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Rio é monitorado por 700 mil câmeras de vigilância privadas
Para colocar um ponto final numa onda de depredação de pequenas caixinhas do sistema de alarme dos elevadores do condomínio Belle Vie, na Freguesia, a síndica Elizabeth Pilouchas decidiu instalar câmeras de vigilância nos saguões dos três blocos de apartamentos. Deu certo: desde meados do ano passado, os equipamentos estão a salvo. O vandalismo custou R$ 1.023 aos mil condôminos — foram 11 caixinhas quebradas — e acabou justificando a necessidade de ampliação do rigor na vigilância. A escalada do monitoramento no Belle Vie impressiona: em 2011, a construtora entregou o condomínio com três câmeras. Hoje, são nada menos do que 32 olhos eletrônicos, um aumento de 966%. Elizabeth quer mais e planeja instalar outros 16, principalmente na garagem.
O fenômeno se espalha por toda a cidade. Prédios, galpões, empresas e residências do Rio contam com 700 mil câmeras de segurança, o que equivale a um equipamento a cada nove cariocas, segundo estimativa do Sindicato das Empresas de Sistemas Eletrônicos de Segurança do Rio (Siese-RJ). Um mercado que cresce em média 10% ao ano, aproxima-se da média de São Paulo — a capital paulista tem uma câmera para cada oito pessoas — e parece não ter limites. Presidente do Siese-RJ, Denise Mury comemora os avanços dos “condomínios inteligentes” no Rio e observa que o mercado ainda está em ascensão:
— Passamos por pelo menos dez câmeras de casa até o trabalho todos os dias. Uma câmera para ambientes internos, com instalação, custa em média mil reais. Não é caro. Há 30 anos, vigilância eletrônica era coisa de grandes empresas. Hoje, qualquer condomínio tem — analisa Denise.
Ela reconhece que a ausência de um marco regulatório da segurança privada torna a questão ainda bastante nebulosa:
— O estatuto da segurança privada está em tramitação há muito tempo no Congresso, e podemos ter novidades até a Copa. Uma questão que precisa ser definida é: quem efetivamente pode atuar na instalação de equipamentos? O mercado clandestino de câmeras, controles de acesso e alarme tem crescido assustadoramente.
Denise diz que o Rio está despertando para o mercado de vigilância eletrônica:
— O consumidor de São Paulo sempre investiu mais em prevenção. O Rio está despertando para essa questão agora. Um desafio é associar equipamento a treinamento. Não adianta ter a câmera. É preciso ter quem a opere com qualidade.
Os limites entre segurança e privacidade
Os números do Rio não incluem as cerca de mil câmeras nas ruas mantidas por prefeitura e governo do estado. Com tantos equipamentos espalhados, numa realidade que lembra a imaginada por George Orwell no romance “1984”, o debate é inevitável: até que ponto a garantia de segurança não implica invasão de privacidade? Há dois anos, por exemplo, jovens franceses foram às ruas criticar o sistema de monitoramento da prefeitura de Paris, que recuou e decidiu não estender a vigilância eletrônica. Doutor em planejamento urbano e professor da PUC do Paraná, Rodrigo Firmino atenta para outra questão importante: é do Estado a responsabilidade por garantir a segurança de espaços públicos.
— Em Curitiba, moradores de classe média alta têm se organizado para instalar, por conta própria, câmeras no perímetro de suas residências e condomínios, para monitorar não suas propriedades, mas as vias públicas do entorno. Acredito que essa realidade ocorra em várias cidades do Brasil. Acontece que a responsabilidade pela qualidade e pela segurança dos espaços públicos é exclusividade do Estado. Que direito têm esses cidadãos de monitorar as vias públicas de maneira privada?
O administrador da Creche Mundo Kids Ltda, Marcos Vinícius Costa Pinto, garante ter tomado todos os cuidados nesse sentido ao instalar, a partir de 2010, as 16 câmeras na unidade no Engenho Novo, onde estudam 142 alunos:
— Nós começamos com quatro câmeras, há três anos. Mas o reforço da segurança se tornou algo fundamental para o dia a dia da empresa. Tivemos o cuidado de só instalar os equipamentos nas salas de aula e nos pátios. Respeitar a privacidade dos alunos e dos funcionários é algo fundamental e imprescindível.
Ex-capitão do Bope, antropólogo e especialista em segurança pública, Paulo Storani ressalta que algumas pessoas optam por monitorar o que acontece dentro de suas próprias casas. Dessa forma, não se pode dizer que houve invasão de privacidade.
— Eu tenho 12 câmeras na minha casa, e todas mostram o que acontece nas áreas externas. Eu posso monitorá-las à distância e por 24 horas. Minha privacidade está garantida da porta para dentro. E as câmeras ajudam a inibir os delitos. Às vezes, os próprios donos permitem que a vida no interior de suas casas seja monitorada. O importante é saber exatamente quem tem as senhas de acesso e ter garantia da idoneidade da empresa que instalou os equipamentos — avalia Storani.
Não raro, as câmeras prestam importantes serviços públicos, ao registrar furtos, agressões e detalhes de acidentes de trânsito. Marcos Vinícius, por exemplo, acabou fornecendo imagens imprescindíveis para o desfecho do inquérito da Polícia Civil sobre um acidente que ocorreu na esquina onde a Creche Mundo Kids está localizada. A batida resultou na morte de um idoso, em junho.
— Tenho três câmeras que filmam as áreas externas e podem registrar o que ocorre a 30 metros de distância. As imagens ficam armazenadas por até 40 dias. A polícia solicitou as imagens. Num futuro próximo, quero instalar mais oito câmeras. Já gastamos R$ 10 mil — conta.
Elizabeth Pilouchas diz que os gastos com vigilância no Belle Vie representam 16% do orçamento mensal do condomínio:
— Exigimos a identificação de todos os visitantes. Quem não fornece a identidade não entra.
Túnel Zuzu Angel: ponto cego
Em tempos de grandes eventos, como Copa e Olimpíadas, o monitoramento oficial também está em expansão. A Secretaria de Segurança está implantando um sistema com 450 equipamentos novos, ao custo de R$ 62 milhões por dois anos de contrato. Suas imagens serão monitoradas no Centro Integrado de Comando e Controle (CICC). O sistema atual, que será substituído, tem cerca de 380 câmeras e existe desde 2006.
O Centro de Operações Rio controla 580 equipamentos da prefeitura instalados nas ruas e recebe imagens de cerca de 300 câmeras de concessionárias. Mas, mesmo com tanta vigilância, a cidade tem pontos cegos difíceis de entender. Com extensão de 7,5 quilômetros, a Autoestrada Lagoa-Barra só conta com dez aparelhos. O Túnel Zuzu Angel não tem câmeras. A prefeitura informou que ainda não há previsão de quando os equipamentos serão instalados.
Fonte:
O Globo
URL Fonte: https://reporternews.com.br/noticia/4796/visualizar/
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