Embora já esperada, atual seca no Estado surpreende
Com previsão de antecipação das chuvas, Mato Grosso terá precipitações em outubro, um pouco mais cedo do que ocorreu no ano passado. A perspectiva é apontada por climatológicos e matemáticos. Haverá uma melhor distribuição das águas, porém, não será o grande volume esperado para ‘matar a sede’ do subsolo. A falta de chuvas em grande quantidade se deve ao fato de a região Centro-Oeste estar sob o efeito do fenômeno ‘la niña’, além do ciclo de seca dos 7 anos, que culmina com a maior dos últimos 90 anos, segundo o professor doutor, Rafael Pedrollo de Paes, engenheiro sanitarista da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).
O especialista alerta que a seca de 2021 já era prevista com base nos modelos climatológicos. Ou seja, já havia informações técnicas e científicas o suficiente para que não houvesse passividade na atual condição enfrentada por toda a população.
Destaca que existem escalas (os ciclos) de diversos níveis de secas e de cheias. A mais visível é a escala de menor proporção, a anual, intercalada com um período maior de chuvas e o menor período de estiagem. Os principais fatores desse ciclo são a distância da Terra em relação ao sol e a inclinação do planeta, responsável pelas quatro estações.
Ainda há outras escalas não tão visíveis quanto à anual. Cita como exemplo os fenômenos ‘el niño’ e ‘la niña’ (aquecimento ou resfriamento das águas do Pacífico), cujas escalas estão na ordem de 5 a 7 anos e que influenciam todo o movimento de pressão e de massas de ar em diversas partes do planeta, inclusive no continente americano.
Ainda existem outras escalas, não tão conhecidas pelos pesquisadores e população em geral. Atravessa-se uma de 100 anos aproximadamente. “Se analisarmos as séries climatológicas, veremos que na região do meio do Brasil, agora, há seca extrema, que é uma combinação dessas diversas escalas. Na década de 80 e 60, também aconteceu, e outro tipo de registro foi na década de 30, mencionado nas obras de Graciliano Ramos como “Vidas Secas” e outras que retratam a seca no país”, pondera o pesquisador.
Segundo o especialista, foi a partir dos escritos literários e reportagens da época que estudiosos começaram a juntar informações e cruzar dados para pesquisas, pois a falta de estações climatológicas dificultava a identificação dos anos com maior ou menor volume de águas.
“As chuvas que acontecem em Mato Grosso nessa época do ano ocorrem em função dos ‘rios voadores’, apelido da zona intertropical do Atlântico Sul que leva a umidade da evapotranspiração da Amazônia, mais a umidade do norte da América do Sul para dentro do Continente. Ela ‘bate’ na Cordilheira dos Andes, lá no Chile, e volta para o meio do continente, que é onde estamos, Mato Grosso, o Centro Geodésico”.
Conforme Rafael, quando convergem a escala de um ano com a seca dos 7 anos, mais a de 20 e a de 100 anos, que é o que ocorre no momento, há a tendência de secas mais severas. Maior dos últimos 90 anos Embora já esperada, atual seca surpreende Vai chover em outubro, mas não o suficiente para ‘matar a sede’ do subsolo, apontam especialistas.
Influência
O aumento populacional de uma cidade também tem influência direta para a mudança climática em diversos aspectos, segundo o especialista. Entre essas mudanças está o do solo urbano. Cita que Cuiabá tinha um determinado número de habitantes na década de 70, que dobrou a cada década subsequente até chegar 2020.
“Causamos a redução da permeabilidade do solo, o que faz a água escoar mais rápido, diminuindo o potencial de infiltração e mudando a temperatura. Como o cuiabano da década de 70 morava aqui sem arcondicionado? Não dá para imaginar, mas as temperaturas eram suavemente menores”, exemplifica.
Benfeitorias
No entanto, Rafael de Paes destaca que nem sempre a influência humana é maléfica, principalmente quando o homem pode cooperar para situações de crise no futuro. “Positivo é o potencial de construir reservatórios, que na época de seca, pode nos fornecer água, que é o caso de Manso, que entra por uma vazão e sai outra maior”.
Degradação O atual cenário foi influenciado por desmatamento, ações humanas, degradação ambiental, além de outros fatores como o fenômeno ‘la ninã’, que eleva o tempo seco com a diminuição de pluviosidade, segundo Renato José Ferreira Pascoal, analista da Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema). “Notamos desde 2018 esse comportamento de seca. Acredito que daqui uns tempos isso vai ser alternado por momentos de chuvas mais extremas. Não sabemos quanto tempo, mas existem essas previsões”.
O analista destaca que há dois meses o Estado vem realizando o mapa da seca local com os indicativos para o período, previsões futuras e constatação de que houve aumento do fenômeno moderado e grave.
O mapa, elaborado pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), possibilita o monitoramento dos períodos a partir das ocorrências sequenciadas dos municípios e era elaborado fora do Estado. Hoje, segundo Renato, profissionais de Mato Grosso são treinados para acompanhar a elaboração do estudo com monitoramento da ANA. Os de junho e julho foram feitos no Estado com análises de dados climáticos, como o volume de chuvas, situação das plantações, questões objetivas repassadas pelos municípios por meio de questionários e ajuda de observadores para o resultado final.
Do ponto de vista meteorológico, a seca é considerada uma estiagem prolongada, caracterizada por provocar uma redução relevante das reservas hídricas existentes. As situações de secas e estiagens não são necessariamente consequências de índices pluviais abaixo do normal ou de teores de umidade de solos e ar deficientes. Elas ocorrem também devido ao manejo inadequado de corpos hídricos e bacias hidrográficas, como resultado da intervenção desordenada do ser humano no meio ambiente.
Redução de chuvas
Conforme José Pedro Ferraz Zanetti, diretor da Defesa Civil de Cuiabá, há dois anos as chuvas vêm sofrendo redução de volume e a estiagem, que normalmente começa no final do mês de maio, este ano começou em abril, acentuando o tempo seco.
“Tudo mudou! A chuva do caju não teve. Os rios mais secos, a temperatura média da terra. Enfim, o desmatamento das cabeceiras e nascentes. É um conjunto de ações que cooperam para essa estiagem. Hoje, para nós, o que interessa é a entrada de mais água na barragem de Manso, que está operando com 14% da capacidade”, destaca em justificativa à atual crise hídrica que tem levado à falta d’água em bairros, além da escassez em outros.
Comentários