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Sexta - 23 de Março de 2012 às 12:32
Por: Dhiego Maia Cuiabá

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Dhiego Maia/G1
Josinete segura roupa do filho presenteada pela avó africana.
Josinete segura roupa do filho presenteada pela avó africana.

Seis meses já se passaram desde que o universitário africano Toni Bernardo da Silva, de 27 anos, foi espancado até a morte em uma pizzaria de Cuiabá. O caso ganhou repercussão internacional e os suspeitos pelo crime – dois policiais militares e um empresário – respondem ação judicial na 3ª Vara Criminal da capital por lesão corporal seguida de morte.

Mas para Josinete Grobe, 38 anos, o pesadelo da morte do ex-namorado ainda persiste. Ela deu à luz o filho que Toni não teve a chance de conhecer. No pescoço, Josinete ainda usa o escapulário dado de presente pelo africano e, no aparelho celular, ainda guarda as fotos do casal. Em muitas delas, a imagem da mão de Toni acariciando a barriga dela à espera do filho é recorrente.

Em meio às lágrimas e à saudade, a empresária do ramo de festas infantis recebeu o G1 na sua casa e, com exclusividade, contou as dificuldades que o africano passou na capital mato-grossense antes de morrer. “Ainda vivo em luto. O Toni veio para o Brasil para estudar e estava cheio de sonhos e planos. Ele morreu de uma forma humilhante, que eu não me conformo”, disse, com voz embargada.

Estudante de economia da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), o africano da Guiné-Bissau acabou beneficiado pelo programa de intercâmbio estudantil entre Brasil e África e escolheu Cuiabá para fazer o primeiro curso universitário. Faltando apenas um ano para terminar a graduação, o africano acabou sendo desvinculado da universidade que alegou a exclusão dele por reprovações sucessivas por média e faltas em várias disciplinas.

Deus levou o amor da minha vida, mas deixou um pedaço dele que é meu filho"
Josinete Grobe

Conhecido como aluno exemplar entre os amigos africanos, Toni se afastou dos estudos quando se tornou usuário de drogas. Josinete sabia do problema e, segundo ela, durante um ano que permaneceram juntos ela tentou de todas as formas tirá-lo do vício. “Eu o levava na igreja e ele ficou até internado para se livrar das drogas. Eu conversava muito com ele e fiz de tudo para ele conseguir superar a perda da vaga na UFMT e seguir em frente”, ressaltou Josinete.

Mas a perda da vaga na universidade foi o ingrediente a mais que só piorou a relação de Toni com as drogas. Nesta época, contou a ex-namorada, eles já estavam juntos. O casal se conheceu em um supermercado da capital e meses depois de conversas por telefone, o africano foi morar na casa da empresária. “Toni era puro de coração, humilde e extremamente educado. Aqui ele foi influenciado a usar drogas. Mas apesar desse problema eu nunca vi o Toni drogado”, salientou.

Sem a bolsa de estudos da UFMT que recebia no valor de R$ 500, e irregular no país, Toni se virou como pôde para conseguir se manter em Cuiabá. Além de ajudar a empresária nas festas infantis, o africano trabalhou como servente na construção civil e chegou a se candidatar em uma vaga para trabalhar em uma obra de construção de uma estrada. “Ele não se conformava com isso. Ele queria era terminar o curso. Para ele, voltar para Guiné-Bissau sem o diploma era humilhante. Ele também não quis deixar o Brasil por causa do filho”, disse.

À medida que a gravidez se aproximava do fim, a expectativa do casal em torno do filho representava também uma esperança para Toni. Nos planos do casal, assim que o filho nascesse, os dois iriam buscar na Polícia Federal a regularização do visto de permanência do universitário no Brasil. Toni morreu 40 dias antes do filho nascer.

Josinete contou ainda ao G1 que, após a regularização do visto, o casal pretendia se casar e, inclusive, visitar os familiares na Guiné-Bissau. “Eu falava pra ele que só faltava 40 dias para o nosso sofrimento terminar, mas não deu tempo. Deus levou o amor da minha vida, mas deixou um pedaço dele que é meu filho”, disse com voz embargada.

