Ataques a jornalistas
“Violência começa com o presidente e seguidores reproduzem” Presidente da Fenaj diz que governo Bolsonaro institucionalizou violência à jornalistas
A agressão sofrida por profissionais do jornal O Estado de S.Paulo, na semana passada, durante um ato pró-governo em Brasília, expôs as dificuldades do exercício do jornalismo nos últimos tempos no País.
Para a presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) Maria José Braga, a agressão é resultado do comportamento do presidente Jair Bolsonaro, que, conforme ela, institucionalizou a violência contra os profissionais da imprensa em entrevistas coletivas, posts e discursos.
Segundo Maria José, somente nesses primeiros quatros meses de 2020, o presidente já desferiu 179 ataques a jornalistas.
Se a autoridade máxima do Brasil se sente no direito de agredir os profissionais jornalistas, é quase um incentivo para os seus seguidores [fazer o mesmo].
“Se a autoridade máxima do Brasil se sente no direito de agredir os profissionais jornalistas, é quase um incentivo para os seus seguidores [fazer o mesmo]. E esses seguidores já têm um perfil da violência, já que o presidente também faz uma apologia da violência, do uso de armas, do uso da força para resolução de conflitos” , afirmou em entrevista concedida ao MidiaNews nesta semana.
Leia os principais trechos da entrevista:
MidiaNews - A senhora considera que o exercício do jornalismo está em risco atualmente?
Maria José Braga – O exercício do jornalismo no Brasil está em dificuldades porque nós temos desde 2019, com a posse do presidente Jair Bolsonaro, uma institucionalização da violência contra jornalistas por meio da Presidência da República.
Então, a gente tem uma onda de violência que começa com o presidente da República e é reproduzida pelos seus seguidores, que estão atacando os jornalistas nas ruas e nas redes sociais. A gente ainda tem o fenômeno dos ataques e ameaças virtuais, que aumentaram vertiginosamente de 2018 para cá.
Esses ataques virtuais são extremamente nocivos porque eles se dão em rede e em volume muito grande. Faz com que o jornalista se sinta de fato fragilizado porque é uma avalanche de seguidores bolsonaristas que atacam jornalistas nas redes, às vezes só com ameaça, mas às vezes expondo a vida privada ou a vida profissional do jornalista, como foi o caso do Merval Pereira [colunista do Jornal O Globo], que teve divulgados os valores que ele recebeu para dar uma série de palestras para uma entidade nacional [Sebrae].
São diversas formas de ataque que deixam o profissional de fato emocionalmente fragilizado. Por isso, a gente sempre diz que mesmo essas agressões precisam ser denunciadas para que os responsáveis sejam identificados e punidos.
MidiaNews - Na semana passada, houve agressão a uma equipe do Jornal O Estado de S.Paulo durante uma manifestação em Brasília. A Fenaj tomou alguma providência?
Maria José Braga – A Fenaj e o Sindicato do Distrito Federal fizeram uma denúncia pública dos ataques e nos colocamos à disposição dos profissionais agredidos para que eles - no caso tem que ter uma denuncia individual - registrem a ocorrência e possa haver um inquérito policial para a identificação dos responsáveis.
Nesse caso específico de Brasília, a gente tem um fato positivo. O próprio procurador-geral da República, Augusto Aras, identificou a gravidade da situação e já acionou o Ministério Público do Distrito Federal para que seja apurada a circunstância da agressão e os responsáveis identificados e processados criminalmente.
MidiaNews – Diante das tensões em Brasília, a senhora teme que essa hostilidade possa piorar?
Maria José Braga – A gente espera que não haja um agravamento da situação, que já é alarmante. O que nós queremos? O que a gente pede para a sociedade? Que a sociedade apoie o jornalista e apoie o jornalismo, a prática da atividade profissional. Isso pode se dar de diversas formas: na vida cotidiana, ou seja, quando um profissional estiver em risco, que as pessoas se coloquem ao lado dele como já ocorreu em alguns estados. E também nas redes sociais. Que as pessoas condenem esses agressores e não reproduzam as informações inverídicas que muitas vezes são divulgadas .
E do poder público, nós esperamos de fato serenidade nas investigações para que os responsáveis sejam identificados e punidos. E por que é importante a identificação e a punição? Porque se não há uma banalização, como se fosse algo normal. Como se fosse natural alguém se sentir no direito de agredir caso se fique insatisfeito com uma determinada publicação ou com o trabalho de determinado jornalista.
A gente costuma dizer que, nós, jornalistas somos passives de críticas. Nós - inclusive pela própria natureza da profissão, que exige uma agilidade muito grande - erramos, temos que reconhecer esses erros, temos que corrigi-los. Mas crítica é diferente de agressão. Todo mundo pode criticar, obviamente. A liberdade de expressão está garantida para todos. Mas a crítica não pode se transformar em ato violento e é isso que tem ocorrido no Brasil.
A liberdade de expressão está garantida para todos. Mas a crítica não pode se transformar em ato violento e é isso que tem ocorrido no Brasil
MidiaNews – A senhora acredita que as pessoas estão mais conscientes hoje em dia da importância do jornalismo profissional diante do avanço das fake news?
Maria José Braga – Eu creio que a pandemia provocada pelo novo coronavírus, se a gente pode dizer que ela trouxe algo positivo, foi o resgate da importância do jornalismo profissional como local de produção e difusão da informação de qualidade e a valorização da ciência. Principalmente no Brasil, onde a gente tem um grupo negacionista, negando a ciência, negando as evidências da realidade. Então essa pandemia fez com a sociedade enxergasse a importância da ciência e também a importância do jornalismo.
