Suscitar na sociedade brasileira a discussão sobre a questão da qualidade da formação do médico, além de fazer uma avaliação mais completa da formação médica no Estado de São Paulo, não só individual, mas das escolas também. Esses são os principais objetivos da obrigatoriedade de Exame do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), divulgado nesta terça-feira.
Para o presidente do Cremesp, Renato Azevedo Júnior, que falou em entrevista ao Terra, o que tem acontecido no País nos últimos anos é uma troca da qualidade do ensino pela quantidade de escolas. "Hoje temos 196 escolas de medicina, somos o 2º colocado mundial em número de escolas de medicina, só perdemos para a Índia. São escolas que não têm hospital de ensino, não têm corpo docente em número e qualidade suficiente para ensinar, não têm biblioteca, laboratório, nem cadáver para estudo de anatomia, e não tem garantia de residência médica após a graduação. O resultado disso é que o médico saia com uma formação deficiente". Veja a seguir os principais trechos da entrevista:
Terra - Por que o aluno que fizer a prova e for reprovado vai receber o registro?
Porque não temos uma lei que nos permita negar o registro de um médico que se forma em qualquer faculdade de medicina no Brasil hoje. Diferente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), que tem uma lei federal que permite a ela não dar o registro para quem não passa no exame. Infelizmente ainda não temos essa lei, a gente apoia um projeto que prevê a realização do exame de forma obrigatória e que o estudante que for reprovado volte à faculdade e fique mais um ano em estágio para fazer o exame novamente. A obrigatoriedade que o conselho de medicina de São Paulo está exigindo é o comparecimento e a realização da prova, aí o recém-formado receberá um documento do conselho, que será um dos exigidos para ele obter o registro médico.
Terra - O principal objetivo de fazer prova já que não existe obrigatoriedade da aprovação?
O primeiro objetivo é fazermos avaliação do ensino médico. É termos uma avaliação mais completa da formação no Estado, não só individual, mas das escolas também. O resultado será fornecido de maneira confidencial. Será feito um consolidado do exame, que será fornecido para cada escola. Essa informação também vai para o Ministério da Educação (MEC).
Também queremos suscitar a discussão sobre a questão da qualidade da formação do médico. O que tem acontecido no Brasil nos últimos anos é uma troca da qualidade do ensino pela quantidade de escolas de medicina. Hoje temos 196 escolas, somos o 2º colocado mundial, só perdemos para a Índia.
O nosso exame, que é voluntário e com questões básicas em medicina, tem demonstrado isso, já que 50% dos estudantes não conseguem aprovação. O problema de você ser atendido por um médico mal formado é um risco para a vida. E, paralelamente, a essa abertura indiscriminada de escolas médicas autorizadas pelo MEC. O Cremesp é um órgão público, que tem como objetivo zelar pelo bom exercício da medicina. Hoje, o médico sai mal formado de uma faculdade qualquer e já ganha o registro. Não dá mais para continuar assim.
Terra - O anúncio do MEC da criação de 2,4 mil vagas de cursos de medicina vai de encontro ao Cremesp?
Com isso eu pergunto: qual hospital escola eles vão estudar? Tem corpo docente em número e em qualidade suficiente para atender a esses alunos? Eles têm garantia de vaga na residência médica? Não tem. Hoje temos vaga na residência médica apenas para metade dos alunos que se formam como você vai aumentar o número sem essa garantia?
Terra - O cenário de despreparo nas escolas de medicina seria uma tendência nacional?
Tem sido no Brasil inteiro. Em São Paulo vamos alcançar o número absurdo de 36 faculdades de medicina. Tem cidades médias do interior paulista que tem três faculdades de medicina na mesma cidade. Não se consegue formar médico assim, a má formação é uma consequência imediata. E o mais espantoso é que a maioria das faculdades é privada, que cobram de R$ 4 a R$ 5 mil por mês dos estudantes. O estudante está sendo enganado, pois ele está pagando uma mensalidade caríssima para receber uma educação pífia. Para chegar ao fim, no 5º ou 6º ano do curso, e a faculdade falar que ele vai ter que arrumar um estágio em um hospital. Não é séria uma coisa dessas.
Terra - Em sua opinião, quais seriam as alternativas para melhorar o ensino da medicina, além do exame obrigatório?
Essa é uma função, uma obrigação e um dever do MEC, junto com o Ministério da Saúde. O aparelho formador é obrigação do ministério, eles têm todas as informações sobre a má qualidade do ensino médico no Brasil, muito mais do que a gente tem. Inúmeras faculdades deveriam ser fechadas porque não tem a menor condição de ensinar medicina para ninguém. Mas o MEC não fecha e, pelo contrário, autoriza a abertura de cada vez mais cursos, pressionado pelas escolas privadas, prefeitos que tem interesse de abrir faculdade de medicina em sua cidade, e em detrimento da qualidade da formação do médico.
Terra - A ideia é que a prova se tornasse como um exame da OAB?
A gente defende aqui em São Paulo que seja aprovada uma lei no Congresso Nacional para que se estabeleça o exame de habilitação do recém-formado em medicina. E aquele que não conseguir aprovação no exame, volta para a faculdade e fica mais um ano aprendendo e estudando, e depois se submete ao exame novamente.
Comentários