Geração nascida com Plano Real chega ao vestibular mais preparada
Desde que a dona-de-casa Jandira Celeste de Almeida engravidou, em 1993, já planejava dar ao filho oportunidade educacional melhor do que teve. Naquela época, ela pensava que conseguiria isso se juntasse dinheiro para pagar uma faculdade particular. Não contava com uma mudança na situação econômica do País que permitiu a ela, como a milhões de outras famílias, dar muito mais.
No ano seguinte, quando André Luiz Almeida do Nascimento nasceu, teve início o Plano Real, cujo objetivo era estabilizar a economia do País. Enquanto crescia, com a inflação sob controle e mais pessoas empregadas na cidade de Itatiba, onde viviam, o pai, advogado, pode matriculá-lo em escola particular. Fez inglês à parte e, no último semestre do ensino médio, um cursinho pré-vestibular. Na segunda-feira, o adolescente aguardava o início da 2ª fase do processo seletivo para a Universidade Estadual Paulista (Unesp), quando soube que também estava aprovado para a última etapa na Universidade de São Paulo (USP).
Uma recompensa para Jandira. "Não foi sem sacrifício", diz ela, contando que a família mora em uma casa pequena e não tem carro. "Mas é um sacrifício possível, no meu tempo, a minha mãe não tinha o que fazer", conta
história se parece com a de outros pais que pela primeira vez acompanham os filhos no processo seletivo universitário. "Graças a Deus, a gente pode dar tudo a ela", diz o policial Luiz Carlos de Oliveira, que acompanhava a filha Débora Silva de Oliveira, outra nascida em 1994. Apesar do investimento, ele não cobra a filha. "Não ficou mais fácil porque hoje muita gente faz cursinho e tenta a vaga até conseguir, então eles também têm que merecer."
Nota de corte maior
O primeiro resultado da geração da estabilidade econômica pode ter até interferido na nota de corte dos principais vestibulares de São Paulo. Tanto USP quanto Unesp tiveram expressivos aumentos no número de acertos médios na prova da 1ª fase, o que elevou a nota de corte para a última etapa (A Unicamp ainda não revelou a pontuação, apenas a lista de convocados).
Especialistas, ainda debatem o fenômeno. Para a doutora em Economia e professora da Fundação Getúlio Vargas Celina Martins Ramalho está claro que a situação econômica que levou ao aumento da classe média permitiu uma melhora na educação de mais estudantes. "Ainda não é a massa, mas as pessoas investem mais em educação. Elas sabem que terão o dinheiro no mês que vem e no outro, são mais esperançosas e com isso planejam a longo prazo", diz.
O Censo Escolar comprova o aumento do investimento em mensalidades. Com o número de crianças em idade escolar menor, o total de matrículas tem caído cerca de um milhão por ano no Brasil. No entanto, na rede particular, o número de alunos continua crescendo e aumentou de 6,3 milhões em 2007 para 7,6 milhões em 2010 no ensino fundamental e médio.
Com isso, 14,7% dos estudantes da educação básica estão na rede privada. Para a professora do Departamento de Administração da PUC do Rio de Janeiro Ana Heloísa Lemos, especialista em gerações, este é o porcentual que pode ter se beneficiado da melhora econômica. "Não podemos dizer que a educação como um todo está melhor, continuamos muito mal na escola pública que é quem atende a maioria. Quem teve mais oportunidade foi a classe média, que pode estar um pouco maior, mas ainda é minoria."
Na opinião dela, ao lado da maior possibilidade de investimento das famílias, está uma mudança na expectativa de acesso ao ensino superior que leva mais jovens a se esforçar. Com o aumento de bolsas, financiamento e mesmo vagas em instituições públicas, mais adolescentes veem a possibilidade real de fazer faculdade. "O jovem sabe que, mesmo que não tenha como pagar, se conseguir boa pontuação ele tem grandes chances de ganhar uma bolsa e isso leva mais gente a tentar", diz.
A economista Maria Alejandra Caporale Madi, professora da Unicamp concorda que existe uma mudança em curso, mas acredita que ela é principalmente cultural, embora a economia tenha "fundado a base" para que ela ocorresse. "Acho que o mundo todo, mesmo em recessão, vive hoje um momento de troca de informação em que o conhecimento é mais acessível. Esta é a principal vantagem desta geração", diz.
Para ela, é preocupante que as notas de corte sejam cada vez mais elevadas em uma sociedade em que os estudantes podem buscar cursinhos especializados nos vestibulares. "Não queremos que todos concentrem seus esforços em uma prova, queremos que o jovem se dedique a outras questões. Esta situação é mais um motivo para repensarmos o formato do processo seletivo."
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