"Cinzinhas" repassam dados de veículos infratores para marronzinho multar
Mesmo impedidos por lei de aplicar multas, agentes de uma empresa particular, contratados para ajudar a orientar o trânsito na capital, estão indo além da função e repassando a marronzinhos da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) informações sobre infrações cometidas por motoristas e placas de seus veículos. A CET nega que autorize essa prática, assim como a empresa, que promete abrir sindicância.
Os “cinzinhas”, como foram apelidados por causa do uniforme cinza parecido ao dos marronzinhos, já podem ser encontrados em vários pontos da cidade. Eles atuam em áreas com obras municipais, como o Viaduto Pompeia e a Ponte dos Remédios, na zona oeste, a Avenida Professor Luís Inácio de Anhaia Mello, na leste, e o entorno da Estação Tucuruvi do Metrô, na norte (onde está sendo erguido um shopping center). Suas viaturas são semelhantes às da companhia – além de serem amarelas, têm a inscrição “a serviço da CET”, com a sigla em destaque.
Os “cinzinhas” são pagos por empreiteiras contratadas pela Secretaria Municipal de Infraestrutura Urbana e Obras e devem seguir orientações da CET para auxiliar no serviço de desvio de trânsito. Por lei, não podem autuar motoristas. Mas, nos últimos dois dias, três deles confirmaram à reportagem a prática de anotar placa de veículos infratores para passá-las aos marronzinhos.
“Não podemos multar, mas, se acontece alguma irregularidade, informamos por rádio para o agente da CET”, disse um deles. Outro “cinzinha” afirmou que já repassou placas de carros acima do limite de velocidade. E um terceiro comunicou sobre um veículo que bateu e derrubou três cones de trânsito, mas não parou. “O agente (da CET) vem e faz a autuação.” Nenhum dos terceirizados quis ser identificado, temendo represálias.
Motoristas ouvidos ontem disseram que quase não conseguem distinguir a diferença entre marronzinhos e “cinzinhas” no trânsito. “Os uniformes são muito parecidos”, ressaltou o empresário José Francisco de Jesus, de 38 anos.
Legalmente, cabe apenas ao agente público o poder de fiscalização no trânsito. Por isso, especialistas dizem que converter em multas infrações anotadas pelos “cinzinhas” é totalmente ilegal. Um marronzinho deve atender a uma série de especificações técnicas para autuar: a principal é ter visto a infração com os próprios olhos.
O presidente da Comissão de Trânsito da Ordem dos Advogados do Brasil, seção São Paulo (OAB-SP), Maurício Januzzi, ressalta que os agentes terceirizados “não têm competência do ponto de vista legal” para auxiliar na autuação.
Ilegal. Já o presidente do sindicato dos marronzinhos (Sindviários), Reno Ale, classifica a denúncia como séria, mesmo que aconteça informalmente apenas entre alguns agentes. “É totalmente fora de qualquer legalidade às vistas do sindicato.”
Já houve um caso, lembra o sindicalista, de demissão por justa causa na CET de um marronzinho que lavrou um auto de infração que não presenciou. “O agente de trânsito só pode lavrar a multa da infração que ele presencia”, repete.
Procuradas, a CET e a empresa que presta o serviço, a Arc Sinalização, negaram a prática de fiscalização.
Por telefone, o diretor da Arc, Gilberto Farias, disse que funcionários não repassam dados de veículos infratores e a empresa só dá apoio para a CET na sinalização da obra. “Como a companhia hoje não tem a quantidade de agentes necessária para atender a toda essa demanda de obras, a gente dá um apoio.” O presidente do Sindviários confirma o problema. “O efetivo de rua da CET deveria ser de no mínimo 5 mil agentes. Hoje são 2,4 mil.”
De acordo com a Arc, o serviço começou a ser prestado há cerca de cinco anos. A Prefeitura admite que usa empresas terceirizadas no serviço. Algumas foram utilizadas, por exemplo, durante a construção de novas pistas da Marginal do Tietê, há três anos.
A CET, por sua vez, informou, em nota, que os “cinzinhas” são responsáveis principalmente por “orientar manobras, preservar e controlar a sinalização dos acessos às obras e dar apoio aos agentes de trânsito na preservação da sinalização viária de obras”. Disse ainda que há outras empresas além da Arc prestando esse tipo de serviço e o trabalho não inclui nenhuma ação de fiscalização, “franqueada exclusivamente aos agentes” da companhia.
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