Grevista de 1968 e antibelicista de 2004, funcionará e resistirá o "homem de princípios" na batalha pelo Eliseu? (Foto: AFP)
Em 2003, quando as potências ocidentais acompanham a movimentação dos Estados Unidos de George W. Bush para invadir o Iraque e exterminar o suposto arsenal nuclear de Saddam Hussein, Dominique de Villepin foi à Organização das Nações Unidas (ONU) e, em um discurso histórico, defendeu que a França se abstivesse do conflito.
"Como podemos garantir que os riscos de uma intevenção como esta sejam mantidos sob controle?", perguntou, crítico. "Em todo caso, em tal eventualidade, é realmente a unidade da comunidade internacional que garantiria sua efetividade. Similarmente, são as Nações Unidas que estarão amanhã no centro da paz a ser construída, independentemente do que vier a ocorrer", ponderou, diplomático.
Paris, de fato, não seguiu Washington, evitando que o país se enredasse num conflito que consumiu milhares de vidas e atolou o Pentágono em dívidas bilionárias.
E hoje, oito anos depois, Villepin prepara-se novamente para defender os interesses nacionais e evitar que a França ceda às pressões externas e entre em um novo conflito que, acredita, não é o seu. O cenário agora é a corrida presidencial de 2012, e a guerra em questão é a da luta pela União Europeia e a crise financeira.
Villepin causou surpresa na cena política francesa ao anunciar, na última semana, sua candidatura ao Palácio do Eliseu nas eleições de 2012, a serem realizadas entre abril e maio do ano que vem. Em um momento em que a França, ao lado da Alemanha, luta para manter a economia da União Europeia viva, o candidato deu as caras afirmando que a França tem sido "humilhada pela lei de mercado que segue nos impondo mais austeridade".
"Nós estamos concordando com um acordo que não é do interesse da França. Eu acho que nós precisamos de mais coragem do que isso", desafiou.
Seria, por isso, Villepin o homem certo para um momento em que a Europa passa por uma crise de identidade que coloca em xeque os movimentos internos dos próprios governos e nações?
Em maio de 1968, momento histórico em que a França passou por protestos sociais esquerdistas, Villepin, então um estudante no liceu francês de Caracas, na Venezuela, fez greve. "Eu percebi um momento de mudança nas relações entre o poder e a sociedade, a afirmação da juventude, de um outro modo de ver um mundo, um ideal a defender", recordou em entrevista ao jornal Le Tribune de Genève.
É essa mesma postura que inflou Villepin a sair da UMP (União para um movimento popular), mesmo partido de Nicolas Sarkozy, e lançar uma candidatura independente ao Eliseu, em um gesto visto como um desafio direto a Sarkozy.
Criticado pela possível cisão dentro do UMP e pelo medo que roube votos de Sarkozy, que em 2012 deve buscar a reeleição, defendeu-se. "Eu não sou a favor da República dos Partidos. Eu não acredito que a verdade resida na direita, ou na esquerda, ou no centro", disse à rede TF1.
Por enquanto, a candidatura solitária e desafiante de Villepin ainda não aqueceu. Segundo uma sondagem lançada nesta semana, Villepin aparece com tímidos 3,5% das intenções de voto, ainda bem atrás de Hollande e Sarkozy (que, com 27,5% e 24%, iriam para o segundo turno), Marine Le Pen (20%) e até de Jean-Luc Mélenchon (6,5%).
Atualmente com 58 anos, Villepin tem um bom histórico que pode ajudá-lo a acumular votos. Galgou cargos na diplomacia francesa durante quase duas décadas, desde 1980; foi secretário-geral do Eliseu (1995-2002) durante a presidência de Jacques Chirac; em 2002, assumiu como Ministro do Exterior; e, em 2004, substitiui o próprio Sarkozy na ministério do Interior.
Em 2005, tornou-se premiê, mas, um ano antes, havia sido envolvido no Caso Clearstream, de denúncias de corrupção no governo. Villepin foi absolvido, mas o desagaste do caso levanta dúvidas sobre sua performance nas urnas. Seja como for, retorna agora para o maior desafio político de sua carreira política.
"Ele surpreendeu o mundo", declarou o candidato socialista François Hollande após tomar conhecimento da candidatura do grevista de 68. "É um homem de convicções", mas "veremos se sua convicção será tão forte quanto as pressões que agora haverá sobre suas costas."
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