A atenção voltada à temática da violência doméstica e o seu combate tem se intensificado desde a criação da Lei Maria da Penha, em agosto de 2006. Mas enquanto as mulheres são o foco principal das políticas públicas, há quem trabalhe na outra ponta do problema: os homens que as agridem. Um exemplo é o Instituto Noos, no Rio de Janeiro, que desde 1999 atendeu cerca de 300 homens que procuraram, espontaneamente, ajuda para pararem de bater em suas mulheres.
Segundo o secretário-executivo do instituto, Carlos Zuma, o principal foco de atenção quando se fala em violência doméstica é a vítima, que majoritariamente é a mulher. Mas "de alguns anos para cá" houve uma mudança cultural e "se pensou também em dar algum tipo de atenção aos homens". "Aos homens que, geralmente, são os que cometem violência, a questão era só de responsabilizar pelo ato de violência, ou seja, de punir de alguma maneira", disse.
"Se a gente fala de violência física, sim as mulheres sofrem mais frequentemente a violência física dos seus companheiros, maridos, namorados. Agora, se a gente fala de violência psicológica, os homens se queixam muito também. E aí todos os homens que passam por aqui (Noos) tem alguma queixa de violência psicológica", afirmou Zuma, que complementou dizendo que essa violência psicológica está ligada ao que se espera culturalmente de um homem.
"Quando um homem se vê em alguma situação em que, mesmo que inconscientemente, a masculinidade dele esteja sendo questionada, ele procura reforçar outras características que também são atribuídas à virilidade. Por exemplo, se um homem não está podendo cuidar da sua família no sentido financeiro, de sustentar sua família, porque está desempregado, então ele vai procurar reforçar a masculinidade de outra maneira. E a resposta violenta, a imposição da vontade, muitas vezes é utilizada exatamente para mostrar: "quem manda aqui sou eu."", disse.
Segundo Acosta, um dos trabalhos realizados com jovens em Nova Iguaçu é tentar fazê-los dissociar a virilidade da violência. "A base da discussão da prevenção da violência eram as questões de gênero. Era, na verdade, a questão das masculinidades, a questão desse poder patriarcal que nós incorporamos ao longo da história".
O psicólogo e especialista em terapia de casal Alan Bronz também ressalta a importância em não se trabalhar somente de forma punitiva com os autores da agressão. Segundo ele, o homem precisa ter a oportunidade de pensar sobre o que está fazendo, sobre os valores que estão por trás de suas atitudes.
O uso da expressão "autores de agressão" ao invés de agressores é defendida pelo psiquiatra Fernado Acosta. Segundo ele, o termo retrata que a questão é social, e não da natureza do homem. Acosta foi secretário-adjunto de Prevenção da Violência no município de Nova Iguaçu (RJ) e desenvolveu um projeto pelo Instituto de Estudos da Religião (Iser), indicado por ele como primeiro serviço de política pública voltado para o tratamento de autores de agressão.
Ao contrário do que ocorre no Noos, o Iser atende somente homens julgados e condenados pela Justiça na Lei Maria da Penha. Roberto Marinho Amado, coordenador do Serviço de Educação e Responsabilização dos Homens (SerH) do instituto, relata que, ao chegarem lá, esses homens tem uma necessidade muito grande de falar e serem ouvidos já que, em muitos casos, é a primeira vez que eles podem relatar sua versão do caso.
Quando condenados, os autores de agressão são obrigados a participar de 20 encontros durante cinco meses no instituto. Antes de serem encaminhados para grupos, onde irão compartilhar suas histórias com outros autores de violência, eles realizam uma entrevista, que também serve para quebrar a sensação de obrigação, o que pode determinar ou não o sucesso do projeto. "Se a gente conseguir transformar o sentimento de obrigação em um sentimento de oportunidade, a gente tem aí o nosso trabalho bem feito", disse Amado.
Já segundo o psiquiatra, em seus cerca de 20 anos de carreira, houve um aumento no número de relatos de agressão por parte das mulheres vindos dos homens. Ele contabiliza que, em seu consultório, 30% dos homens dizem ter sofrido agressão, seja ela física ou psicológica. O psiquiatra ainda cita o resultado de uma pesquisa que apontou que os homens com maior escolaridade são os que mais relatam terem sofrido agressão física por parte de suas mulheres.
Como exemplo, ele citou o caso de um designer casado com uma médica. Primeiramente, ela procurou o consultório por causa das agressões do marido. No entanto, com o passar das consultas, a médica informou que, antes da primeira violência do marido, o agrediu por diversas vezes sem ele reagir.
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