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Agronegócios
Terça - 13 de Dezembro de 2022 às 13:29
Por: Eduardo Gomes/Diário de Cuiabá

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Com a soja, a agricultura deu um salto que, em 40 anos, chegaria a uma sólida economia, criaria nova configuração social com a miscigenação e mudança de hábitos
Com a soja, a agricultura deu um salto que, em 40 anos, chegaria a uma sólida economia, criaria nova configuração social com a miscigenação e mudança de hábitos

Casamento que aparentemente tinha tudo para dar errado, mas que resultou em um final feliz.

Assim foi a união de pequenos produtores rurais sulistas descapitalizados com o cerrado mato-grossense, com valor quase zero no mercado imobiliário.

Esse casamento começou em 1973, para o cultivo da então estranha leguminosa chinesa Glycine max, que todos conhecemos por soja, que ganhou escala de produção em 1977 e, lentamente, avançou até 1982, quando a mão salvadora do programa federal Plante que o João garante criou condições para que a agricultura desse o salto que, em 40 anos, chegaria a uma sólida economia, criaria nova configuração social com a miscigenação e mudança de hábitos, faria surgir cidades da noite para o dia e obrigaria Mato Grosso correr atrás da matriz de transporte ferroviário e que em sua cadeia produtiva teria povos indígenas.

O cultivo começou em 1973 na Fazenda São Carlos, de Adão Mariano Salles Riograndino, em Rondonópolis.

O avanço nos primeiros anos foi lento por uma série de fatores, mas mesmo assim as lavouras, tímidas, se espalharam para Jaciara, Itiquira, Guiratinga, Pedra Preta e Alto Garças, pela dedicação dos ex-pequenos produtores rurais sulistas aos quais se juntaram empresários rurais.

Adão Salles nasceu no Rio Grande do Sul e, antes de Mato Grosso, foi comerciante no Paraná.

A lavoura de soja foi o meio que encontrou para arrancar no cerrado o sustento em sua área de 10 mil hectares.

Reprodução

Soja - CBT

A máquina de ponta para o produtor era o trator CBT-1090, que a irreverência pecuária chamava de onça amarela ‘comedeira’ de bezerros

Por sorte, além dele, outros sulistas chegaram à região dispostos a cultivar.

Assim, começou a trajetória da leguminosa que faria a maior revolução no campo brasileiro e botaria Mato Grosso no topo da pirâmide da política de segurança alimentar mundial.

O cultivo desafiava. A máquina de ponta para o produtor era o trator CBT-1090, que a irreverência pecuária chamava de onça amarela ‘comedeira’ de bezerros – em alusão à sua cor e extravasando pessimismo.

A indústria do calcário não passava de projeto. Não havia armazéns graneleiros fora da acanhada rede formada pela Cibrazem e a Conab, o que levava à estocagem a céu aberto.

O mercado da soja era tão estranho para Mato Grosso quanto bateria de escola de samba para os chineses, que são seus grandes importadores.

No passo a passo a soja da expansão da lavoura a soja abriu caminho a outras atividades em sua cadeia produtiva.

Os empresários João Alberto Belmonte Aigner e Dilson Cardozo instalaram em Rondonópolis a Somai, concessionária CBT e durante anos foram premiados com o título de maior revenda nacional da marca.

Quem participou do pioneirismo da soja gostou. Mas, faltava impulso para a lavoura avançar, e isso aconteceu num dos divisores da continuidade ou não do cultivo.

O Governo Federal lançou o programa Plante que o João garante e o governador Frederico Campos praticamente deslocou para Rondonópolis o secretário de Agricultura, Rômulo Vandoni, com a missão de fomentar a atividade, e, mais tarde, o agrônomo Hortêncio Paro, da Acarmat, que foi substituída pela Emater e mais tarde pela Empaer.

O programa abriu o cofre do Banco do Brasil aos produtores.

Alguns usaram o financiamento para outros fins e quebraram, mas os que o aplicaram na lavoura se deram bem.

Não é exagero dizer que o programa foi um divisor para o prosseguimento ou fim da lavoura.

Antes dele, na região de Rondonópolis onde as lavouras se concentravam, produtores descapitalizados eram obrigados a bater à porta do comércio pedindo fiado.

