83 anos
Poxoréu, do diamante ao estilo pacato de vida no hoje Um lugar diferente que tinha moeda própria, que nunca se curvou aos avanços do tempo e que sabe vivê-lo muito bem
Diamante gemológico sem igual no mundo inteiro. Fortunas da noite para o dia. Cabarés lotados com garimpeiros bêbados e mulheres recrutadas em Goiânia e no Nordeste. Bimotores DC-3 da Real Aerovias cruzando os céus e pousando no Aeroporto Eduardo Gomes embarcando e desembarcando compradores de diamante. Gado gordo criado a pasto nas invernadas nativas de topografia acidentada e muita aguada. Famílias com mães devotas ajoelhadas na matriz São João Batista e pais que dividiam o tempo entre o batente diurno e o carteado noturno. A realidade era essa, até que na década de 1990 o garimpo escafedeu-se. Ficou a pequena cidade arrodeada por metrópoles regionais que lhe pertenceram; ficou, também, a alegria de continuar levando a vida pacata num lugar onde todos se conhecem e o grande sonho não é sonhar, mas viver a rotina moldada ao longo de décadas com base nos costumes baianos dos primeiros moradores. Assim é Poxoréu, aos pés do Morro de Mesa, banhada pelo rio que lhe empresta o nome e que nesta terça-feira, 26, completa 83 anos de emancipação.
Poxoréu era distante de tudo e de difícil acesso. Tanto assim, que o senador Filinto Müller certa feita indo àquela cidade, pousou à margem da BR-364 no entroncamento para Dom Aquino, cidade no percurso. Pela manhã, Filinto reclamou da falta d’água para lavar o rosto e botou nome no estabelecimento: Pensão Seca. O outro acesso, para Rondonópolis, sequer existia; os 86 quilômetros do trajeto foram abertos à foice, machado e enxadão pelo garimpeiro mineiro radicado em Poxoréu, Jacinto Silva.
De tão rica Poxoréu levava o Banco do Brasil e tomar empréstimo local para pagamento de cheques e liberação de saques, quando suas reservas não suportavam. Prisco Menezes, ex-garimpeiro que ficou milionário emprestando dinheiro socorria o BB e sequer lhe dispensava tratamento preferencial. Mais rica ainda e longe dos caixas bancários, a cidade tinha sua verdadeira moeda circulante: o diamante, que pagava compra de dragas, veículos, sexo nos cabaré da Rua Bahia, roupas nas lojas e secos e molhados nos armazéns.
Política e politiqueira Poxoréu deu golpe de Estado na prefeitura depondo o prefeito e médico Antônio dos Santos Muniz abrindo caminho para Lindberg Nunes Rocha eternizar-se no poder. Mais tarde o mesmo Lindberg protagonizou um ato até então inédito no Brasil: seu mandato de prefeito venceu e ele elegeu sucessor o primo Lucas Ribeiro Vilela. Disposto a permanecer administrando Lindberg fez um acordo de cavalheiro com Lucas, mas o reforçou com uma procuração com amplos poderes: o parente não entraria na prefeitura durante seu mandato e ele cotinuaria comandando o município – ambos cumpriram o trato.
Na Rua da Bahia a festa era permanente. Na sua vizinhança o Diamante Clube reunia as famílias para monumentais bailes com grandes orquestras nacionais e o Conjunto Marinho e Seus Beats Boys, de Rondonópolis.
No campo, sem a força do agronegócio de agora, mas com vitalidade, além da pecuária, Poxoréu assumia a vanguarda do cultivo de fumo em escala comercial, na propriedade do mineiro José Nalon, no distrito de Paraíso do Leste. Em outro distrito, Alto Coité, o diamante corria solto e nasciam bebês que mais tarde seriam importantes em Mato Grosso, a exemplo de Louremberg Ribeiro Nunes Rocha, Bento Porto, Gerolino Lopes Aquino, Edivá Pereira Lopes, Amado Oliveira, Alecy Alves, Wanderley de Oliveira e outros.
Assoreado, o rio Poxoréu não tem volume represado suficiente para gerar energia na PCH José Fragelli ao lado da cidade. Engolido pela TV e a internet, o Cine Roma murchou. O implacável relógio biológico levou o farmacêutico Amarílio de Britto e sua fórmula implacável contra a gonorreia que atormentava garimpeiros e as mulheres dos cabarés. Passou.
Passou. O ciclo do diamante passou para extração manual, que movimentava garimpeiros e a economia, e sofre rígido controle ambiental pelo Ibama e o Ministério Público. Ficaram os antigos moradores e parte de sua descendência, pois a filharada descobriu mercado de trabalho nos ex-distritos de Primavera do Leste, Campo Verde, Rondonópolis e Jaciara – e também buscou o ensino superior nessas localidades. Além da população tradicional, também permanece na cidade o coração do missionário italiano Attilio Giordani, que o deixou sob o altar da matriz de São João Batista.
Os que ficaram se divertem no Balneário da Lagoa e anualmente assistem ao Encontro Nacional de Violeiros, que é uma das referências da música instrumental sertaneja no país. A vida segue em paz e sob o olhar vigilante do Instituto Histórico e Geográfico de Poxoréu (IGH) e a União Poxorense de Escritores (UPE) ambas lideradas pelo professor e historiador Gaudêncio Amorim.
Crescimento? Progresso? Modernidade? Não. Poxoréu não sonha tanto assim. Ao seu povo basta sua rica história e seu modo de vida.
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