Cláudio Oliveira, de 39 anos, passou 85 horas de fome, sede e dor
"Pensei que morreria ali", diz motorista que ficou 4 dias preso em baú de caminhão na Serra
Foram 85 horas brigando contra a fome, a sede, a dor. Só de camiseta e bermuda, encarou o frio da madrugada da Serra catarinense. Sem ventilação, aguentou o calor do dia. Chupou saco com pedaços de gelo para saciar a sede. Comeu ração de cachorro para retardar a inanição. Pensou no passado para lutar pelo futuro. Nessas condições, o caminhoneiro Cláudio Oliveira, de 39 anos, foi localizado na tarde do domingo passado, após quatro dias preso no baú de um caminhão.
— Às vezes, desanimava e fica caído num canto. Aí, pensava na vida, nas lembranças, e voltava a me animar, a me mexer. No domingo de manhã, eu perdi as esperança de ser encontrado, de continuar vivo. Percebi que morreria ali — desabafou Cláudio.
Na madrugada do dia 15, o caminhoneiro viajava de Blumenau a Chapecó pela BR-470 quando, no município de São Cristóvão do Sul, a dez quilômetros da interseção com a BR-116, um caminhão cortou a sua frente e o obrigou a parar.
Ração de cachoeira para amenizar a fome
Dois homens armados desceram, renderam Claudio e o trancaram no baú do seu próprio veículo. Os bandidos roubaram uma carga de cigarros nacionais, avaliada em mais de R$ 100 mil, e esconderam o caminhão, com Claudio preso, numa mata fechada a uns 400 metros da BR-470, em um lugar quase inacessível e por onde praticamente ninguém passa.
— Eu conseguia ouvir o carros passando na rodovia. Berrava e batida na lataria do baú para pedir ajuda, mas ninguém ouvia.
As noites do cárcere foram insones. Os olhos cerravam-se involuntariamente por causa do cansaço. Mas, abriam-se em seguida revelando olhos tomados de susto e medo. O frio agravava o desconforto para dormir.
— Não consegui dormir. Não tinha como. Qualquer ruído me assustava. Esperava sempre o pior.
Gelo dos sacos de pão de queijo para saciar a sede
O alívio para a tensão veio nos maços de cigarro dentro de uma das caixas das encomendas. O tabaco distraia a mente, despistava a fome. Durante as 85 horas, o tempo para Cláudio dividiu-se em apenas dois períodos. O dia e a noite. Uma fresta conquistada à força na porta lateral deixava o sol penetrar.
— Perdi a noção do tempo. À noite, era um breu. Não via nem a minha mão.
Baú era uma geladeira à noite e um forno de dia
Entre as várias dores, a pior era a da mão esquerda. Bandidos usaram lacres de plásticos para amarrar os pulsos da vítima. O da mão direita Cláudio conseguiu tirar puxando. O da esquerda não arrebentou e apertou ainda mais, ficando na finura igual ao de uma criança de 12 anos. A circulação sanguinea ficou prejudicada. Os dedos incharam, e a pela ficava a cada dia mais escura.
— Doía demais! Quando a polícia me tirou do caminhão, o delegado viu a minha mão e achou que teria que ser amputada.
Cinco dias depois de ser libertado, o caminhoneiro ainda sofre com o trauma. Morador de São José, está na casa dos pais no bairro Barreiros e conversou com o DC nesta manhã. Teme permanecer muito tempo sozinho, tem dificuldades para dormir e só fica em lugares iluminados.
— Está bastante complicado. É tudo muito recente. A gente fica com medo.
Sobre o retorno ao trabalho, acrescentou:
— Trabalho de caminhoneiro há 13 anos. Por enquanto, não tem como voltar a viajar sozinho. Sei que isso não aconteceu por pela primeira vez naquela região e, com certeza, não será a última. Precisa haver mais segurança — finalizou.
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