Divulgação

Soja - Norma Rampeloto

Sojicultora em Rondonópolis, Norma Rampelotto Gatto, foi eleita pela Forbes uma das 100 mulheres mais poderosas do agro

O pagamento ficava condicionado à venda da safra num mar de incertezas.

Praticamente todos os sojicultores eram sulistas, estranhos para os comerciantes, que não estavam acostumados a esse tipo de clientela, já que vendiam recebendo em diamantes, de garimpeiros de Poxoréu e do Vale do Garças, ou à vista para abastados pecuaristas do Vale do Jurigue, em Pedra Preta.

Distante de Rondonópolis não havia lavouras de soja e naquela região o sojicultor ficou mal visto.

A tradição não permitia que alguém que dependesse de fiado esnobasse em camionete de luxo.

Porém, o programa criado pelo ministro Delfim Netto e que cultuava a personalidade do presidente João Figueiredo mudou o relacionamento entre as partes, pois a dinheirama do financiamento destinava parte para o custeio.

Assim, em 1982, aconteceu o impulso no campo. Com relação a 1982 o sojicultor pode dizer que Deus é brasileiro, nasceu em Mato Grosso e cultiva soja.

Por quê? Ora, aquele foi um ano excepcional.

As lavouras ocupavam 194 mil hectares espremidos por bois e a renitência da especulação imobiliária que mantinha grandes áreas à espera da disparada do preço do hectare da terra nua.

A safra foi de 365,7 mil/t e a produtividade chegou a 1.881 kg/ha. Esse desempenho era pequeno no plano nacional dominado por gaúchos e paranaenses, mas a economia mato-grossense vislumbrava na soja sua estrutura basilar.

A partir de 1982 a soja avançou Mato Grosso afora e na maioria dos lugares não foi fator de miscigenação nem de mudança cultural, pois chegou no vazio demográfico deixando suas digitais na construção de cidades, algumas muito importantes.

Em 1982 havia apenas 54 das 141 cidades mato-grossenses, e a soja foi decisiva para a criação e emancipação de 87 municípios incluindo Sorriso - campeão na sua produção -, Lucas do Rio Verde, Nova Mutum Primavera do Leste, Campo Verde, Querência, Comodoro, Santa Rita do Trivelato, Nova Ubiratã, Sapezal, Campo Novo do Parecis, Campos de Júlio, Alto Taquari, Ipiranga do Norte, Tapurah, Vera e Santa Carmem, que figuram entre os maiores produtores.

Não foram os sulistas da soja que invadiram o rádio. Foram eles que instalaram rádio nas fronteiras agrícolas.

Seus fandangos nos centros de tradições gaúchas (CTGs) recheados com belas prendas nos braços de gaudérios com suas pilchas trazem para o cerrado a paixão gaúcha, a saudade da querência amada.

É assim no CTG Recordando os Pagos, em Sorriso; Sentinela da Tradição, em Lucas do Rio Verde; Aliança da Serra, em Tangará da Serra; Última Fronteira, em Guarantã do Norte; e também no Saudade da Querência, em Rondonópolis, onde tudo começou.

CTG é uma espécie de embaixada gaúcha.

Assim pensa Ari Zandoná, patrão do Coração Gaúcho, em Água Boa, no centro geodésico do Brasil e com forte presença de goianos entre a população, mas que juntamente com os demais habitantes se rendem ao ritmo pampeano, à pompa do Baile da Soja e ao espetáculo da Dança dos Facões que as invernadas artísticas promovem.

A soja foi determinante para o surgimento de importantes municípios.

O empresário gaúcho André Antônio Maggi criou Sapezal, no Chapadão do Parecis; Otávio Eckert, também gaúcho, fundou Campo Verde, no polo de Rondonópolis; Claudino Francio, catarinense, colonizou Sorriso, o maior município agrícola do mundo; Valdir Massuti implantou Campos de Júlio; Ipiranga do Norte nasceu de um projeto de reforma agrária do Incra, em 15 de março de 1995, e mesmo com mosaico fundiário de pequenas propriedades é um dos maiores produtores da leguminosa no Brasil; e o paulista José Aparecido Ribeiro instalou Nova Mutum.

