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Segunda - 27 de Fevereiro de 2023 às 12:12
Por: Eduardo Gomes/Diário de Cuiabá

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Equipe do Corpo Bombeiros, em combate a incêndio no Pantanal de Mato Grosso
Equipe do Corpo Bombeiros, em combate a incêndio no Pantanal de Mato Grosso

Mato Grosso tem o maior número de pistas de pouso clandestinas na Amazônia, segundo o MapBiomas, que mapeou 1.062 num universo de 2.869 na região.

De clandestinidade em aviação executiva, o Estado entende, pois, nos seus 141 municípios, 100 operam pistas sem homologação pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).

Essa anomalia não ofusca o papel relevante das aeronaves em parte de sua colonização, nos anos 1970 e 80, e no Ciclo do Ouro no Nortão, que se arrastou de 1976 a 1992.

A química social do aviador solitário ao manche criou figuras lendárias e abriu espaço para o culto ao avião.

A população mato-grossense fortemente identificada com pilotos, aviões e com proezas nos ares, não entende a existência de centenas de pontos para pousos e decolagens clandestinos abertos nas clareiras das matas e apontados na publicação, e por via das dúvidas fica ao lado dos loucos da aviação aeroagrícola que voam a poucos metros das cabeças daqueles que no solo os observam pulverizando lavouras ao estridente som do nhaaaam... nhaaam... nhaaam; e daqueles cavalheiros vestindo impecáveis camisas sociais brancas, com berimbelas amarelas sobre os ombros, usando gravata, calça preta, sapatos brilhantes, relógio militar, sempre com sorriso vitorioso e a postos para mais uma decolagem.

Secom - MT

Avião - Ipanema

Apresentação do Ipanema a etanol ao então governador Blairo Maggi

Com 1.297 aeronaves da aviação executiva e 600 aviões agrícolas a frota aérea mato-grossense é pequena para tantas opções de pouso, que juntas somam 1.790, levando em conta os números do MapBiomas.

Portanto, todos a bordo em céu de brigadeiro com as bênçãos da padroeira da categoria, Nossa Senhora de Loreto, mas condicionando a crença nos números ao princípio de São Tomé, de ver para crer.

O MapBiomas é o braço estatístico de uma coalizão colaborativa de ongs, universidades e empresas de tecnologia organizadas por biomas.

Na divulgação sobre pistas clandestinas no tocante a Mato Grosso a entidade citou que 804 estão em áreas protegidas, 320 em territórios indígenas e 498 em unidades de conservação.

O material divulgado por MapBiomas está associado ao uso do avião para retirada de ouro do garimpo, tendo como referência a Terra Indígena Yanomami, em Roraima e na Venezuela, distante de Mato Grosso, e não faz referência aos dois pontos nevrálgicos do garimpo ilegal nas áreas indígenas Cinta larga em Juína, Aripuanã e na vizinha Rondônia, onde há garimpos clandestinos de diamante; nem à Terra Indígena Sararé, dos Nambikwara, em Pontes e Lacerda e região, onde acontecem invasões por garimpeiros de ouro.

Essas áreas mato-grossense têm facilidade de acesso por rodovias, o que descarta a utilização do transporte aéreo, como é o caso dos yanomamis.

Por serem clandestinas, as pistas relacionadas pelo MapBiomas são estranhas à aviação em Mato Grosso, onde a fiscalização do tráfego aéreo fica concentrada praticamente nos aeroportos Marechal Rondon, de Cuiabá/Várzea Grande; Maestro Marinho Franco, em Rondonópolis; e Presidente João Figueiredo, em Sinop.

A terra Yanomami é um mundo à parte em relação a Mato Grosso, onde o fluxo aéreo é intenso tanto pelas linhas aéreas, quanto pela aviação executiva e os aviões agrícolas.

Isso, no entanto, não pode ser visto como atestado coletivo de ausência de mato-grossenses em Roraima, uma vez que é comum pilotos do Brasil inteiro voarem garimpo – como se diz no jargão da categoria.

As rotas comerciais ainda estão distantes de praticamente todos os municípios mato-grossenses, mas o Aeroporto Marechal Rondon, por sua localização na região central do país é importante polo redistribuidor de voos e sua capacidade de embarque anual é de 5,7 milhões de passageiros – números de 2018 mostram que naquele ano 3,06 milhões de passageiros passaram por seus terminais e que 48.406 aeronaves operaram em sua pista. O segundo maior acidente aéreo brasileiro aconteceu em Mato Grosso.

Em 29 de setembro de 2006, no município de Peixoto de Azevedo, um choque a 37 mil pés de altura entre um Boeing-737 da Gol Linhas Aéreas e um jato executivo Legacy 600 da companhia norte-americana Excel Aire matou os 154 ocupantes do primeiro avião, cujos destroços caíram sobre a Terra Indígena Capoto/Jarina, que é liderada pelo cacique Raoni Metuktire.

Os tripulantes e passageiros do Legacy não sofreram ferimentos.

