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Repórter News - reporternews.com.br
Policia MT
Domingo - 13 de Outubro de 2013 às 20:10

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O relatório anual da Ouvidoria Geral de Polícia revela que a principal reclamação das pessoas, em relação aos serviços prestados pela Polícia Militar de Mato Grosso, é quanto à abordagem policial.

Das 878 pessoas que em 2012 procuraram a Ouvidoria, 31,32% se queixaram de agressões praticadas por policiais militares, durante as abordagens. A principal reclamação é contra os policiais da Ronda Ostensiva Tática Móvel (Rotam), que, segundo os relatos, “batem primeiro para perguntar depois”.

As queixas também dão conta de que, pessoas já algemadas e sob o controle, teriam sofrido socos e pontapés desferidos por PMs. Ainda de acordo com o documento, as agressões são de ordens física e psicológica.

Os militantes sociais Adenilson da Silva, o "DJ Taba", e Adriano Nascimento, o "Mano Rapper", conhecem essa realidade bem de perto. Segundo eles, os jovens da periferia são as principais vítimas da violência policial.

"As crianças, quando veem uma viatura, não sentem respeito; elas sentem medo"


Taba mora no Jardim Vitória, distante 10 quilômetros do centro de Cuiabá. Segundo ele, a maioria dos moradores, em seus 20 anos de fundação, até hoje, não sabem o que é um asfalto de qualidade e rede de tratamento de esgoto; o saneamento básico é coisa rara por lá.

Marcio Camilo

Taba é militante social e um dos idealizadores do projeto social Favela Ativa, no Jardim Vitória


Já Mano Rapper mora no Mapim, outro bairro distante, só que da região central de Várzea Grande. Ele é taxativo ao afirmar que o Estado “imprime uma política de extermínio dos jovens da periferia” e o braço estatal desse extermínio, segundo rapper, é a Polícia Militar.

Taba confessa que tem até dificuldades de ilustrar apenas um caso de violência policial, pois ele afirma que já presenciou e sofreu vários.

Ele relata que, quando mais jovem, foi abordado por policiais no terminal de ônibus do CPA, em Cuiabá. Foi abordado por simplesmente estar caracterizado como um rapper, de blusa e calça larga.

“A Polícia é treinada para identificar padrões de comportamento. E eu não sei se foi esse treinamento, ou algum abuso mesmo, porque, descendo no terminal do CPA, havia um grupo de policial que me abordou, quando eu fui beber água. Me levaram em uma sala que fica no terminal, me colocaram na parede e, ao mesmo tempo que me revistavam, eles cantavam rap no meu ouvido, como forma de me humilhar. Me perguntavam se eu era rapper, seu eu curtia o rap, e que o rap era coisa de vagabundo”, contou.

Taba avalia que esse comportamento da Polícia gerou uma “cultura do medo”. “E isso é uma coisa problemática, porque as crianças, quando veem uma viatura, não sentem respeito; elas sentem medo. Eu vou dar um exemplo”: Eu estava exibindo um filme na quadra de esportes, na Escola Senhorinha Alves. Como o filme estava sendo exibido no data-show, nós tivemos que apagar as luzes da quadra. Mas, antes de realizar o evento, a gente encaminhou um ofício para a Base Comunitária da Polícia Militar do Jardim Vitória, avisando do evento e tudo mais... A pedido nosso, a base comunitária foi fazer uma ronda no local. Na chegada da viatura, as crianças que estavam brincando, de forma descontraída, enquanto os pais assistiam aos filmes, vieram correndo, algumas chorando e gritavam: “A Polícia! A Polícia!. Você consegue perceber? A política policial, infelizmente, é de impor o medo e não de ter uma relação de ser humano para ser humano, de comunidade para a Polícia. E isso não é bom, é muito ruim”, avaliou.

Adriano Monteiro, o Mano Rapper, também diz ter muitas histórias para contar nesse sentido.

Ele foi criado em uma favela de São Paulo e relata que, quando criança, via a PM entrando nos barracões para prender gente da comunidade.

