Professora de 27 anos relata experiência da transição de gênero Ariana Cecília da Silva vem de família conservadora e enfrentou muitas barreiras
Nossa imagem refletida no espelho traduz ao mundo nosso estilo, personalidade e, acima de tudo, nossa identidade. Há menos de um ano, a professora Ariana Cecília da Silva deu início ao processo que a faria finalmente se reconhecer ao se olhar nele - a transição de gênero.
Vinda de uma família conservadora e religiosa, Ariana viveu a maior parte da vida não se identificando com o próprio corpo. “Por dentro eu sabia que preferia ter nascido menina, e isso ia de encontro com o fato de não aceitar ter nascido dessa forma”.
O caminho que trilhou ao longo desses 27 anos foi cheio de altos e baixos. O primeiro deles veio ao se assumiu gay para família, que desde o começo não a apoiou. “Foi um processo muito difícil, quebrar esse paradigma, sair da igreja evangélica e me identificar como gay”, afirmou.
Um tempo depois a arte drag entrou em sua vida e ela se tornou uma válvula de escape para extravasar toda a sua feminilidade. “Fui transformista por muito tempo e sempre buscava me assemelhar à figura feminina”.
O estopim para Ariana assumir a sua identidade foi justamente “perder” esse meio de se expressar. “A ficha caiu quando eu parei de ir a festas, parei de me montar”.
Acompanhado disso veio a sua graduação em física, período em que tentou, por mais uma vez, criar uma conexão com o corpo que veio ao mundo. “Eu tentava deixar a barba crescer, tentava fazer postura de menino e não dava certo, me sentia mal”.
Durante todo esse período de autoconhecimento, Ariana se viu obrigada a adiar sua transição após o fim da graduação. Ela temia o preconceito das pessoas e a dificuldade em se colocar no mercado de trabalho com a nova imagem ainda em construção.
Ultrapassando as próprias barreiras, Ariana deu início ao processo de transição em dezembro de 2021 e, de lá para cá, vem fazendo as pazes com a própria imagem. “Foi muito libertador pra mim”.
Bancando a decisão
Para Ariana esse foi um processo muito difícil desde o início, não só pelas próprias questões, mas por situações externas a ela.
Arquivo pessoal
Atualmente Ariana é mestranda em Física
“Apoio da família eu não tive, ainda não tenho. Mas para ser sincera não me importo. O importante era que eles soubessem quem eu sou, quem quero ser e aonde quero chegar”.
Até hoje a família tenta convencê-la a abandonar a identidade que tanto tardou em conquistar.
“Minha mãe não me aceita como mulher trans, não me chama pelo meu nome social, ela me chama pelo meu nome de registro, ela enfatiza o gênero masculino: ‘meu filho’, ‘meu amado’, ‘meu príncipe’. Só tenho o apoio dos meus amigos”.
Dentro do consultório médico de um endocrinologista, lugar em que deveria encontrar acolhimento e instrução, Ariana se deparou com desinformação e preconceito.
“Foi extremamente antiprofissional, ele disse que o meu cabelo ia cair, que minha pele ia ressecar, perguntou pra quê eu estava procurando aquilo agora. Eu entrei em desespero, chorei, era o meu sonho e aí estava a primeira barreira, eu não sabia o que ia acontecer”.
O processo dela poderia ter tido fim antes mesmo de começar, mas Ariana persistiu no sonho, encontrou novos profissionais e vem tornando-o realidade.
Para além da sala de aula
Ariana é professora do ensino fundamental e médio em uma escola da Capital, desde o começo do ano. Ela conta que não é comum enfrentar problemas por causa da sua identidade, mas que isso já aconteceu.
“Sofri preconceito de alunos por ser mulher trans, pela curiosidade eles faziam perguntas, me ditaram como uma mulher de tromba, houve termos muito pejorativos. Mas tive uma conversa com eles e acredito que tenha esclarecido algumas dúvidas”.
Como profissional Ariana acredita que há uma deturpação envolta da temática, mas que a sua discussão é fundamental, uma vez que os alunos têm acesso fácil a qualquer tipo de informação na palma da mão.
“Acho muito pertinente a escola abordar sobre sexualidade e gênero. Não sei porque dessa resistência em falar sobre o assunto mesmo sabendo que o aluno está imerso a informações muito espontâneas”.
Ariana ainda relata outros desafios da vida em sociedade, segundo ela, acentuados diante de um estereotipo de uma mulher trans, na qual ela não se encaixa, fazendo com que muitos não a reconheçam como tal.
“Corpão, peitão, bundão. Quando você não entra dentro do padrão estereotipado você acaba sofrendo comparações, e quando a gente se olha no espelho acaba se entristecendo por não estar nesse padrão”.
“Ainda sofro bastante preconceito nos lugares, tenho vergonha de usar o sanitário feminino no shopping, mesmo que me indiquem, eu ainda fico meio receosa”.
Apesar de toda e qualquer dificuldade, crítica ou comparação, Ariana garante: “Internamente está sendo algo maravilhoso”.
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