Inimigo em casa
Padrasto estupra 2 enteados em Cuiabá; mãe era conivente Denúncia foi feita pela irmã mais velha das vítimas; casal foi preso
A atuação da Rede Protege Cuiabá – Articulação Intersetorial da Infância e Adolescência deu esperança de um futuro melhor para dois irmãos, uma menina de 10 e um garoto de 8 anos, que viviam em situação de violência sexual na periferia de Cuiabá. Tudo começou devido à coragem da irmã mais velha, de 19 anos, que denunciou ao Conselho Tutelar da Região do Planalto os abusos do padrasto contra as crianças e a conivência da mãe, que sabia dos crimes, mas não levou o caso as autoridades.
“Doeu muito colocar minha mãe na cadeia, mas eu só tinha duas opções: colar minha mãe na cadeia ou deixar meus irmãos morrerem, porque um dia isso ia acontecer. Meus irmãos são anjinhos, eles não sabem de nada”, declara Celina*.
Celina relata que no final de 2020, o irmão então com sete anos revelou espontaneamente que o padrasto estava abusando dele e da irmã e ela contou a história para a mãe, uma mulher de 47 anos e com sete filhos. A mãe desacreditou do menino, mas pressionada foi a Delegacia Especializada de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Deddica) e registou um Boletim de Ocorrência e informou a família que tinha terminado o relacionamento com o abusador das crianças. A mulher se mudou com os filhos para uma chácara e não passou o endereço para Celina.
Dias depois Celina se encontrou com o irmão de 8 anos que revelou que a mãe continuava com o padrasto e os abusos sexuais eram constantes. Revoltada a irmã foi ao Conselho e pediu por socorro. “Não sabia certinho onde era essa chácara, foi difícil encontrar, os conselheiros e os agentes da Deddica precisaram fazer buscas por dois dias, mas graças a Deus encontraram e salvaram meus irmãos”, conta emocionada.
Celina ainda revela que na dinâmica familiar, os abusos sexuais sempre existiram que a mãe e a tia foram estupras pelo próprio pai e o ciclo continuou. “Somos quatro irmãs e um irmão e todas nós já passamos por essa situação da minha mãe oferecer a gente em troca de bebida e dinheiro”, revela. “Para fugir dessa vida todas casamos cedo, uma com 15, outra com 14 a caçula saiu de casa cedo e eu estou comeu marido desde os 12. Por que? Para fugir de casa, da minha mãe e dessa situação, a gente pensou muito melhor ficar com um homem só do que ser violentada por todos homem que minha mãe arranjar”, lembra ao afirmar que deu um ponto final nesse ciclo.
A mãe e o abusador estão presos aguardando julgamento e Celina, que é casada e tem dois filhos pequenos, ficou com a guarda dos irmãos. “A partir de agora, eu vou ser a mãe, a irmã, a companheira, porque meus irmãos já passaram por muita coisa nessa vida. Eles merecem ser felizes e sei que do meu lado eles vão ser”, declara.
A Conselheira Juscilene Xavier, que participou da ação reforça a importância da denuncia. “A irmã mais velha se dedicou para que as crianças fossem resgatadas. Ela foi à delegacia, pediu ajuda ao Conselho, nos trazia informações do paradeiro deles que estavam tentando fugir e através dela, conseguimos descobrir que não era apenas o padrasto que abusava dos irmãos menores, mas a mãe biológica era conivente. Ela se preocupou com as crianças e o amor pelos irmãos pequenos falou mais alto”, explica.
Juscilene completa dizendo que a Rede de Proteção além de tratar o problema naquele momento está acompanhando toda a família. “A rede tem o CRAS, CREAS e entidades filantrópicas parcerias, psicólogo da Deddica, o Juizado e a Promotoria, todos trabalhado de forma articulada pelo bem dessas crianças. Realizamos todo tipo de acolhimento para que essas crianças cresçam e comecem a perceber que há outros caminhos”, reforça.
O conselheiro Jeferson Adriani Rocha, outro que à frente das buscas dos criminosos e das crianças, destaca a necessidade dos adultos não ignorarem os sinais das crianças. “É importantíssimo que a sociedade, quem está próximo e sabe de alguma coisa, observe os sinais que a criança pode apresentar, pois na grande maioria o abusador é quem mora com a criança, ou tem um convívio”, alerta. “Quem tem criança, jamais ignore quando a criança diz que não gosta daquele tio, não quer dar um abraço. Desconfie de algo errado e professores, parentes, vizinhos sempre que perceberem alguma coisa noticie os fatos, só assim poderemos agir. A identidade será mantida em sigilo”.
O juiz da 1ª Vara de Chapada dos Guimarães, Leonísio Salles de Abreu Júnior, aponta que o combate à exploração sexual de jovens é uma missão da família, da sociedade e do Estado. “E é imprescindível a união de todos segmentos da rede de proteção, para garantirmos os direitos das crianças e adolescentes”, afirma.
“A rede de proteção é constituída por atores de serviços de Educação, Saúde, Assistência Social e Segurança Pública, com especial destaque da observância de sinais de violência sexual, o imediato acolhimento e na proteção dos jovens em situação de risco, conte com a rede de proteção de sua cidade, denuncie a exploração sexual a seus atores, pois para melhor atuarmos precisamos da sua voz. A exploração sexual de crianças e adolescentes é crime e deve ser combatida”, reafirma.
Canais de denúncia – A denúncia pode ser anônima. Basta ligar para o Disque 100 (Direitos Humanos), ou para o 197 (Polícia Civil) e ainda para o 190 (Polícia Militar).
*O nome é fictício para preservar a identidade da denunciante
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