Não creditem o desenvolvimento exclusivamente a ela.

Também em 1982 quando da expansão, entrou em cena a indústria sucroalcooleira. Graças aos financiamentos pelo Programa Brasileiro do Álcool (Proálcool) Mato Grosso passou a destilar álcool, agora rebatizado etanol, e a produzir açúcar por suas modernas destilarias Itamarati e Barralcool, respectivamente em Nova Olímpia e Barra do Bugres; a primeira sob a bandeira das empresas de Olacyr de Moraes, e a outra pelas mãos de empresários locais liderados por João Petroni.

Naquele ano, trabalhadores boias-frias de Alagoas, Maranhão e outros estados chegaram para o corte da cana que começaria no alvorecer do Ano-Novo. Uma década depois a safra dos canaviais foi totalmente mecanizada.

A indústria sucroalcooleira produziu na safra que chega ao fim, 1.905.618 m³ de álcool sendo 1.174.352 m³ de anidro e 731.267 m³ de hidratado, além de açúcar e da geração de energia.

O casamento permaneceu sempre em lua de mel apesar das inevitáveis crises conjugais, ora em busca de rolagem de dívida, ora pela ferrugem asiática, ora por crises internacionais e até por risco de invasão por sem terra, mas essa união sempre foi favorecida por bons ventos.

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Soja - Hortêncio Paro

O agrônomo Hortêncio Paro, da Acarmat (depois, Emater), ajudou a fomentar a atividade, no programa Plante que o João garante

Em Rondonópolis, os sojicultores criaram a Fundação de Amparo à Pesquisa Agropecuária em Mato Grosso (Fundação MT) e a Associação dos Produtores de Sementes (Aprosmat).

Em 1990, na Fazenda Itamarati, de Olacyr de Moraes, foi lançada a cultivar de algodão Ita 90, que revolucionou a cotonicultura no cerrado e foi decisiva para Mato Grosso assumir a liderança nacional na produção de plumas e assegurar que para cada 100 toneladas de plumas brasileiras 70 sejam colhidas em lavouras mato-grossenses.

Surgiram entidades segmentadas de classe como a Ampa e a Aprosoja.

Paralelamente a isso o trem apitou em Alto Taquari, Alto Araguaia e Rondonópolis criando uma rota segura para o escoamento de commodities para o porto de Santos.

Além disso, estão em obras duas ferrovias: a estadual Vicente Vuolo ligando Rondonópolis e Cuiabá, Nova Mutum e Lucas do Rio Verde, e a Ferrovia de Integração Centro-Oeste (Fico) entre Mara Rosa (GO) e Água Boa.

Referência mundial na agricultura tropical, a Fundação MT é considerada um dos sustentáculos da ciência agronômica.

Com uma equipe polivalente de pesquisadores, a entidade oferece pronta resposta aos desafios do campo.

Seu ex-superintendente, Dario Hiromoto, que perdeu a vida num afogamento, prestou relevantes serviços ao agronegócio.

No começo dos anos 1990 a soja mato-grossense ficou na mira dos que se opunham ao seu cultivo. Foi um período complicado.

A Aprosmat lutava em duas frentes: uma, para barrar a entrada no Brasil da soja Maradona, transgênica, contrabandeada da Argentina, e que levava esse nome em ironia ao jogador Diego Armando Maradona.

Críticos diziam que ela continha droga – daí o nome Maradona; e além dessa luta, a entidade tentava por todos os meios retirar a semente de soja de bolsa branca do mercado.

Quem liderava esse enfrentamento era Edeon Vaz Ferreira, que presidia a Aprosmat.

A voz mais forte e com repercussão internacional contra a soja transgênica era a do bispo Dom Pedro Casaldáliga, da Prelazia de São Félix do Araguaia, secundado pela comunidade acadêmica da Universidade Federal de Mato Grosso.

Porém, em outubro de 1998, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) autorizou o cultivo da soja transgênica tolerante ao glifosato e botou fim à discussão sobre o tema, para alívio dos sojicultores.

Pacificada a produção, Mato Grosso tratou de ganhar autossuficiente em todos os elos da cadeia da soja.

