"Sagrado Segredo" é a surpresa da temporada nacional
André Luiz Oliveira emociona-se ao falar com a reportagem. "São tantos anos para realizar e lançar um filme. A gente fica vulnerável. Ouvir falar bem do que a gente fez com tanta dificuldade reconforta a alma." Até o norte-americano Terrence Malick deixou de ser bissexto e, após "A Árvore da Vida", que ganhou a Palma de Ouro no ano passado, estreia em Veneza o novo longa, com o qual vai tentar o Leão de Ouro. Oliveira continua bissexto. Mais que isso - sua carreira contabiliza quatro longas em 40 anos de carreira, um a cada dez anos.
O mais recente deles foi concluído em 2008, mas só agora está em cartaz no Arteplex Itaú - em uma sessão diária. A lógica do mercado é infernal. "Sagrado Segredo" poderá muito ser o melhor filme brasileiro do ano, o melhor em anos. O mais arriscado, é, com certeza. E é difícil de catalogar. Por isso, vai para o gueto. Começa como ficção, vira um documentário sobre a encenação da Paixão de Cristo em Divinópolis, no Distrito Federal, prossegue como documentário, entrevistando o físico quântico Amit Gonswami, que usa ferramentas científicas para debater a religião, volta à ficção como a história de uma equipe (reduzida) que roda um filme, justamente sobre a via-crúcis e Gonswami, buscando respostas para a perplexidade do menino que, na abertura, lança seu olhar sobre a representação do homem na cruz.
Como se classifica um filme desses? Docudrama? Cinema de bordas? Oliveira desloca-se através de códigos e gêneros. Lembra Carlos Reichenbach, que morreu há cerca de dois meses. Não é um movimento deliberado nem planejado, mas algo que nasce do desejo de transgressão que alguns autores carregam e que os faz, permanentemente, se insurgir contra todo o dogma. O baiano André Luiz Oliveira deixou sua marca no cinema marginal com "Meteorango Kid - O Herói Intergaláctico", de 1969, no qual, vale lembrar, já havia uma crucificação. Fez depois "A Lenda de Ubirajara", em 1975, o mais belo filme de índio do cinema brasileiro - e se trata de um elogio pequeno para suas grandes qualidades -, chegando a "Louco por Cinema", em 1995.
O Cristo crucificado, a relação com o sagrado - o índio frente à natureza -, a loucura que é fazer cinema no País. Tudo se combina em "Sagrado Segredo". "É uma coerência interna, de dentro", admite Oliveira. Ele esquece todo sofrimento. Há tranquilidade no ato de filmar como quer. Em 1991, quando foi morar em Brasília, ele vivia um momento intenso da vida. Oliveira talvez seja o único autor brasileiro que se recusa a falar em carreira. "Sou cineasta de vez em quando", resume. Ao chegar a Brasília, de cara, ele foi ver a representação da Paixão de Cristo. "É uma coisa grandiosa, um paradoxo, uma festa pagã que surge da união comunitária", avalia. Nasceu ali a vontade de fazer "alguma coisa" - o quê? - sobre o assunto. O desejo voltou no começo dos anos 2000, quando seu pai morreu. O sentimento de orfandade percorre o filme, na figura do menino desamparado. A mãe de luto, há até um caixão fechado, mas a imagem é tão breve que muitos nem notam.
Os "deslocamentos", como ele diz, muitas vezes nem são vistos. Passam despercebidos, quando não recebem a etiqueta de "malfeito". E, no entanto, está tudo lá. O encontro com Gonswami foi decisivo. Oliveira havia descoberto um livro do físico que concilia ciência e religião, por meio da física quântica. O livro "O Universo Autoconsciente" virou uma espécie de bíblia para ele. Um dia, estava com o volume na mão, na Cidade da Paz, em Brasília - Gonswami estava ali, a dois passos. Nasceu uma amizade, e uma parceria. Gonswami, no filme, fala de Cristo como um grande místico. Diz que os místicos entendem todo o mundo e correm o risco de não ser entendidos por ninguém. Poderia estar falando de Oliveira. Seu filme é muito rico - depende do olhar e da sensibilidade do espectador, de quanto ele está disposto a se jogar na estrutura não linear montada pelo cineasta. A viagem pode ser árdua. A recompensa, para carregar no coração e na mente. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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