“Então, eu era criança e não entendia por que a Polícia invadia os barracos. Nesse cenário, você começa a enxergar a Polícia como um inimigo. Não deveria se assim, mas, infelizmente acontece desse jeito. E esse trauma, a gente carrega por um bom período da vida. Por exemplo: eu lembro quando tinha 12 anos, via a Polícia e começava a tremer”.

Marcio Camilo

Mano Rapper atua como educador de jovens na Rede de Educação Cidadã (Recid)


“Uma vez, lá no bairro Mapim, andando de moto, uma viatura me perseguiu e quando chegou numa rua de quebrada, eles me trancaram, desceram com a arma e coloram a pistola na minha cara e falaram: "Cala a boca, que o Estado me dá autoridade pra eu tratar você dessa forma’. Inclusive, o policial era um jovem da própria comunidade e que me conhecia. Só que o Estado o transformae naquele monstro, não porque ele quer. Foi um choque pra mim”, relata Mano Rapper.

Opressão

"Qual é a política de Estado que tem aqui no Jardim Vitória? A única política pública do Estado que tem aqui, no bairro, é a Polícia”, disse Mano Rapper, ao apontar para a base comunitária da PM, que foi construída no bairro.

“Não tem educação, não tem saneamento básico, não tem esporte e lazer para o jovem da periferia, mas, a Polícia tem”, completou.

Para Taba, que lida constantemente com os jovens, tudo é uma questão de oportunidade.

“Quando você tem uma escola que não possui uma infraestrutura para atender de fato essa comunidade, você tem várias crianças, jovens, adolescentes e, consequentemente pais, hoje muitos são pais, com baixo índice de formação. Então, isso faz com que a violência aflore e que os jovens tenham acesso fácil às drogas”, analisa.

Taba ressalta que são poucos os garotos que escolhem o mundo crime como opção de vida. Diz que fala isso com propriedade, pois já teve a oportunidade de conversar com muitos jovens infratores.

“Você conversa no sistema prisional, mais de 80% dos presos, numa conversa franca, olho no olho, nenhum deles queria estar no crime. São raros os que têm realmente isso como meta e opção de caminho. Muitas vezes, eles não tiveram oportunidades espaço para crescer, para desenvolver, para estudar”, disse.

“Então, é muito claro isso: quando você dá oportunidades de lazer, oportunidade educacional, o índice de criminalidade vai ser reduzido, com certeza. Isso não precisa ser cientista político pra saber, pra chegar a essa conclusão”, completou.

Taba é um dos idealizadores do projeto social Favela Ativa. O projeto é desenvolvido no próprio bairro Jardim Vitória, em uma casa, onde são oferecidas diversos atividades às crianças e aos jovens carentes da comunidade, como danças de salão, aulas de reforço, além da reunião dos Narcóticos Anônimos.

Já o Mano Rapper atua na formação dos jovens da periferia. Ele é educador da Rede Cidadã de Educação (Recid).

Casos que repercutiram


Para o ouvidor-geral de Polícia, Teobaldo Witter, os dados da violência policial revelam um fato: a Polícia Militar precisa ser mais humanizada e preparada para lidar com o cidadão, independente se a pessoa é criminosa ou não”.

Reprodução

Teobaldo Witter é o Ouvidor Geral de Polícia

Dos 275 casos de violência constatados pela Ouvidoria, Witter destacou três situações que repercutiram em 2012: o usuário de droga que morreu em Primavera do Leste, os argentinos e os estudantes da UFMT.

No município de Primavera do Leste ( a 240 km de Cuiabá), Teobaldo destaca que policiais militares são suspeitos de torturarem usuários de drogas.

Segundo o ouvidor, a sessão de espancamento provocou a morte de um dos rapazes.

Teobaldo ressaltou que esse foi um dos poucos casos em que houve uma investigação séria e continuada para apurar os fatos. Segundo ele, a investigações culminaram em uma denúncia que foi oferecida pelo Ministério Público. Atualmente, o caso corre em segredo de Justiça.

Já com relação aos irmãos argentinos, eles foram agredidos por policiais na boate Gerônimo, que fica no centro de Cuiabá. O caso aconteceu no mês de abril do ano passado. Na confusão, um dos irmãos, Augistin Luján, perdeu três dentes.

