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Domingo - 20 de Novembro de 2011 às 16:36

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É fim de expediente do almoço no restaurante Gero, quando o italiano Salvatore Loi, 48, chef responsável pela gastronomia do grupo Fasano, ainda usando seu dólmã, cruza o salão em direção à recepção. Sério, e parecendo apressado, ele senta-se ali mesmo, numa mesinha de espera, como quem avisa: "vamos logo com isso".

Maria do Carmo/Folhapress
No comando da gastronomia do grupo Fasano desde 1999, o chef italiano Salvatore Loi diz estar colhendo os frutos do trabalho
No comando da gastronomia do Fasano desde 1999, o chef Salvatore Loi (foto) diz estar colhendo frutos do trabalho

Mas é só o jeitão desse italiano, da Sardenha. Parece rude, mas só parece. Aos poucos se solta, vai contando histórias sobre sua relação com a gastronomia, o fato de ter virado chef só aos 30 anos, com o Fasano, com São Paulo e até com sua filha de 4 anos, que "já está virando uma companheirinha de passeios".

Loi mora nos Jardins, é casado com uma brasileira e chegou ao Brasil em 1999 para ocupar o cargo em que está até hoje. Indicado ao "restaurateur" Rogério Fasano pelo chef italiano Sergio Mei, um de seus mestres, ele veio da Europa para fazer parte da história gastronômica de São Paulo e deixar o seu legado por aqui. "Já comecei a colher os frutos do meu trabalho."

*

De onde vem a sua relação com a gastronomia?
Foi influência de uma das minhas irmãs. Sou o caçula de sete irmãos. Ela trabalhava com hotelaria e me incentivou, abriu meus olhos quando eu tinha 13 anos.

E o ingresso na carreira?
Com 16 anos comecei a trabalhar em restaurantes familiares. Logo fiz as malas e fui para Milão, que me abriu muitas portas. Conheci muita gente.

Qual foi o primeiro restaurante em que você atuou como chef?
Trabalhava em Roma, como subchefe no Duca D"este, um hotel cinco estrelas. Quando o chef de lá foi embora abrir o seu próprio restaurante, o dono me perguntou se eu dava conta de tocar aquilo sozinho. Respondi que sim e pela primeira vez estava no comando de uma cozinha.

E com qual idade você estava?
"Cozinheiro A" eu só virei aos 25 anos. Chef, só aos 30. Ser chef não é sair da escola e em dois anos estar pronto. Há muito trabalho a ser feito. Sacrifícios e renúncias. Não é porque eu não tinha experiência, mas porque as coisas acontecem assim, devagar. E eu não quis queimar etapas. Um chef tem que ter experiência em todos os ramos. Fiz muito
estágio sem ganhar nada, só para aprender.

Quer dizer que por aí tem mais chef com diploma do que talento?
[Silêncio] Olha, talvez a melhor análise é ver a quantidade de restaurantes que abrem. E depois reparar na enormidade dos que fecham! [risos]

E quem foi o seu primeiro mentor gastronômico?
Cesare Chessorti. Foi o primeiro a me tirar da Sardenha. Ele me levou para o Vila D"este, um cinco estrelas de Milão. Naquela época eu nem sabia o que era uma trufa ou caviar. Eu era, digamos, bem rústico.

E o último, quem foi?
Com quem trabalhei na Itália, o último grande mestre foi o Sergio Mei, que atualmente é o chef da rede de hotéis Four Season. Temos uma grande empatia de caráter. Somos duros e severos na cozinha, mas fora dela gostamos de um bom vinho. Aprendi muito com ele sobre a fantasia de um prato. E trago comigo um conselho seu: "um homem que para de aprender está perdido".

E foi ele que apresentou você e o Rogério Fasano.
O Rogério estava maluco em Milão. Doido para achar um chef para o Fasano. E eu queria sair da Europa. Aí que entra o Mei, que conhecíamos em comum. O Rogério foi pedir indicações a ele. E eu liguei perguntando se conhecia um lugar fora da Europa para trabalhar. Uma semana depois ele me listou oito lugares, um deles era São Paulo.

Como tomou a decisão?
Foi tudo o Mei. Pedi conselho e ele falou de São Paulo, disse que conhecia o dono e que ele vivia gastronomia, que eu daria confiança a ele. Quando lhe falei "tá bom", ele me ordenou que eu pegasse o trem bala e fosse para Milão conhecer o Rogério.

Como foi o encontro?
Conversamos por uma hora e meia sobre gastronomia, cozinha italiana, filosofias e estilos de trabalho. Daí o Rogério virou para o Mei e disse: "qual é a garantia do trabalho dele?". E o Mei respondeu: "vai tranquilo, Rogério, leva ele!". Ali construímos uma relação de confiança mútua. Em 15 dias eu e minha esposa, que nasceu em Brasília, vendemos tudo o que tínhamos e viemos para São Paulo.

