Receita desmonta fraude bilionária em combustíveis e cumpre mandados em MT Em Mato Grosso, são dois alvos em Rondonópolis, um Primavera do Leste, um em Feliz Natal e um em Diamantino.
A Receita Federal deflagrou nesta quinta-feira (28) a Operação Carbono Oculto, que cumpre mandados de busca e apreensão contra cerca de 350 alvos, entre pessoas físicas e jurídicas, localizados em Mato Grosso e outros sete estados. Eles estariam envolvidos em um esquema bilionário de fraudes e lavagem de dinheiro no setor de combustíveis.
O grupo investigado teria movimentado R$ 52 bilhões entre 2020 e 2024 apenas por meio de postos de combustíveis — muitos deles usados para dissimular transações financeiras ou simular operações fictícias.
Fintech usada como “banco paralelo” movimentou R$ 46 bilhões para o crime, diz Receita. (Foto: Polícia Federal)Em Mato Grosso, são dois alvos em Rondonópolis, um Primavera do Leste, um em Feliz Natal e um em Diamantino. Os demais mandados estão sendo cumpridos nos estados de São Paulo, Espírito Santo, Paraná, Mato Grosso do Sul, Goiás, Rio de Janeiro e Santa Catarina.
O órgão já constituiu R$ 8,67 bilhões em créditos tributários federais contra empresas e indivíduos ligados ao esquema. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), por sua vez, ingressou na Justiça com ações para bloquear R$ 1 bilhão em bens, incluindo imóveis e veículos de luxo.
Como funcionava o esquema
As investigações mostram que o grupo atuava em todos os elos da cadeia de combustíveis: da importação de nafta, hidrocarbonetos e diesel ao abastecimento nos postos. Importadoras serviam como empresas de fachada, adquirindo combustíveis no exterior com recursos de formuladoras e distribuidoras ligadas ao crime organizado. Entre 2020 e 2024, o valor importado chegou a R$ 10 bilhões.

Além da evasão fiscal, havia adulteração de combustíveis. O metanol, supostamente importado para outros fins, era desviado para a produção de gasolina adulterada, gerando lucros maiores para o grupo e prejuízos diretos aos consumidores.

Fraudes em postos de combustíveis
Mais de 1.000 postos espalhados por dez estados (SP, BA, GO, PR, RS, MG, MA, PI, RJ e TO) apresentaram irregularidades. Esses estabelecimentos recebiam dinheiro em espécie ou via maquininhas de cartão para lavar recursos ilícitos, inserindo-os no sistema bancário em nome da organização criminosa.
O volume das operações impressiona: R$ 52 bilhões em quatro anos, com recolhimento de tributos considerado “muito baixo” e incompatível com o porte das atividades. Como resultado, a Receita já aplicou autuações que somam R$ 891 milhões.
Entre os alvos, 140 postos se destacaram pela ausência de movimentação real entre 2020 e 2024, mas, mesmo assim, foram “destinatários” de R$ 2 bilhões em notas fiscais de combustíveis. Esses documentos simulados tinham a função de ocultar a origem ilícita do dinheiro que circulava entre distribuidoras e a própria rede de postos controlados pelo grupo.




O papel das fintechs
Um dos pontos mais sofisticados do esquema foi o uso de fintechs de pagamento como “bancos paralelos”. Uma única fintech controlada pelo grupo movimentou R$ 46 bilhões entre 2020 e 2024.
De acordo com a Receita, a empresa recebia diretamente recursos em espécie, algo atípico para esse tipo de instituição. Apenas entre 2022 e 2023, foram 10,9 mil depósitos em espécie, totalizando R$ 61 milhões.
Essas fintechs exploravam brechas regulatórias, como:
- contas-bolsão, em que os recursos de todos os clientes eram misturados sem segregação, dificultando a fiscalização;
- ausência de obrigatoriedade de envio de informações financeiras à Receita por meio da e-Financeira, o que aumentava a opacidade das operações.
Segundo os auditores, a fintech era usada não apenas para movimentar valores ilícitos entre empresas e fundos, mas também para pagar colaboradores e despesas pessoais de operadores do esquema.
📌 O que são fintech?
São empresas que usam tecnologia para oferecer serviços financeiros de forma mais rápida, digital e acessível.
Elas podem atuar em áreas como:
- meios de pagamento (carteiras digitais, maquininhas de cartão, PIX);
- empréstimos e financiamentos online;
- investimentos e corretoras digitais;
- câmbio e transferências internacionais;
- seguros digitais (insurtechs).
A diferença principal em relação a bancos tradicionais é que as fintechs, em geral, são 100% digitais, têm menos burocracia e oferecem serviços por aplicativos e plataformas online.
No caso da Operação Carbono Oculto, as fintechs foram usadas de forma ilegal como “bancos paralelos” para movimentar bilhões de reais de origem ilícita, aproveitando brechas da regulação que dificultavam o rastreamento do dinheiro.
Blindagem em fundos de investimento
Os lucros obtidos eram reinvestidos em um sistema paralelo de fundos de investimento, que garantiam blindagem patrimonial e dificultavam o rastreamento. A Receita identificou ao menos 40 fundos multimercado e imobiliários, com R$ 30 bilhões em patrimônio, vinculados à organização criminosa.
Boa parte desses fundos era fechada, com um único cotista — geralmente outro fundo de investimento —, criando várias camadas de ocultação. Entre os bens adquiridos com recursos ilícitos estão:
- um terminal portuário,
- quatro usinas produtoras de álcool (mais duas em negociação ou parceria),
- 1.600 caminhões de transporte de combustíveis,
- mais de 100 imóveis, incluindo seis fazendas em São Paulo avaliadas em R$ 31 milhões e uma casa de luxo em Trancoso (BA) comprada por R$ 13 milhões.
Segundo a investigação, há indícios de que algumas administradoras de fundos sabiam do esquema e deixavam de cumprir obrigações fiscais, contribuindo para a ocultação.
Participação de órgãos públicos
A operação envolve cerca de 350 servidores da Receita Federal e conta com apoio do Ministério Público Federal (Gaeco), Ministério Público de São Paulo, Polícia Federal, polícias Civil e Militar, Secretaria da Fazenda de São Paulo (Sefaz/SP), Agência Nacional do Petróleo (ANP) e Procuradoria-Geral do Estado de SP (PGE/SP).
Nome da operação
O nome “Carbono Oculto” faz referência ao elemento químico presente na gasolina e no diesel e, ao mesmo tempo, simboliza o dinheiro ilícito “escondido” em fintechs e fundos de investimento.

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