Vítima de escalpelamento mantém vaidade após acidente; no detalhe, quadros com fotos de vítimas usando perucas em centro de saúde (Foto: G1)
Seis casos de escalpelamento foram registrados no Pará apenas nos primeiros três meses de 2012. O número preocupa as autoridades, já que havia sido registrada uma queda nos registros nos últimos dois anos. No mesmo período de 2011, por exemplo, houve apenas um caso. No primeiro trimestre de 2010, nenhum acidente foi registrado. Os escalpelamentos ocorrem geralmente em pequenas embarcações de transporte de passageiros na Amazônia, nas quais as vítimas têm o couro cabeludo arrancado pelo eixo de motor, que fica desprotegido durante as viagens.
O último acidente aconteceu no início de março, em Portel, município na região do Marajó que aparece em primeiro lugar em casos de escalpelamento no estado. Uma menina de 10 anos tentava pegar uma moeda que caiu perto do motor do barco durante uma viagem de Portel até a área rural do município quando sofreu o acidente.
"Ela está muito triste, disse que preferia ter morrido do que ficar desse jeito. Ela nem quer se olhar no espelho e está com medo de voltar para a escola e ser chamada de careca", conta a mãe da menina, a atendente de supermercado Claudete Moraes dos Santos, de 27 anos.
A menina é a única vítima internada na Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará, referência estadual no tratamento de escalpelados. Outras seis vítimas continuam recebendo acompanhamento médico na Casa de Acolhimento do hospital. Cristiane Vilhena, 31, foi a última a chegar à casa, de Igarapé-Miri, município na região nordeste do estado. O acidente aconteceu no dia 25 de fevereiro, no barco da família, quando ela, o marido e a filha mais nova iam fazer compras em Abaetetuba.
Vítima de escalpelamento se recupera de acidente
em casa de apoio (Foto: Glauce Monteiro/G1)
"A gente ouve falar, mas nunca pensa que vai acontecer com a gente. Agradeço a Deus pela minha vida, porque cabelo a gente coloca uma peruca e fica tudo bem", diz Cristiane, que, no entanto, é vaidosa. Ela afirma que não sai de casa sem usar batom e bem arrumada. Segundo Cristiane, o motor do barco já foi protegido. Ainda assim, a filha mais nova preferiu cortar os cabelos.
Dos seis casos registrados neste ano, dois ocorreram no município de Portel. Os demais foram na região nordeste do estado. Um único acidente não foi registrado em um barco a motor. A vítima teve o cabelo enrolado e arrancado pelo eixo de uma máquina caseira de produção de açaí.
Perfil das vítimas
"É uma questão de culpa complicada, em 90% dos casos o barco é da família, construído no quintal pela própria família e é usado como instrumento de trabalho e transporte", diz Socorro Ruivo, coordenadora do Programa de Atendimento Integral às Vítimas de Escalpelamento da Santa Casa (Paives).
Segundo ela, as vítimas são, em sua maioria, mulheres, com cabelos longos, que vivem em comunidades ribeirinhas na região oeste ou no arquipélago do Marajó. O último acidente de escalpelamento que vitimou um homem foi em 2007. Ainda de acordo com Socorro Ruivos, os acidentes ocorrem principalmente durante as festas, como no final do ano, nas festas juninas ou em comemorações religiosas locais, quando a família precisa se deslocar com mais frequência. Por isso, a preocupação com a alta dos casos neste primeiro trimestre.
Criança usa touca com tranças para "disfarçar"
cicatriz (Foto: G1)
Tratamento
O acidente dura poucos minutos, mas o tratamento pode seguir ao longo de décadas. O primeiro atendimento acontece no posto de saúde do município mais próximo. As vítimas são encaminhas a um pronto-socorro na capital, onde continuam recebendo atendimento de urgência e emergência. "As pessoas só chegam à Santa Casa quando o estado clínico se torna estável. Aqui fazem uma avaliação imediata e podem ser encaminhadas imediatamente para a primeira cirugia", afirma Socorro Ruivo.
O tratamento é longo e envolve diversos profissionais, como enfermeiros, cirurgiões, terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas, psicólogos, assistentes sociais e nutricionistas. "É uma situação complicada para as vítimas, porque, diferentemente de outros casos de mutilação, elas não têm direito a benefício, pois o tratamento é considerado "estético" ", afirma a coordenadora.
Vários procedimentos fazem parte do tratamento, desde enxertos que retiram tecidos das nádegas e das coxas para que serem aplicados na cabeça e preencher a área perdida pelo acidente, até o uso de remédios para estimular o crescimento do couro cabeludo.
Enfrentamento
A Secretaria de Estado de Saúde Pública do Pará (Sespa) se diz preocupada com os números, que voltaram a crescer. De 2002 a 2009, a média era de 20 casos por ano. O órgão, no entanto, afirma que está tomando medidas preventivas para minimizar o número de acidentes, formando comitês municipais para atuar nos casos.
"Nosso objetivo é um dia chegar à taxa de zero acidentes de escalpelamentos.Já estamos realizando trabalhos na região do Marajó, visitando cada município, fazendo levantamento de vítimas que por algum motivo ainda não estão inseridas no sistema de atendimento", diz Socorro Silva, coordenadora de Educação e Saúde e Mobilização Social da Sespa e integrante da Comissão Para Erradicação dos Acidentes com Escalpelamento.
Na primeira quinzena de maio, a comissão deve entregar o primeiro relatório com dados de escalpelados no Marajó. A comissão é integrada por vários órgãos ligados, como a Capitania dos Portos, Secretarias de Educação, Assistencia Social e a sociedade civil.
A lei federal nº 1.970, de 2009, torna obrigatória a instalação de proteções em torno de áreas móveis e do eixo do motor de embarcações. Quem descumprir a orientação pode ter o barco apreendido.
Segundo a Capitania dos Portos da Amazônia Oriental, cerca de 2 mil embarcações já têm a cobertura do eixo do motor. O órgão faz um trabalho de prevenção e instala gratuitamente a cobertura sempre que um barco é encontrado em situação irregular durante as fiscalizações.
Santa Casa de Misericórdia do Pará é referência no atendimento a vítimas (Foto: G1)
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