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Sábado - 13 de Maio de 2023 às 07:20
Por: Eduardo Gomes/Diário de Cuiabá

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Quadro de Victor Meirelles, em que a princesa Dona Isabel entrega a Lei Áurea assinada ao Barão de Cotegipe declarando extinta a escravidão no Brasil
Quadro de Victor Meirelles, em que a princesa Dona Isabel entrega a Lei Áurea assinada ao Barão de Cotegipe declarando extinta a escravidão no Brasil

Isabel do Brasil, Princesa Imperial Regente, assinou a Lei Áurea em 13 de maio de 1888 decretando o fim da escravatura, para desespero de poderosos fazendeiros e industriais que dependiam da mão de obra escrava. Ao assinar o documento, Isabel recebeu o carinhoso tratamento de Redentora. Porém, para que se chegasse ao rompimento dos grilhões houve forte manifestação política aberta e secreta. Na Câmara dos Deputados uma das vozes mais firmes pela libertação foi a do deputado e engenheiro civil poconeano Manoel Esperidião da Costa Marques. Transcorridos 135 anos daquele feito o negro goza dos mesmos direitos concedidos ao branco e aos demais, mas em Mato Grosso, a raça negra teima em não votar em políticos negros. Desconsiderando-se a política, amplamente dominada por brancos, o equilíbrio social inter-racial é bom.


Mato Grosso tem 3,6 milhões de habitantes. Sua população é resultado de permanente processo de miscigenação. Pelas ruas, negros, brancos, indígenas, orientais e europeus convivem em harmonia, mas quando se trata de política, a raça negra é praticamente descartada, muito embora em todos os pleitos haja participação de candidaturas de negros, sendo que alguns assumem a bandeira da igualdade racial e da própria raça.

Considerando-se somente o período no pós-divisão territorial para a criação de Mato Grosso do Sul, em 1979, Mato Grosso não teve governador e vice-governador negro. O secretariado estadual tradicionalmente é composto por brancos.

No Senado, apenas uma cadeira foi ocupada por negro. Valdon Varjão, suplente do senador biônico Gastão Müller o sucedeu em parte do mandato, pelo sistema de rodízio parlamentar. A Câmara dos Deputados é território estranho para negros mato-grossenses.

Na Assembleia Legislativa com 24 cadeiras, somente o deputado Juca do Guaraná é negro. Poucos negros exerceram mandato de deputado estadual, e dentre eles, o destaque foi a Professora Vilma Moreira, que era suplente e ganhou titularidade com a renúncia de Chico Galindo, que em 2008 venceu a eleição para vice-prefeito de Cuiabá. Vilma foi a única deputada estadual mato-grossense negra. Na legislatura anterior, o suplente Henrique Lopes do Sintep chegou ao plenário pelo sistema de rodízio parlamentar.

O prefeito de Juscimeira, Moisés dos Santos; o ex-prefeito de Alto Boa Vista, Mário César Barbosa; e o vereador por Vila Bela da Santíssima Trindade e ex-presidente da União das Câmaras Municipais (UCMMAT), Edclay Coelho, são negros, mas nas prefeituras e câmaras municipais o negro tem pequena presença.

A ex-vice-prefeita de Cuiabá, professora Jacy Proença, negra, é militante da integração inter-racial e defende a participação do negro, em condições de igualdade, em todas as esferas em Mato Grosso.

Fora dos meios políticos o negro foi marginalizado e deixado fora do contexto social, sem excluir a religiosidade. São Benedito, o Santo Negro cultuado por católicos de Cuiabá, não escapou do racismo.

Um dos símbolos de Cuiabá é a Igreja de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito. Construída por volta de 1730 numa elevação à margem esquerda do córrego da Prainha, onde Miguel Sutil descobriu o ouro que motivou a criação da cidade em 8 de abril de 1719.

Para não trombar com a casa-grande, negros não podiam entrar na Igreja do Rosário. No período da escravidão a Santa Sé beijava a mão escravagista e, para não a contrariar, construiu uma capela ao Santo Negro São Benedito bem ao lado da nave daquele templo, para que a comunidade escravizada tivesse um cantinho para sua devoção cristã.

O tempo passou e o catolicismo adotou São Benedito por seu padroeiro informal – pois nem isso a Santa Sé lhe permitiu; o padroeiro da Capital é Bom Jesus de Cuiabá. Anualmente uma grande celebração idiossincrática reverencia São Benedito.

