Posse de arma
Procura por aulas de tiro aumentou após decreto, diz instrutor Interessado em comprar arma é obrigado a passar por teste de aptidão
O decreto que facilita a posse de armas no Brasil, assinado pelo presidente Jair Bolsonaro no último dia 15, refletiu no aumento da procura por aulas de tiro na Grande Cuiabá. Proprietário de uma estande de tiro de defesa na Capital, Edson Igarashi, de 46 anos, conta que viu a movimentação no seu empreendimento crescer cerca de 90% nos últimos dias.
De acordo com ele, muitos leigos estão procurando os estandes atrás de informações.
“Como as pessoas não tinham noção do real direito que tinham de possuir uma arma, acham que esse decreto foi o responsável por autorizar, quando ele apenas facilitou para que as pessoas renovem a esperança em poderem se defender”, explicou.
Até 2003 era possível, sem muita burocracia, comprar uma arma de fogo em lojas de artigos para peça e caça. Com a sanção do Estatuto do Desarmamento, também naquele ano, foram criadas medidas para restringir o acesso a armas no país.
“Através do investimento em mídia a favor do armamento, incluindo campanhas com artistas globais, o antigo Governo fez com que todos imaginassem que não tinham direitos de comprar uma arma de fogo”, disse Igarashi.
Se a pessoa não se condiciona para ter uma arma dentro de casa, a mesma torna-se muito mais perigosa para ela do que para um bandido
Para o instrutor, a segurança pública do país não tem mais condições de proteger a população ou eles mesmos. Ele atribui essa preocupação ao crescimento da procura no estande de tiro.
Importância do treinamento
Favorável de que os cidadãos possam adquirir a própria arma de fogo, Edson comanda, ao lado da esposa, que também é instrutora, o estande Defender, localizado na Rua Barão de Melgaço, em Cuiabá, há três anos.
Ele faz, porém, um paralelo com as cobranças dos eleitores de Jair Bolsonaro que pediam pelo direito de comprar armas no Brasil.
O instrutor de tiro comparou a posse de armas por pessoas despreparadas com alguém que não sabe dirigir e se arrisca a conduzir um veículo em uma emergência.
De acordo com o instrutor, a mesma situação de estresse é criada quando um criminoso armado tenta invadir uma casa e a vítima, que tem posse de arma, precisa reagir rápido e impedir uma tragédia.
“Alguém esta tentando arrombar a porta de uma casa, está de noite e o invasor está armado. Toda a família da vítima depende do bom desempenho de uma pessoa que está psicologicamente abalada” ressaltou Igarashi, ao falar sobre a importância do treinamento.
Para ele, a pessoa que têm intenção de cometer um crime sempre desfrutará do elemento surpresa, já que “não está escrito bandido na testa dela”. Por conta disso, o cidadão que deseja uma arma precisa estar preparado para saber o momento exato de agir.
“Se a pessoa não se condiciona para ter uma arma dentro de casa, a mesma torna-se muito mais perigosa para ela do que para um bandido”, explicou.
Edson Igarashi/Arquivo Pessoal
Treinamento deve ser constante, segundo o instrutor
“A pessoa que quer uma arma precisa se dedicar ao treino constantemente, senão a chance dela morrer pelo próprio armamento é grande”, completou.
Ele contou que muitas pessoas que procuram o estande dizem ao instrutor que, “na hora H”, não chegarão de fato a utilizar a arma. Para ele, esse é um pensamento errado.
“Se o bandido coloca a vítima em xeque, ela precisa dar xeque-mate nele ou morrerá pela própria arma”, avaliou.
De acordo com ele, a partir do momento que uma pessoa escolhe ter a posse de uma arma de fogo, ela precisa estar preparada para a “guerra civil que acontece nas ruas”.
Curso de tiro e teste de aptidão
Igarashi contou que os interessados em ter uma arma de fogo tendem a fazer uma “confusão doida” entre o curso de tiro e o teste de aptidão e habilidades, que precisa ser aplicado na presença de um instrutor credenciado pela Polícia Federal, como é o caso de Edson.
“O curso é voltado para a pessoa que quer aprender a atirar. Seria como se alguém quisesse aprender a dirigir. Durante o módulo básico, a pessoa será habilitada para atirar”, explicou o instrutor.
No teste não são expedidos documentos ou certificados que comprovem a habilidade em atirar necessários para adquirir a posse de arma.
Tal documento é concedido apenas quando o interessado passa no teste sob o olhar do instrutor credenciado pela PF.
