Médico fala sobre pós-Covid após meses intubado: "É surreal" Esmeraldo Alves ficou seis meses acamado sem conseguir andar; hoje ele convive com sequelas mínimas
“O pós-Covid é uma coisa fora do normal, é surreal. Antes eu era completamente dinâmico, trabalhava de manhã, à tarde, à noite, de vez em quando nos fins de semana. E do dia para noite, você fica totalmente incapacitado. Eu dormi capacitado e acordei incapacitado”.
Este é o relato do clínico geral Esmeraldo Alves Ribeiro, de 50 anos, que por quatro meses ficou entre a vida e a morte internado em uma UTI lutando para vencer a Covid-19. Ele chegou a ficar sem andar, sem falar e sem conseguir comer nos primeiros meses de recuperação.
Hoje, pouco mais de um ano após receber alta, o médico relata que ainda convive com algumas sequelas. No entanto, se sente grato por poder ter ganhado uma nova chance de viver.
Em entrevista ao MidiaNews, Esmeraldo conta que contraiu o vírus em setembro de 2020. À época, havia recém-perdido seu sobrinho e sua mãe para a mesma doença que o deixou acamado por quase nove meses, somando com o tempo de internação e recuperação.
Em momento algum tive medo de morrer, tanto que quando começou a me faltar muito ar e minha saturação caiu eu pedi para ser intubado, falei ‘a única chance que tenho de sobreviver é ser intubado, pelo amor de Deus me intuba
O clínico geral afirma que em sua família houve uma “contaminação em massa” que começou quando seu sobrinho faleceu. Sua mãe, assim como o restante da família, foi até o velório do jovem e foi nesta cerminônia de despedida que a matriarca acabou se infectando.
Esmeraldo relembra que ficou responsável por cuidar da mãe em uma UTI improvisada na residência em que mora com a esposa e a filha de 13 anos. No entanto, a idosa não resistiu às complicações da doença e também faleceu.
Enquanto ainda cuidava da mãe, tanto o médico quanto sua esposa e filha também testaram positivo para a Covid-19. Esmeraldo ainda não sabia, mas naquele momento ele começaria uma batalha pela vida.
Reaprendendo a viver
Assim como em muitos casos de Covid-19, o quadro de saúde do médico evoluiu negativamente muito rápido.
Ao contrário da esposa e da filha, em poucos dias o pulmão de Esmeraldo já começava a apresentar fraqueza. E após uma noite de muita falta de ar e febre, ele, que mora em Nobres, decidiu vir para a Capital em busca da internação.
Uma semana depois de ser internado, o médico conta que ele mesmo pediu pela intubação, pois sentiu que não iria sobreviver se não houvesse essa intervenção.
“Em momento algum tive medo de morrer, tanto que quando começou a me faltar muito ar e minha saturação caiu, eu pedi para ser intubado. Falei: ‘A única chance que tenho de sobreviver é ser intubado, pelo amor de Deus me intuba’”, relembra.
Nos meses em que ficou intubado, Esmeraldo sofreu três paradas cardíacas, um acidente vascular cerebral (AVC), infecção generalizada, seus rins pararam de funcionar e os médicos abriram protocolo de morte cerebral três vezes.
Em uma estatística quase improvável para a medicina, apesar do estado debilitado, o clínico geral conseguiu se recuperar aos poucos e voltou à consciência após quatro meses de incerteza. Segundo ele, a própria equipe médica considerou seu caso um milagre.
Mesmo após a alta, o médico relata que a recuperação ocorreu de forma lenta.
“Eu não andava, não falava, não conseguia pegar um copo d'água. Então o meu pós-Covid foi muito dificultoso”, explica.
“Ficava acamado, com fralda, me alimentando o mínimo. Não conseguia comer porque meu organismo estava totalmente incapacitado”, acrescenta.
Desde o primeiro dia fora da UTI Esmeraldo precisou fazer fisioterapia para recuperar os movimentos, mas ele só voltou a ficar em pé cinco meses depois de sair do hospital e um mês depois deu seus primeiros passos.
Enquanto se recuperava, Esmeraldo sofreu com a perda de sua irmã, também vítima do vírus, mas conta que usou sua fé para superar a tristeza para, aos poucos, voltar a viver.
Arquivo Pessoal
Ele segue fazendo fisioterapia diariamente
Sequelas e rotina
Atualmente Esmeraldo ainda precisa fazer fisioterapia diariamente mesmo já tendo recuperado quase todos os movimentos. Ele afirma que o único incômodo que sente é na mão esquerda.
O médico também pratica musculação e hidroginástica diariamente para fortalecer os músculos, que ficaram atrofiados em razão do período sem locomoção.
O pulmão, que chegou a ficar totalmente comprometido, hoje carrega lesões cicatrizadas e não dificulta em nada na execução das atividades diárias, segundo o médico. Assim como a parte neurológica, que não foi afetada.
Graças a sua recuperação, Esmeraldo pôde, aos poucos, voltar para sua rotina de trabalho e hoje já consegue atender em três empregos. Sua realidade, que parecia improvável nos meses de internação, refletiu a confiança que ele sentia de que tudo iria terminar bem.
“O sentimento que tenho é de extrema gratidão. Gratidão a Deus, a Nossa Senhora, aos médicos que mostraram que eles não desistem de ninguém dentro de uma UTI”.
Mesmo com todas as dificuldades e perdas dolorosas, Esmeraldo diz levar a vida de forma leve. Apesar de não ter o sobrinho, a mãe e a irmã para acompanhá-lo nessa jornada, ele consegue conviver com a saudade respeitando que eles viveram o tempo que eram destinados.
“Se eu falar que não sinto saudade todos os dias dos meus entes queridos que partiram, vou estar sendo muito mentiroso. Mas é uma saudade gostosa, não é uma saudade de perda”, afirma.
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