A produção de semente além de abastecer à demanda interna, ainda responde por boa parte das lavouras nos polos do agronegócio em outros estados.

Os principais polos se situam na Serra da Petrovina com altitude média de 600 metros, num triângulo territorial formado por Alto Garças, Itiquira e Pedra Preta.

A explosão era inevitável e nem mesmo a moratória da soja firmada pela Abiove e a Anec com as ongs Conservação Internacional, Greenpeace, IPAM, Imaflora, TNC e WWF-Brasil, pela qual as duas entidades se comprometeram em não comprar soja em área desmatada após 24 de julho de 2006, impediu que a lavoura se expandisse e chegasse a 10,9 milhões/ha.

Naquele ano, a safra mato-grossense foi de 15,5 milhões/t e neste 2022 a lavoura resultou em 39,96 milhões/t.

Moratória à parte. Mato Grosso pratica a agricultura mais tecnificada do mundo há algum tempo.

O cultivo é feito em plantio direto, com rotação de cultura, o que assegura duas safras cheias anualmente.

O rigor ambiental que antes causava urticária ao segmento cedeu lugar ao engajamento em defesa do meio ambiente por parte da segunda geração de sojicultores, que chegou ao campo com o DNA da produção balizado pelo conhecimento científico e o saber acadêmico – essa sucessão familiar começou no final dos anos 1990 e era chamada pelo então presidente da Famato, Homero Pereira, de “reforma agrária de travesseiro”.

Soja assim na terra como nos céus. Assim pensam os pilotos da aviação aeroagrícola, nacionalmente dominada por Mato Grosso.

Segundo o Sindicato das Empresas de Aviação Agrícolas (Sindag), o Brasil tem a segunda maior frota do mundo, com 2.432 aviões e 600 pertencem a propriedades rurais ou empresas mato-grossenses.

Em 19 de abril de 2005, na Agrishow Cerrado, em Rondonópolis, a indústria de aviação Neiva lançou o primeiro avião do mundo movido a etanol, o Ipanema de 6 cilindros.

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Soja - embarque

O terminal ferroviário da Rumo Logística, em Rondonópolis, embarcou 22 milhões de toneladas agrícolas para o porto de Santos (SP), em 2021

Na solenidade, pilotos mato-grossenses revelaram que bem antes, em hangares de fundo de quintal, mecânicos convertiam o motor a gasolina do Ipanema ao álcool. Após superar percalços a soja é cultivada com leveza.

Sojicultora em Rondonópolis, Norma Rampelotto Gatto, mesmo em centro de beleza, atende o celular com naturalidade para discutir cotação na Bolsa de Chicago.

É a naturalidade agrícola de Norma, que no ano passado foi eleita pela Forbes uma das 100 mulheres mais poderosas do agro.

Agricultura forte precisa de mercado sólido. Isso não falta, pois a venda da soja é feita às trades Cargill, ADM, Bunge, Louis Dreyfus e Amaggi, que é o maior grupo empresarial mato-grossense.

E mercado é o que não falta para a produção. No ano passado, Mato Grosso exportou US$ 21,53 bi (FOB) e importou US$ 3,11 bi registrando superávit de US$ 18,23 bi.

O complexo soja respondeu por 48% da receita exportadora. China, com US$ 7 bi; Espanha, com US$ 1,26 bi; Tailândia, com US$ 1 bi foram os principais destinos.

O terminal ferroviário da Rumo Logística em Rondonópolis embarcou 22 milhões de toneladas agrícolas para o porto de Santos em 2021 e aquele município lidera a balança comercial mato-grossense.

Na última safra da soja Mato Grosso cultivou 10,4 milhões de hectares, produziu 39,961 milhões de toneladas com produtividade de 3.663 kg/ha.

Não há mercado doméstico nem nacional para tamanha produção.

O caminho natural é exportar, o que é estimulado pela Lei Kandir, em vigor desde 1996, e que desonera as commodities para vendas externas.

Em meio a essa produção, um importante parque agroindustrial opera em Rondonópolis, Lucas do Rio Verde, Sorriso, Nova Mutum, Tangará da Serra e outras cidades, sendo que Rondonópolis é o segundo maior polo de esmagamento de soja do Brasil.





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