Para conseguir passar no teste, o interessado precisa atingir no mínimo 60 pontos. A avaliação é dividida em duas partes, sendo a primeira uma prova teórica com 20 questões (devendo acertar pelo menos seis delas). Em seguida, os avaliados são levados para a sala de tiro.
“No teste teórico, avaliaremos a conduta da pessoa no estande de tiro, normas de segurança, manuseio e noções de armamento. E, por último, ele precisa acertar, no mínimo 70% das pontuações no alvo”, explicou Igarashi.
Caso o interessado não consiga passar nos testes, o estande é obrigado a informar à PF da reprovação. Para refazer a prova é necessário esperar 30 dias.
Antes os delegados agiam ao bel prazer, pois cada um interpretava o pedido de uma forma. Uns deferiam uma arma, outros duas e tinha casos em que não autorizavam nem uma. Ele [o Bolsonaro] positivou isso
O instrutor alerta, porém, que apenas a habilidade com a arma comprovada durante o teste não é o suficiente para ter posse de uma arma de fogo. De acordo com Igarashi, a taxa de reprovados é de, em média, 25%.
“O ideal é que a pessoa dê continuidade ao curso e continue se aperfeiçoando”, avaliou.
O instrutor contou que muitas pessoas interessadas perguntam a ele qual a melhor arma de fogo para se adquirir. Segundo ele, ter uma pistola, por exemplo, de nada adianta se não souber manuseá-la da forma correta.
Quem pode ter uma arma?
Igarashi explicou que uma das grandes diferenças no decreto de Bolsonaro é determinar quais são os casos em que se há necessidade para ter posse de arma.
O texto do atual presidente traz hipóteses para considerar a “efetiva necessidade”. São elas: ser dono de estabelecimento comercial e industrial, morar em área rural ou em área urbana de estados com altos índices de violência (de acordo com os critérios adotados pelo Governo).
“Antes os delegados agiam ao bel prazer, pois cada um interpretava o pedido de uma forma. Uns deferiam uma arma, outros duas e tinha casos em que não autorizavam nem uma. Ele [o Bolsonaro] positivou isso”, explicou.
Edson considerou boas as mudanças no decreto, que agora autoriza cada pessoa a ter até quatro armas em casa. De acordo com ele, o texto foi alterado a partir de pesquisas e estatísticas colhidas pelo novo Governo.
A equipe de Bolsonaro baseou-se nos dados do Atlas da Violência de 2018. De acordo com a pesquisa, todos os Estados do Brasil têm uma taxa maior que 10 homicídios a cada 100 mil pessoas.
“Ele [o presidente] estudou esses dados e determinou que, para obter a posse de arma de fogo morando em zona urbana, é necessário estar em um Estado que se encaixe na taxa de homicídios. No caso, todos os Estados se encaixam”, pontou.
Se o bandido coloca a vítima em xeque, ela precisa dar xeque-mate nele ou morrerá pela própria arma
Antes e depois
Antes de Bolsonaro assinar o decreto, o artigo 12 do Estatuto do Desarmamento previa sete critérios necessários para o interessado em ter a posse:
"I – declarar efetiva necessidade;
II – ter, no mínimo, vinte e cinco anos;
III – apresentar original e cópia, ou cópia autenticada, de documento de identificação pessoal;
IV – comprovar, em seu pedido de aquisição do Certificado de Registro de Arma de Fogo e periodicamente, a idoneidade e a inexistência de inquérito policial ou processo criminal, por meio de certidões de antecedentes criminais da Justiça Federal, Estadual, Militar e Eleitoral, que poderão ser fornecidas por meio eletrônico;
V – apresentar documento comprobatório de ocupação lícita e de residência certa;
VI – comprovar, em seu pedido de aquisição do Certificado de Registro de Arma de Fogo e periodicamente, a capacidade técnica para o manuseio de arma de fogo;
VII – comprovar aptidão psicológica para o manuseio de arma de fogo, atestada em laudo conclusivo fornecido por psicólogo do quadro da Polícia Federal ou por esta credenciado".
Após o presidente assinar o novo decreto, além das exigências anteriores, uma nova regra foi incluída. De acordo com o documento, em residências habitadas por crianças, adolescentes ou pessoas com deficiência psicológica, o dono da arma precisa ter um cofre ou local seguro para guardá-la.
O decreto também afirma que a Polícia Federal continuará examinando se há, de fato, a necessidade de posse de armas, mas presumirá os fatos apresentados no pedido como verdadeiros.
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