Estoques elevados de veículos novos esperando comprador no Brasil marcam uma nova realidade de um setor que desde 2007 vem registrando recordes sucessivos de vendas.
A restrição do crédito em 2012 após salto nos calotes de financiamentos e as incertezas sobre a economia estão levando consumidores a postergarem suas decisões de compra de automóveis.
A disparada das vendas dos últimos cinco anos, que passaram do patamar de 2 milhões de veículos por ano para perto de 4 milhões previstos para 2012, reduziu o potencial de crescimento acelerado da indústria e trouxe à tona risco da inadimplência em um setor que tem 60% de suas vendas feitas à prazo.
"Boa parte de quem podia comprar carro já comprou, e talvez até quem não podia já comprou também", disse o economista Francisco Pessoa, da consultoria LCA. "Muita gente não está conseguindo arcar com os custos da posse e manutenção de um carro."
Segundo ele, enquanto em 2000 o País tinha 8,8 habitantes por veículo, a relação passou a 6,4 em 2009 e a 5,6 em 2011, uma evolução de 58%. "Talvez com um novo movimento de renovação de frota, ainda que nossa frota seja bem nova, essa relação possa cair mais", disse Pessoa.
Enquanto isso não ocorre, o governo voltou a atender queixas da indústria automotiva nacional, anunciando nesta semana pacote de medidas de estímulo que incluíram Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) reduzido nos carros de até 1.000 cilindradas de 7% para zero, até o final de agosto.
Além disso, o governo decidiu liberar compulsório de bancos para financiamento de carros e veículos leves. O compromisso ocorreu em troca de redução de preços pelas montadoras, que nesta semana mesmo já divulgaram novas tabelas de preços incorporando o imposto menor, caso de marcas como Volkswagen, Ford, Nissan e Peugeot.
O pacote veio depois que bancos passaram a frear o crédito para financiamento de veículos este ano. Em abril, calotes no financiamento de automóveis voltaram a bater recorde, atingindo 5,9%, ante a marca anterior de 5,7% registrada em março. Um ano antes, o patamar estava em 3%.
Ao mesmo tempo, prazos de financiamento que chegaram a 60 meses anteriores caíram e a parcela de entrada para compra do carro novo cresceu, deixando de fora famílias de renda menor.
Estoques para mais de um mês
A freada nos financiamentos, segundo montadoras e analistas, ajudou os estoques de veículos novos não vendidos a crescer para 43 dias em abril, maior nível desde novembro de 2008, durante a última crise financeira internacional. Em abril de 2011, o volume estocado era suficiente para 33 dias de vendas, nível considerado normal pela indústria.
"Estamos no limite de um modelo de crescimento que já se esvaiu e que tem que ser modificado agora. Não basta dar crédito, a modificação tem que vir com a desoneração do custo de produção para tornar o veículo mais barato", defende o professor da área de gestão de riscos Claudio Gonçalves, da Trevisan Escola de Negócios.
"O endividamento das famílias não atingiu limite, mas não se pode calcar o crescimento do país apenas nisso, em algum momento a conta precisa ser paga (...) O período de crescimento anual de dois dígitos nas vendas de veículos já está superado", acrescentou.
Na avaliação do consultor Dario Gaspar, sócio da AT Kearney, o que o governo está tentando promover com o pacote anunciado nesta semana é evitar o alongamento de tempo para a troca dos veículos dos consumidores, característico em períodos de incerteza.
"A maior parte das vendas de novos carros ocorre para renovação. O que acontece agora é que pioraram as expectativas econômicas, o crédito secou e as famílias estão mais endividadas."
Segundo o diretor associado da AT Kearney, David Wong, citando dados do Banco Central, a média das famílias brasileiras está com de 20% a 25% de sua renda comprometida com crédito. "Isso mostra que estão perto do limite de endividamento, já que o ideal é que uma família possa comprometer até 30% da sua renda com dívida."
Apesar do cenário adverso, analistas consideram que a indústria automotiva deve manter investimentos no Brasil, diante do quadro externo negativo que torna a expansão de vendas no país mesmo abaixo de 5% atraente.
Por ora, a associação de montadoras Anfavea mantém previsão de aumento das vendas em 2012 entre 4% e 5%, para até 3,81 milhões de unidades, algo encarado com receio por economistas e que poderá marcar o sexto recorde anual consecutivo.
"Crescer os 4% previstos pela Anfavea em 2012 é uma tarefa hercúlea (...) É mais sensato esperar 3% na média dos próximos cinco anos, o que seria um cenário de neutro para otimista", disse Pessoa, da LCA.
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