Parto humanizado esbarra na falta de estrutura dos hospitais de Mato Grosso
O momento do parto é considerado traumático para a maioria das mulheres. Tanto que a maioria prefere ser submetida a cesariana para evitar qualquer tipo de dor. Embora seja desejado por muitas mães e até mesmo pelos profissionais da saúde, o parto humanizado com analgesia (sem dor) ainda esbarra na falta de estrutura dos hospitais públicos de Mato Grosso.
Na última terça-feira (3), um debate promovido pela Frente Parlamentar da Saúde da Mulher da Assembleia Legislativo, que abordou, entre outras coisas, a falta de equipamentos, ambientes (quartos) e equipe profissional treinada.
A ginecologista e obstetra Caroline Paccola, referência em parto humanizado no estado, explicou que o parto normal fortalece a saúde do bebê e oferece a melhor recuperação para as mulheres. Mesmo frente a melhores índices, a opção ainda é estigmatizada no Brasil por causa do modelo de assistência que mais antigo.
“Temos deficiência na formação de profissionais e na estrutura dos hospitais, onde faltam ambientes adequados para a realização do parto humanizado, equipamentos e analgesia, que é similar à utilizada na cesariana, porém em dose 20 vezes menor e que permite mobilidade à mulher inclusive para amamentar nas primeiras horas”.
A médica acrescentou que há necessidade de melhorar o acesso das mulheres durante o pré-natal, também relatou a falta da presença de enfermeiras obstetras nas maternidades, citou ainda que alguns hospitais de referência em Mato Grosso que fazem mais de 9 mil partos por ano possuem apenas uma profissional como esta em todos seu quadro de funcionários, o que é muito pouco.
“Precisamos de uma equipe preparada para atender a gestante, com capacitação adequada e apoio de outros profissionais (doulas e fisioterapeutas), temos que melhorar a preparação da mulher para o parto, diminuindo fatores de risco, com a realização de exames básicos, incentivo à atividade física, controle de peso e suporte psicológico, de modo a reduzir a ansiedade e dar mais segurança”, acrescentou Caroline.
Para o deputado estadual Dr. Gimenez (PV), as informações trazidas pelas especialistas que participaram da reunião foram muito pedagógicas no que tange a entender a evolução da história do parto entre os séculos 20 e 21, já que o parto sempre foi visto como um momento traumático para as mulheres.
“Com o advento de técnicas inovadoras, entre elas, a analgesia do parto, temos a possibilidade de amenizar tudo isso e promover um momento mais acolhedor às gestantes. O problema é que essa ferramenta ainda não está disponível na maioria das unidades de saúde”, afirmou o parlamentar que é médico há mais de 40 anos.
Na avaliação do deputado estadual Dr. Eugênio (PSB), falar sobre parto humanizado inevitavelmente acaba esbarrando na falta de estrutura da saúde estadual, principalmente em regiões mais distantes e isoladas, como é o Araguaia, onde atuou 23 dos 25 anos de profissão.
“Sou de uma família de nove irmãos, sendo sete mulheres, que cresceram na roça, em Minas Gerais, depois me tornei médico e venho acompanhando os percalços das mulheres no acesso à saúde no interior de Mato Grosso. Posso afirmar que ainda hoje falta o básico, por isso temos muito ainda a fazer. Além disso, não podemos nos comparar com outras realidades, na Inglaterra, por exemplo, a Rainha Vitória utilizou a anestesia em seu oitavo parto, realizado em 1853”, destacou o deputado.
A coordenadora estadual da Saúde da Mulher da Secretaria de Estado de Saúde (SES), Inês Stranieri, afirmou que falta a Mato Grosso inclusive uma maternidade de referência, principalmente para acompanhar as pacientes de alto risco. Ela descreveu que o serviço está pulverizado e que há poucos leitos para a realização de partos normais humanizados. "Nosso apoio do Ministério da Saúde é zero quando pedimos mais recursos e também treinamento das equipes”.
Na avaliação da deputada Janaina Riva (MDB), que é membro da Frente Parlamentar e está grávida, as informações da palestra deveriam ser levadas a todas as mulheres. Ela também destacou que optou pela cesárea em seus primeiros partos, como a maioria das mulheres, por medo da dor. “A minha irmã, que também está grávida, já disse que quer parto humanizado e vai se preparar para isso”.
Também participaram do evento os deputados Xuxu Dal Molin (PSC), Dr. João de Matos (MDB) e Paulo Araújo (PP). Os membros da Frente Parlamentar da Saúde da Mulher são: Dr. Gimenez (coordenador), Janaina Riva, Max Russi, Dr. Eugênio e Dr. João de Matos. A iniciativa teve início em outubro do ano passado, e esta é a primeira reunião de 2020, com o tema “parto humanizado”.
Experiência de sucesso
A médica ginecologista e obstetra Fernanda Monteiro Siqueira falou durante o evento sobre a experiência bem-sucedida da Unimed Cuiabá no apoio ao parto humanizado. Ela pontuou que o número de cesáreas na rede particular de saúde não era apenas de 60% (dados do Ministério da Saúde) e sim 98%, em Mato Grosso.
Com a nova estrutura e o trabalho realizado com dois hospitais particulares de Cuiabá, o número de partos vaginais aumentou para 18% entre todas as gestantes e 50% em relação a mães de primeira gestação. “No nosso curso gestante, trabalhamos para descontruir muitos estigmas em relação ao parto, com o intuito de mostrar a elas que é possível ter uma experiência positiva e segura para toda a família sem recorrer à cirurgia”.
Conforme a presidente da Associação das Doulas de Mato Grosso, Keline Correia de Paula, o trabalho das doulas é importante para garantir o sucesso no pré, durante e no pós-parto, porém, em alguns hospitais, em especial no interior do estado, elas não são bem vistas ainda pela equipe médica e impedidas de acompanhar a mulher em trabalho de parto. “Precisamos do apoio do Legislativo para regulamentar a profissão e com isso facilitar a nossa aceitação e entrada nas unidades de saúde”.
Relatos sobre o outro lado
João Augusto Pádua e Alexandre Hebert contribuíram com a reunião levantando um tema pertinente quando se debate a humanização no atendimento à mulher, que é a violência obstétrica. Ambos têm histórias tristes em que as esposas tentaram o parto humanizado sem sucesso, o primeiro deles tem um filho de pouco mais de um ano com inúmeras deficiências; e o segundo acabou de perder o filho, que veio a óbito em janeiro deste ano.
“Infelizmente nós pagamos caro (porque os profissionais e procedimentos são feitos de forma particular) por entender que esta seria a melhor experiência das nossas vidas, mas acontece que nem todas as mulheres podem ter parto normal, por isso queremos deixar nosso testemunho que o mais importante e mais humanizado é salvar vidas, é respeitar o limite de cada uma delas, não desejo a ninguém o que nós passamos”, relatou João.
*As informações são da assessoria de imprensa
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