Racismo à parte, mas a Igreja de Nossa Senhora Aparecida, na vila de Estrela do Araguaia, município de São Félix do Araguaia, foi o único templo religioso demolido em Mato Grosso. Isso aconteceu em 12 de dezembro de 2012, quando da desintrusão da Terra Indígena Marãiwatsédé da etnia Xavante. Padroeira do Brasil, Nossa Senhora Aparecida é representada por uma imagem de uma mulher negra.

Fora do ambiente político e dos dois cenários nas igrejas do Rosário e São Benedito, e de Nossa Senhora Aparecida, em Estrela do Araguaia, há perfeita harmonia inter-racial tanto em Cuiabá quanto nos demais municípios.

O maior nome do atletismo mato-grossense é o da corredora Jorilda Sabino, atleta negra, que recebeu da Imprensa nacional o nome de Cinderela Descalça, seguido por sua prima, Nadir Sabino. Justino Astrevo, que dá vida ao personagem Lau, da dupla Nico & Lau, é negro. Dois grandes ídolos do futebol no passado, Pelezinho e Beto Cuiabano, são negros.

Uma das maiores manifestações culturais mato-grossenses é a Dança do Chorado, uma coreografia musicada, dançada e cantada por mulheres descendentes de escravos em Vila Bela da Santíssima Trindade.

Na escravatura, em Vila Bela e nas fazendas da região, mães, tias, irmãs, cunhadas, primas e amigas dos escravos que seriam levados ao suplício descobriram um meio de amenizarem e até mesmo de evitarem a tortura dos seus. Inventaram a Dança do Chorado, que como o nome diz é um bailado permeado de lágrimas. Ao som dos profanos tambores e instrumentos de cordas elas dançavam alucinadamente belas e sedutoras para os lacaios da casa-grande e até para os seus ocupantes.

A mulher do Chorado botava vestido de chita colorida com providenciais aberturas e decote para mostrar aos olhos gulosos dos gajos suas coxas grossas, seus seios arrebitados e sua bunda torneada. Uma rosa vermelha ou amarela no cabelo pixaim. Um colar de miçangas feito com cascas e frutos secos do mato. Um perfume extraído de flores. A anca perfeita e tentadora. Os dentes de brancura inigualável. A boca carnuda. Requebrava e em gemidos lascivos despertava desejos. Atiçava ainda mais a tara dos homens que tinham poder para punir ou absolver os escravos a um passo da tortura ou sendo submetidos a ela: gingava com uma garrafa de Canjinjin sobre o cabelo crespo reluzente e dava doses aos extasiados espectadores. O forte teor alcoólico das talagadas com gosto agridoce, corpos bonitos a lhes esfregar... era um ai Jesus!

O que acontecia com uma e outra mulher enquanto as demais dançavam ninguém nunca registrou. Também não há detalhamento do que elas faziam quando cessava a dança e o som dos instrumentos musicais tocados por negros que as acompanhavam. De igual modo nunca se escreveu sobre o comportamento de brancas portuguesas e nascidas em Mato Grosso com os jovens negros. Enquanto seus homens se esbaldavam com as negras, um fuzuê silencioso acontecia entre quatro paredes nas casas-grandes ou em seus quintais. Não havia IBGE para recensear a quantidade de bebês mulatinhos que nasciam de mães brancas e negras. Literalmente era o toma lá dá cá; ora, pois, pois! Davam e se davam bem matrimonialmente as patroas. Puritanas senhoras brancas devotadas à Santa Madre e fiéis quando de pernas fechadas.

O que era dança de dor virou cultura e tradição. O Chorado encanta a todos e mais graça ainda ganha ao som do Conjunto Aurora do Quariterê, formado por mulheres negras com suas vozes roucas e seu ritmo afro-vila-belense saudando o Campo Verde, como a cidade é chamada pelos filhos negros.

Eleições à parte, em Mato Grosso negros, brancos e os indivíduos de outras raças formam uma só população. O Chorado, a Dança do Congado de Nossa Senhora do Livramento, a comunidade quilombola em Mata-Cavalo e outros quilombos não deixam dúvida que a igualdade racial é respeitada. Resta agora aguardar as próximas eleições para sabermos se o negro avançará ou não no campo da representação política.





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