Você já conhecia São Paulo?
Não conhecia. Nem sabia falar português. Antigamente, São Paulo era excluída. A rota era Roma, Rio de Janeiro, Brasília.

E gostou da cidade?
Gostei do fato de o paulistano sair e gastar, e muito, para comer. É diferente da Itália, embora as pessoas também saiam. Lá costuma-se fazer a comida em casa. Aqui não. Quando as pessoas querem comer falam: "ah, não, vamos ao Fasano, ao Gero, ao Tre Bicchieri.

E como você aproveita a cidade?
Minha São Paulo são os Jardins. Moro a 100 metros do Gero. Adoro cinema, tenho uma enorme coleção de DVDs, saiu para comer, tomo chá no Empório Santa Maria, compro um pãozinho aqui e outro ali. Antigamente eu viajava muito, mas há quatro anos as coisas mudaram com a chegada da Alécia, minha filha de quatro anos. Ela está numa fase boa, começando a ser companheirinha, a ir junto aos restaurantes.

Mas esse marido e papai tem fama de bravo na cozinha.
Tem que ser bravo. Tem que seguir a regra. Se não seguir, perdem o respeito. Há de se respeitar a hierarquia. Algumas pessoas não gostam, os estagiários olham torto mas é assim que é. Foi criado assim. Um líder tem responsabilidade por tudo. Eu sou assim.

Você citou o Tre Bicchieri, que tem o chef Rodrigo Queiroz (ex-Fasano) no comando, como você vê a saída de profissionais do grupo para abrirem suas próprias casas?
Acho ótimo. Sinto orgulho. Todas essas pessoas são como filhos para mim. Todos nasceram aqui. Fizeram trabalhos de base comigo. Quanto mais imprimir minhas ideias e for apreciado no mercado e pela opinião pública, melhor. Tre Bicchieri, Maremonti... há uma "família" de casas cujo comando é de gente que saiu do Fasano. Para mim, é sinal de que já comecei a colher os frutos do meu trabalho.

E hoje como é a relação com o Rogério?
Eu combino muito com o Rogério. Gostamos da coisa bem-feita, da comida bem-feita comida italiana de verdade. Ele pode discordar de mim, me corrigir, tem todo o poder. Mas eu também posso falar. Temos uma sintonia 100%. Sou mais que um chef e ele para mim é mais que um dono. Somos amigos e isso é muito forte. É o que eu sempre digo: no nosso prato, nunca vai ter espuminha. O Fasano é o meu trabalho mais longo, que me deu satisfação, garantia na vida. E eu tenho 48 anos, ou seja, estou quase ao ponto.

Gastronomia é arte?
É arte sim!

Mas o Rogério já afirmou o contrário.
Ah... sim, mas para mim é. Claro tem um conjunto que vende o Fasano. Mas a gastronomia é a arte! Outro dia, estávamos falando sobre a importância da arquitetura nas casas do grupo. Ele dizia que é tudo é uma questão de conjunto, que oferecemos um pacote. E aí eu brinquei com ele: "Rogério, o que lhe dá dinheiro, os tijolos ou a comidinha que chega à mesa dos clientes?", e ele sempre insiste em responder: "é o conjunto das coisas..." [risos]

O Fasano está com um menu-degustação cujas receitas levam trufa. Por que neste ano a safra de trufas brancas foi tardia?
Porque a trufa é resultado do microclima das regiões em que nasce. Como o verão na Itália foi muito quente e seco, elas demoraram para aparecer. Mas por outro lado pode esperar uma safra fantástica de vinhos.

E quanto custou, em média, o quilo da trufa?
Compramos três safras a R$ 15 mil, o quilo, em média. Não é uma coisa baratinha, né?

Qual o tamanho e a textura de uma trufa ideal?
O tamanho é o que servimos nas casas do grupo Fasano, de 150 g a 200 g. A textura não pode estar mole. Quando fica úmida e escura é porque está velha.

Qual a melhor região produtora?
Alba, na Itália. De lá vêm as melhores. Mas na Toscana e na Úmbria também existem das boas.

E porque são tão caras?
É um produto que temos durante um período muito curto do ano. Da caça ao consumo são, no máximo, quatro dias. Elas perdem umidade e peso muito rápido e, como é caro, tem que vender rápido. E temos que ressaltar o charme! Você se apaixona pela trufa! Nunca, nunca esquece aquele aroma. Tem aqueles produtos, óleos, azeites trufados, pastas... são todos horríveis. A trufa verdadeira é outra coisa.

Quais os princípios básicos da trufa na cozinha?
Não exagerar. Vai fazer um ovo com trufa? O ovo tem que ficar com o aroma da trufa e não o contrário. Outra coisa, sempre usá-la crua.

Já caçou trufas?
Acordar cedo, no frio, com neblina e ainda correr o risco de uma caçada frustrada? Prefiro quando elas chegam fresquinhas na cozinha!






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