Diário de Cuiabá

Avião - Baú

O comandante Baú ganhou esse apelido do prefixo de seu avião

O Boeing fazia a rota Manaus-Brasília, e o Legacy, de São José dos Campos (SP) para Manaus pilotado pelos americanos Joseph Lepore e Jean Paul Paladino.

A aviação executiva mato-grossense é a segunda maior frota brasileira, com 1.297 aeronaves sendo boa parte formada por turboélice; São Paulo tem o maior número, com 3.979 e Minas Gerais ocupa o terceiro lugar com 1.209, segundo o presidente da Associação Brasileira de Aviação Geral (ABAG), Luiz Carlos Corrêa Carvalho.

Uma pane seca em 1949 forçou um pouso na mata às margens do rio São Lourenço.

O avião voava de São Paulo para a embrionária Jaciara. O piloto e os dois passageiros saíram ilesos, e um deles era o italiano Nicola Rádica, que chegava para ocupar uma área que comprou do colonizador Antônio Ferreira Sobrinho.

Rádica gostou da região e destinou 20 hectares de sua área para a formação de uma vila à qual deu o nome de São Lourenço.

Mais tarde os moradores deram ao lugar o nome de Centro Nápoles – em homenagem à terra de Rádica – mas a vontade popular mais tarde trocou o nome para São Pedro da Cipa, agora cidade.

A aviação agrícola nacional tem 2.432 aeronaves, revela o consultor Eduardo Cordeiro com números do Registro Aeronáutico Brasileiro (RAB).

Dessa frota, 600 são mato-grossenses, segundo Thiago Magalhães Silva, presidente do Sindicato Nacional das Empresas de Aviação Agrícola (Sindag).

Além do emprego na pulverização, o avião agrícola também é utilizado para combate a incêndios em lavouras, pastagens e áreas sem antropização.

Aeronaves da Polícia Militar, do Corpo de Bombeiros Militar e de agropecuárias e empresas aéreas atuam juntas em todas as regiões.

No grande incêndio que atingiu o Pantanal em 2020 essa atuação conjunta foi importante para impedir que maiores danos fossem causados pelas chamas. Primavera do Leste com mais de 120 aeronaves é o município brasileiro com maior número de aviões agrícolas.

Essa frota, dividida entre empresas especializadas e fazendas, opera naquele e nos vizinhos municípios de Santo Antônio do Leste, Paranatinga, Gaúcha do Norte, General Carneiro, Poxoréu, Campinápolis e Novo São Joaquim.

Em 2005, a Neiva, indústria da Embraer, lançou o avião agrícola Ipanema a etanol, e em 19 de abril daquele ano seu gerente comercial Luiz Fabiano Zaccarelli Cunha foi à Agrishow Cerrado, em Rondonópolis, para entregá-lo a um produtor em Sorriso, que o comprou.

No ato, Zaccarelli Cunha fez uma demonstração técnica da aeronave ao então governador Blairo Maggi.

A frota global mato-grossense opera em 45 pistas públicas urbanas homologadas em 41 cidades, 635 pistas com homologação na zona rural e em 100 pequenos e médios municípios com pistas sem homologação.

Das pistas homologadas poucas são asfaltadas, a exemplo dos aeroportos de Diamantino, Pontes e Lacerda, Cáceres, Matupá e Santa Rita, em Cuiabá; e menos ainda operam noturno, a exemplo de Marechal Rondon em Cuiabá/Várzea Grande; Maestro Marinho Franco, em Rondonópolis; Presidente João Figueiredo, em Sinop; Piloto Osvaldo Marques Dias, em Alta Floresta; Bom Futuro, em Lucas do Rio Verde; Frederico Carlos Müller, em Água Boa; e do Aeroporto Municipal de Barra do Garças.

Dentre as cidades com pistas sem homologação, algumas são consideradas de porte médio.

Nesse grupo, dentre outras estão Guarantã do Norte, Colíder, Barra do Bugres, Peixoto de Azevedo, São José dos Quatro Marcos, Comodoro, Campo Novo do Parecis, Brasnorte, Jaciara, Vila Rica, Sapezal, Tapurah, Mirassol D'Oeste, Alto Araguaia, Marcelândia, Jauru, Poxoréu e Campos de Júlio.

Na fazenda Tucunaré, do grupo Amaggi, ao lado de Sapezal, há uma pista homologada para voos noturnos.

Diário de Cuiabá

Avião - Canarana

Avião da VACA e o busto de Schwantes, na cidade de Canarana, no Nordeste de MT

Em 19 de setembro de 1998, o monomotor Corisco de prefixo PT-NQG perdeu sustentação, caiu e explodiu na cabeceira da pista de Jauru, que não é homologada.

O deputado estadual Jorge Abreu estava em campanha pela reeleição e seguiria daquela cidade para Comodoro.

No acidente, Jorge Abreu morreu e também perderam a vida o comandante João Figueiredo e o político Ronald Borges.

