Casos de crianças desaparecidas aumentam 14,81% durante pandemia em MT Segundo especialistas, sumiço pode estar atrelado ao fortalecimento do tráfico de pessoas, adoção ilegal, exploração sexual e até venda de órgãos.
O número de casos em investigação de crianças desaparecidas no estado aumentou 14,81% em 2021 quando comparado com 2020, de acordo com dados da Polícia Civil obtidos pelo g1 por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI). Segundo especialistas, as crianças e adolescentes se tornam alvos fáceis com o agravamento da situação econômica e da violência em casa. Em busca de uma saída rápida, eles acabam indo para o tráfico de pessoas. Esse cenário se agravou durante a pandemia.
A maioria dos casos abertos são no interior do estado, como em Cáceres, Rondonópolis, Barra do Garças, Nova Canãa do Norte, entre outros municípios. Apenas em 2020, há quatro crianças de 1 ano de idade entre as desaparecidas e outras duas com somente alguns meses de vida. Essa faixa etária se repete em 2021 com idades que variam entre 1 e 14 anos.
Segundo dados da polícia, existem 23 casos atípicos em investigação. São situações em que as autoridades policiais ainda não conseguiram tipificar um crime. Ou seja, falta informações para corroborar e avançar com a investigação para se transformar em um ato penal, o que contribui para que os casos continuem parados.
Nos últimos três anos, os casos em investigação tiveram uma variação significativa. Em 2019, foram 80 procedimentos instaurados. Em 2020, foram 81, o que representa um aumento sensível de 1,25%. Já em 2021, os casos saltaram para 93, o que significa um aumento de 14,81%.
Neste ano, foram instaurados 37 casos. Nem todos são episódios novos. Muitos são continuados de um ano para outro.
Em relação aos casos que foram concluídos, o cenário é um pouco diferente. Em 2019, foram 17; em 2020, foram 11, apresentando uma queda de 35,29% devido à pandemia. Já em 2021, o número de casos finalizados foram para 66, com 500% de crescimento.
Nem todos os casos, no entanto, foram concluídos de forma satisfatória. Ou seja, não são todos em que as crianças foram encontradas, como é o caso do garoto Samuel Victor da Silva Gomes Carvalho. A investigação sobre ele aparece como concluída. Contudo, a família ainda não o encontrou e segue a procura dele.
Onde eles estão?
Apesar de não haver dados oficiais precisos acerca do tráfico de pessoas relacionados ao desaparecimento de crianças e adolescentes, os especialistas ouvidos pelo g1 afirmaram que nenhuma das vítimas desaparece, de fato. Eles sempre estão em algum lugar e a percepção geral é de que estejam sendo levadas para alimentar esse mercado ilegal.
Para o especialista em Segurança Pública e cientista social, Rodrigues Schneider de Amorim Souza, esse cenário apresenta diferentes desafios de alta complexidade em todo o país.
"A maior incidência sobre o desaparecimento de crianças e adolescentes é, justamente, para girar o mercado de tráfico de pessoas. Essas crianças e adolescentes são sequestradas para diversos fins, dentre eles, tem a exploração sexual infantil, a adoção ilegal, a mendicância, o trabalho escravo e até a venda de órgãos", contou.
O que leva os jovens a saírem de casa, em alguns casos, pode ser a violência sofrida dentro de casa. Segundo ele, essa situação social cresce à margem da sociedade porque não se fala no assunto.
"A violência nos lares ainda é pouco discutido na esfera pública e isso acaba sendo silenciado pelos familiares. É fato que a esmagadora porcentagem de abusos infantis são cometidos em casa, por parentes ou conhecidos", disse.
Além disso, outro agravante no bojo desse cenário se deve a maneira como os pais ou responsáveis lidam com a situação. Segundo Rodrigues, ninguém está preparado para ver seu filho sumir. Porém, existem mecanismos de auxílio que podem contribuir para enfrentar esse momento de dor e desespero.
"Os pais, em geral, não sabem agir quando seus filhos ou filhas desaparecem. São raras ou inexistentes as campanhas públicas que abordem o tema em suas diferentes complexidades. A falta de informação sobre como abordar o assunto ainda é algo preocupante e pouco comentada", afirmou.
Para a juíza e representante do Comitê Estadual de Prevenção e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (Cetrap), Renata do Carmo Evaristo Parreira, os principais alvos para o tráfico são crianças e adolescentes no interior do estado e que estejam passando por dificuldades socioeconômicas.
"O número de pessoas traficadas aumentou em razão da situação econômica e da vulnerabilidade no país, especialmente em Mato Grosso com diversos casos de tráfico de adolescentes voltada a exploração sexual e, também, ao trabalho escravo", afirmou.
Para a polícia, os casos no interior são uma incógnita. A maioria das investigações em aberto são em lugares afastados, em zona rural e com pouca informação a respeito da vítima e com raras pistas, o que dificulta o trabalho policial. Já na capital e em regiões metropolitanas, os casos não enfrentam esses problemas.
Para Renata, o desafio no interior do estado está sendo observado pelo Cetrap com bastante preocupação e cuidado.
"No interior esse número é maior e isso ainda está em observação. Tudo relacionado a vulnerabilidade e situação econômica. Principalmente aos adolescentes com promessas de ganhar dinheiro e uma ilusão de melhorar a situação financeira. No interior isso é maior devido à situação financeira deles", contou.
Segundo ela, o melhor remédio para impedir esses crimes é por meio da prevenção, com educação e divulgação nas escolas sobre como ficar atento aos aliciadores e potenciais criminosos. "O melhor caminho é a prevenção", disse.
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