Um mês antes de morrer, Toni deixou a casa da empresária após um desentendimento em uma festa que ela fez para comemorar o aniversário dele. Toni foi morar na casa de um amigo, também africano, no bairro Boa Esperança. Apesar da distância, ambos se viam constantemente. No dia 22 de setembro, data em que o estudante foi assassinado, o casal se encontrou pela última vez. “Ele estava triste. Saímos para procurar uma quitinete pra ele, porque eu não queria mais que ele ficasse com os amigos. Esta foi a última vez que a gente se viu”, salientou.

O dia da tragédia

 Josinete não sabe porque, mas na noite do assassinato de Toni ela pressentiu que algo de ruim estava por vir. O aviso da morte de Toni chegou através dos amigos africanos que também estudavam na UFMT. Naquele dia, assim que soube do assassinato, Josinete passou mal e teve que ser hospitalizada às pressas.

A reportagem do G1 obteve com exclusividade, as imagens de uma das câmeras de segurança instaladas na pizzaria onde o africano foi morto. Naquela quinta-feira, dia 22 de setembro, o estudante Toni chegou à pizzaria às 23h17 sob efeito de droga, que foi constatado em exames periciais elaborados pela polícia.

No local, as imagens mostram, em apenas um ângulo, que ele teria abordado quatro clientes em uma mesa e, de acordo com depoimentos de testemunhas, ele pediu dinheiro. Diante da negativa inicial, ele teria se dirigido a outra mesa onde estava um casal - uma mulher e o empresário que é suspeito de participar da morte do africano.

Segundo apurou a polícia, a mulher disse que o africano se sentou ao lado dela e, novamente, pediu dinheiro. Às 23h18, as imagens mostram o início do tumulto. Houve pânico e muita correria na pizzaria. A partir deste momento, a câmera mostra apenas uma imagem distorcida do que seria a briga entre o africano, os policiais militares, clientes e funcionários. Um carro da Polícia Militar chegou à pizzaria cerca de 10 minutos após o início da briga, quando Toni já estava morto, conforme relataram as testemunhas do caso.

O DNA

Africano universitário morto e espancado em Cuiabá (Foto: Reprodução/TVCA)
Corpo de Toni foi trasladado para Guiné-Bissau 16
dias após o assassinato (Foto: Reprodução/TVCA)



Josinete não conseguiu acompanhar o velório do corpo de Toni, realizado 16 dias após o assassinato, para os amigos mais próximos em Cuiabá. Após uma indefinição jurídica, o governo brasileiro decidiu assumir o traslado do corpo, que foi levado para Guiné-Bissau.

Por recomendação médica, Josinete foi obrigada a ficar em repouso absoluto nos dois últimos meses de gestação. O risco de comprometer o bebê era iminente. "Tenho pressão alta e, pela minha idade, a gravidez foi considerada de risco. Mas apesar do abalo psicológico, meu bebê nasceu saudável e sem nenhuma complicação", ressaltou.

Abalada psicologicamente, a empresária sofreu várias complicações de saúde. "De lá pra cá eu só adoeci. Tive insônia, fratura no fêmur, síndrome do pânico, labirintite e alterações na tireóide", afirmou. Josinete ainda está se recuperando do trauma e diz sonhar com uma vida normal daqui pra frente.

A maior preocupação da empresária, no momento, é colocar na certidão de nascimento do filho o nome do pai. Para isso, ela ainda precisa fazer um exame de DNA. O material biológico de Toni está sob poder da Justiça, que já autorizou a realização do procedimento. "É um direito do meu filho que eu quero assegurar. Ele terá dupla nacionalidade e, no futuro, vai saber de tudo o que aconteceu com o pai", disse.

O filho do casal está com quatro meses de vida e se chama José Matheus Bernardo. O nome, segundo Josinete, homenageia o pai e os dois avós da criança. Saudável e sorridente, o menino ganhou da avó materna roupas típicas da África e, quando estiver maior, a família pretende levá-lo para conhecer os outros familiares da Guiné-Bissau.

Expulsão dos PMs
A Polícia Militar de Mato Grosso ainda não concluiu o processo disciplinar que apura a
conduta dos dois PMs suspeitos de espancar até a morte o estudante africano. Ainda conforme a polícia, os PMs podem ser expulsos da corporação. Os dois investigados foram afastados dos trabalhos nas ruas após o incidente e, desde então, foram lotados em serviços administrativos.





Fonte: Do G1 MT

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