Os veículos de comunicação têm aumentando o número de acessos pelas plataformas eletrônicas, têm aumentando o número de leitores, várias emissoras de televisão, inclusive, aumentaram o tempo dos noticiário justamente para dar conta da demanda.
A gente espera que isso [importância ao jornalismo] perdure. Que o aprendizado que nós, profissionais, estamos tendo nesses tempos difíceis e também toda sociedade sirva para valorizar o jornalismo como fonte de informação confiável para população.
MidiaNews - Como viu a atitude do presidente Jair Bolsonaro ordenando que jornalistas calassem a boca, na saída do Palácio do Alvorada?
Maria José Braga – O presidente tem demostrando desde o primeiro dia que assumiu o cargo que não tem apreço pela democracia e pelas instituições democráticas, da qual a imprensa faz parte.
O presidente não tem qualificação para o cargo que ocupa. Foi um deputado que durante 28 anos integrou o chamado "baixo clero", não participou de nenhum debate de relevância, não teve nenhum projeto importante aprovado. E na Presidência da República está fazendo, vamos dizer assim, o trabalho de destruição do Estado brasileiro e com ataques muitíssimos graves à classe trabalhadora pelas medidas que vem sendo implementadas. E volto a dizer: ele também, claramente, apesar de dizer ao contrário, não respeita a democracia e as instituições democráticas, tanto que participou duas vezes de atos políticos dos seus apoiadores defendendo o fechamento do Congresso e do STF, ou seja, não querem que a democracia funcione no Brasil.
A Federação Nacional dos Jornalistas tem feito um monitoramento dos ataques que ele tem cometido desde o primeiro dia de Governo. Somente nesses primeiros quatros meses de 2020, o presidente desferiu 179 ataques a jornalistas e à imprensa de forma geral. Isso é muito grave.
MidiaNews - Acha que o comportamento dele incentiva ações como aquela contra a equipe do Estadão?
O presidente tem demostrando desde o primeiro dia que assumiu o cargo que não tem apreço pela democracia
Maria José Braga – Quando eu digo que o problema maior que nós estamos enfrentando é a institucionalização da violência na Presidência da República é justamente por isso. Se a autoridade máxima do Brasil se sente no direito de agredir os profissionais jornalistas, é quase um incentivo para os seus seguidores. E esses seguidores já têm um perfil da violência, já que o presidente também faz uma apologia da violência, do uso de armas. Esses seguidores também agem de forma violenta, não só no caso dos jornalistas. A gente teve um triste exemplo recente, em que jornalistas e profissionais da enfermagem foram agredidos em Brasília. Há de fato uma exacerbação desses grupos violentos e o Estado brasileiro deveria estar trabalhando para contê-los, para que não haja uma disseminação da prática de violência no Brasil. Mas infelizmente o presidente é um incentivador dessa prática.
MidiaNews - Há setores da imprensa que defendem ignorar o presidente, já que as agressões aos jornalistas têm sido constantes. O que pensa a Fenaj?
Maria José Braga – A Federação Nacional dos Jornalistas já se manifestou publicamente dizendo que aquele espaço montando na porta do Palácio Alvorada não é um espaço adequado para realização de entrevistas coletivas. Pelo contrário, aquilo ali é um espaço montado e organizado para que aquelas pessoas aplaudam o presidente nos seus ataques aos jornalistas. É isso que nós temos visto frequentemente.
A Fenaj procurou as entidades representativas das empresas de comunicação e nós pedimos que houvesse uma orientação para que os profissionais não fossem submetidos àquela situação de constrangimento. Mas infelizmente as empresas de comunicação, alegando a importância da figura do presidente, se recusaram atender o pedido.
Na opinião da Fenaj, os profissionais estão sendo expostos ao risco e ao constrangimento desnecessariamente porque ali não há entrevista coletiva de fato, há ataques do presidente aos profissionais da imprensa com apoio da claque organizada, que comparece lá todo dia.
MidiaNews - Como a senhora enxerga esses movimentos que pedem o fechamento do Congresso e do STF?
Maria José Braga – É sinal de que de fato a democracia brasileira está quebrada. Na verdade a gente tem uma institucionalidade que aparentemente funciona, mas o Executivo Nacional adota medidas que são contrárias à democracia. Um exemplo disso é o número de medidas provisórias que esse governo já editou, contrariando a previsão republicana do equilíbrio entre os três Poderes. Esse governo tem usurpado o Poder Legislativo por meio de medidas provisórias que modificam leis, que criam situações ilegais no Brasil. E por conta da atuação ainda muito tímida do Supremo Tribunal Federal, os seguidores passaram a atacar a corte máxima de Justiça do Brasil.
No nosso entendimento, é preciso que as forças de fato que prezam pela democracia tomem medidas para conter o chefe do Executivo, que claramente é autoritário e tem um projeto autoritário para o País.
MidiaNews - Teme que possa ocorrer o fechamento do Congresso e do STF? Ou falta apoio ao presidente?
Maria José Braga – A Fenaj espera que não aconteça, mas estamos desde o nosso último congresso defendendo o afastamento do presidente da República como medida necessária para retomada da ordem democrática.
MidiaNews - A Fenaj apoia então um pedido de impeachment do presidente?
Maria José Braga – Claro que sim! A gente acha, inclusive, que a elite política brasileira demorou demais em falar do afastamento do presidente com um equivocado receio de que um novo afastamento traria risco à democracia. Risco é esse presidente que não respeita a democracia nem as instituições democráticas.
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