O conteúdo do MapBiomas cita existência de pistas no Parque Indígena do Xingu, onde ongs e missões religiosas utilizam monomotores e bimotores; naquela área há pistas muito antigas, e inclusive uma, no município de Canarana, construída pelo Correio Aéreo Nacional (CAN), para servir de suporte à rota Rio de Janeiro-Belém foi desativada, e nela realiza-se anualmente a cerimônia do Kuarup.

A aviação criou lendas e mitos em Mato Grosso. Em 1966 o governador Pedro Pedrossian nomeou o piloto civil Amauri Furquim prefeito de Aripuanã, município que buscava uma sede e cuja prefeitura funcionava em Cuiabá.

Furquim conhecia a região e definiu a área para a construção da cidade. Sua memória é duplamente reverenciada em Aripuanã: o aeroporto municipal recebeu o nome de Amauri Furquim, e a principal rua de acesso a ele é a Comandante Amauri Furquim.

Em 1973, o comandante José Antônio de Almeida fez uma escala de pernoite com seu Cessna 172, de prefixo BAU, em São Félix do Araguaia, quando voava de Minas Gerais com destino a garimpos no Pará.

Almeida gostou do lugar e ficou para sempre, a sabedoria popular deu-lhe o apelido de Baú – em alusão ao prefixo de sua aeronave e, por duas, vezes foi prefeito daquele município no Vale do Araguaia.

Piloto agrícola, Nelson Paim instalou uma empresa aeroagrícola em Primavera do Leste e presidiu o Sindag.

Primavera pertenceu a Poxoréu, onde Paim é prefeito no cumprimento do segundo mandato consecutivo.

No começo dos anos 1970, o pastor luterano Norberto Schwantes iniciou a colonização de parte do Vale do Araguaia e, de uma área no eixo da BR-163, no Nortão.

Para transportar colonos gaúchos aos seus projetos, Schwantes criou a Viação Aérea Canarana (VACA), cuja aeronave principal era um bimotor DC-3, que voou para os Aliados na Segunda Guerra Mundial.

Essa aeronave foi aposentada e instalada sobre um pedestal na Praça Sigfreud Roewer, mais conhecida como Praça do Avião, em Canarana.

Os gêmeos Wilson Clever Lima e William José Lima, donos do bimotor C-47 de prefixo PT-KVA e seus comandantes, que na proeza de seus pousos e decolagens, em situações climáticas muitas vezes adversas, em arremedos de improvisadas pistas ganharam o apelido de Irmãos Metralha, tiraram as mãos do manche e guardaram seus brevês.

Nos anos 1980, cruzando os céus do município sobre o rio Teles Pires e suas matas, o imponente C-47 carregou muito ouro, mas seu transporte mais precioso sempre foi o povo de Alta Floresta.

Os Irmãos Metralha doaram a famosa aeronave ao povo de Alta Floresta e agora sobre um pedestal, ela atesta a magia do Ciclo do Ouro, quando praticamente não havia estradas na região e o transporte aéreo era o pulmão que bombeava ar ao coração econômico e social da cidade, nas famosas pistas de garimpo e por onde mais se possa imaginar.

William agora não mais vê do alto a cidade.

Reconhecido por muitos, caminha pelas ruas entre os moradores do município, onde presidiu o sindicato rural.

Seu irmão Wilson parou de voar na segunda-feira 28 de abril de 2014 quando em Araçatuba (SP) fechou os olhos para sempre, vítima das sequelas de um aneurisma.

Pista de garimpo era a principal referência às áreas de garimpagem do ouro no Nortão e no Pará.

A mais famosa foi a Pista do Cabeça, distante 75 quilômetros de Alta Floresta e que pertencia ao paraibano Eliézio Lopes de Carvalho, o Cabeça, onde, segundo ele, ao longo do Ciclo do Ouro, trabalharam 20 mil garimpeiros.

Avião - comandante

Uma das primeiras mulheres brevetadas no Brasil, a comandante Dagmar Parini, residia na Fazenda Taiamã, no Pantanal,

Uma das primeiras mulheres brevetadas no Brasil, a comandante Dagmar Parini, residia na Fazenda Taiamã, no Pantanal, no começo dos anos 1970.

À noite, após assistir uma sessão no Cine Teatro Ype, em Rondonópolis, voava ao lado do marido e também comandante Giuseppe Parini, para casa, decolando naquela cidade graças aos faróis do táxi que a levava ao aeroporto, e pousava com a pista iluminada por tratores e camionetes da fazenda.

Seu pioneirismo motiva outras mulheres, e em reconhecimento a esse fato, a Câmara de Rondonópolis, por iniciativa do vereador e também piloto Orestes Miraglia, deu ao salão VIP do aeroporto local o nome de Sala Comandante Dagmar Parini.

Fazenda Taiamã pertencia ao magnata da indústria automobilística italiana Giovanni Lancia, ou simplesmente Gianni, cujo sobrenome ocupa lugar de destaque mundial entre as grandes marcas dos esportivos sobre quatro rodas.





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