiais. “Aqui se encontra de tudo. Tem muitas vezes que levo até alimento para casa que foi jogado. Eu já passei muita fome na minha vida e fome dói. Teve vez de ter na mesa só arroz, feijão e dois ovos fritos que tive que dividir entre os meus filhos. Todo dia agradeço a Deus por estar aqui e ter condição de colocar comida na mesa”, diz.

Thiago da Silva Duarte, 35, representante do Movimento Nacional de Catadores diz que desde os 6 anos de idade utiliza a reciclagem como forma de sobrevivência. Motivado pelo sustento dos irmãos menores e pela necessidade, Thiago afirma que já construiu uma história na reciclagem. Apesar de desde muito novo estar em meio ao lixo para trabalhar, Thiago nunca abandonou os estudos. Ele concluiu o ensino médio e até estudou Pedagogia por dois semestres. Só não terminou o curso, segundo ele, por não conseguir o financiamento pelo programa federal.

O desemprego e a necessidade, conforme o representante do movimento, tem feito com que muitas pessoas adotem o aterro como forma de trabalho. No entanto, Thiago diz que o local não pode ser tratado como aterro, mas como um lixão a céu aberto. Os catadores lutam para permanecer no local, mesmo com a determinação da retirada, a ideia deles é de que a situação seja regularizada e que possam trabalhar dentro da legalidade. Não há controle sobre as pessoas que entram no “lixão”. Além dos catadores, há também os “aventureiros”, que são pessoas que vão eventualmente ao lugar.

“O que esperamos é que se é para fazer daqui uma coleta seletiva que faça com a participação de todos. Os catadores são os verdadeiros educadores ambientais e precisam ser valorizados pelo município”, afirma Thiago.

Quando se fala em sonhos, tanto Thiago como Lucimara, que refletem a figura dos centenas de catadores no local, não mostram muitas perspectivas. A pele marcada pelo sol e as mãos calejadas são notórias, assim como a resposta em relação aos sonhos: continuar levando o sustento para a família. “Aqui é onde tiro meu dinheiro, onde sustento minha família, onde tenho meus amigos, onde estou construindo minha vida”, diz Thiago.

História

O lixão de Cuiabá foi construído em 1996 com recursos do governo do Estado na ordem de 7 milhões de dólares, de acordo com dados da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).

À época, a cidade produzia 200 toneladas de lixo por dia e essa foi a capacidade projetada para um aterro de rejeitos. O que era para ser um aterro adequado, representando modernização do lixo de Cuiabá, se tornou rapidamente um lixão a céu aberto porque a prefeitura não tinha suporte técnico para operar.

Em 1999, foi concedido o gerenciamento à iniciativa privada, que não cumpriu parte fundamental do processo, que era a impermeabilização do solo e das lagoas. De 2002 a 2005, o aterro sanitário foi melhor estruturado, passou pela impermeabilização, passou a operar como aterro propriamente dito sob gestão de várias empresas.

A partir de 2009, o contrato com a então gerenciadora dos resíduos terminou e a operação foi reassumida pela prefeitura. A partir daí, o aterro voltou a se transformar em um lixão a céu aberto e, assim, está até hoje.

Novo Aterro

MARCUS VAILLANT

Gerson Barbosa

Gerson Barbosa

O Ministério Público do Estado, por meio da 17ª Promotoria de Justiça de Defesa Ambiental, da Ordem Urbanística e do Patrimônio Cultural de Cuiabá prepara uma ação de execução contra o município de Cuiabá para que as obrigações contidas no Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) sejam cumpridas por meio de decisão judicial. O promotor de Justiça, Gerson Barbosa, diz que muitos dos apontamentos a serem acolhidos pelo município estão inertes. “Hoje, a atual situação do aterro sanitário é deplorável e não pode continuar assim”, ressalta.

Firmado em junho de 2013, o acordo entre Ministério Público, o município de Cuiabá e a Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema) com obrigações relacionadas à implantação de um novo sistema de disposição final dos rejeitos urbanos, aterro sanitário e coleta seletiva na Capital ainda tem muitas das suas determinações que nem mesmo saíram do papel. Na ocasião, a administração municipal de Cuiabá assumiu o compromisso de implantar, no prazo de três anos, sistema de disposição final dos rejeitos urbanos em local adequado, mediante apresentação de Estudo de Impacto Ambiental abrangendo as etapas de coleta, transporte, triagem, tratamento e disposição final.

Ficou acordado que o município poderia continuar utilizando o aterro sanitário existente, até que fosse concluído o licenciamento do novo sistema.

Dentre os acordos que não estão sendo seguidos pelo município, segundo Barbosa, estão a não retirada dos catadores que atuam de maneira irregular no aterro sanitário. Além da não implantação da coleta seletiva e ainda a falta de apoio e vigor às cooperativas. Hoje, apenas 6% dos bairros da capital possuem coleta seletiva.

Há dois anos o município apresentou estudo de impacto ambiental para a destinação de uma nova área para o aterro sanitário. Estudos mostram que até 2036 serão produzidas mais de 770 toneladas dia de lixo, produção que hoje está no patamar de 600 toneladas.

No estudo, três áreas foram sugeridas para o novo aterro, mas ele aponta como mais indicada a atual área de funcionamento do aterro pelo fato de apresentar menor impacto ambiental, proximidade e também por economicidade, visto que a área já pertence ao município, não precisando de aplicação de recursos na compra de terreno.

Sem prazo

O novo espaço para o aterro sanitário, que foi idealizado para permanecer na Estrada Balneário Letícia, s/ nº, bairro Quilombo, possui cerca de 60 hectares, anexo a atual área de funcionamento do aterro. Foi projetado para ter a vida útil de 18 anos, considerando a estimativa de geração de resíduos e as dimensões do terreno, podendo ter seu prazo estendido mediante a implementação de políticas públicas que incentivem o reaproveitamento dos resíduos.

Pelo estudo, o espaço receberá os resíduos sólidos gerados somente no município de Cuiabá, com uma capacidade total de recepção de resíduos de, no máximo, 1 mil toneladas/dia. Os resíduos a serem dispostos na área se caracterizam por resíduos sólidos domiciliares e materiais de varredura, resíduos de serviços de saúde descaracterizados (que só serão aceitos após tratamento prévio), resíduos sólidos originados em feiras livres e mercados e outros.

Uma Parceria Público -Privada (PPP) é planejada desde 2015 para o novo aterro. O edital de licitação foi esboçado na gestão passada, mas nunca foi publicado. A previsão era que o contrato fosse de R$ 1,7 bilhão, sendo o custo operacional, ao longo de 30 anos, estimado em R$ 1,2 bilhão.

Outro Lado

A Secretaria de Serviços Urbanos de Cuiabá, por meio de nota, afirma que a Prefeitura está elaborando um estudo técnico para verificar qual a melhor alternativa a seguir em relação à nova área do aterro, mas que não há prazo definido para essa questão.

Informa que uma média de 40 caminhões carregados de lixo passam por dia no aterro sanitário e o local recebe uma média de 450 a 600 toneladas por dia.

A pasta destaca que hoje são quatro cooperativas no aterro que são responsáveis por fazer a separação dos resíduos recicláveis e não recicláveis, fomentando a geração de renda para centenas de pessoas e, ao mesmo tempo, ajudando a criar uma cidade sustentável.





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