Na época, o chefe da seção jurídica da Embaixada no Brasil, Gabriel Herrera, disse que os policiais foram arbitrários com os turistas e são suspeitos de falsificarem provas para incriminar os irmãos.

“Eles estão mal preparados e isso é ruim porque Cuiabá vai sediar jogos da Copa do Mundo em 2014 e, para cá e em outros Estados do Brasil, virão milhares de argentinos. Estamos preocupados com este tratamento”, disse o jurista.

Quanto aos estudantes da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Teoabaldo lembra que os universitários protestavam pela criação de novas unidades da Casa do Estudante. Durante o ato, eles trancaram a Avenida Fernando Corrêa.

Witter recorda que o protesto foi reprimido violentamente pela PM, que jogou bombas de efeito moral e disparou balas de borracha contra os estudantes, sem nenhum aviso prévio. O caso gerou o afastamento do comandante da Base Comunitária do bairro Boa Esperança, Gilson Vieira da Silva.

O ouvidor afirmou que, depois desses casos, houve um trabalho da Ouvidoria, junto a PM, no sentido de tratar melhor a questão da abordagem policial. “Fizemos uma conversa com o pessoal, e neste ano, não houve tantos casos de truculência. Mas, muita coisa precisa ser mudada”, afirmou Witter.

Exemplo da polícia alemã

Witter cita o exemplo da Polícia Alemã, que atua no sentindo de antecipar os tumultos durante as manifestações. “Estive, durante três semanas, na Alemanha estudando a polícia de lá”.

Ele explicou que o trabalho de contenção foi desenvolvido principalmente na Copa do Mundo da Alemanha, em 2006. “Houve muitos protestos no país, de pessoas contra a Copa, assim como acontece no Brasil”, disse.

Nesses protestos, Witter afirma que a polícia agia de forma antecipada. "Ao primeiro sinal de confusão, os policias já atuavam no sentido de conter os mais exaltados, se fosse o caso, prendia. Se a polícia deixa aglomerar muito, quando chega nesse ponto, a PM já perdeu o controle da coisa. A polícia tem que observar o começo das coisas”.

O ouvidor acredita que o Estado tem que mediar os conflitos da sociedade e não fazer parte da violência.

“Entendemos que a polícia tem que ser a primeira da linha de frente em preservar os Direitos Humanos das pessoas", finalizou.

Mais dados


Além da violência praticada durante a abordagem policial, as pessoas também fizeram denúncias de agressões e maus tratos a presos. Outra reclamação constante é com relação aos atendimentos nas delegacias.

Confira o quadro demonstrativo de atendimento na Ouvidora Geral de Polícia – 2012:

- Denúncia sobre saúde-Perícia Oficial e Identificação Técnica (Politec): 2

- Ameaça em Campo Limpo: 2

- Ameaça no Assentamento Mutum: 1

- Denúncia do Sistema Prisional (2,19%): 19

- Abordagem da Polícia Militar (31,32%): 275

- Demora processual-Delegado não ouve depoimento (1,82%): 16

- Crianças e o tráfico/drogas: 4

- Ameaças PM da reserva e Policia Civil: 5

- Abordagem da PJC: 6

- Abordagem PRF: 1

- Ameaças e tortura: 3

- Sócio educativo: 2

- Atendimento delegacia (12,9%) 114

- Concurso: 2

- Ameaças (1,82): 16

- Perseguição: 3

- Segurança Pública (assaltos, roubos, furtos/sentimento de insegurança) (26,7%): 235

- Conflitos Familiares - Informações (2,16%) 19

- Problemas do Bairro - Reclamações: 9

- Documentos Pessoais - Informações: 12

- Atendimento Defensoria - Reclamação: 7

- Atendimento Cirúrgico - Reclamação: 2

- Boletim de Ocorrência (5,12%): 45

- Ação em despejo: 3

Total: 878

Outro lado

O Comando da Polícia Militar disse, em nota encaminhada do MidiaNews, que, com relação às reclamações de violência durante a abordagem policial, a corporação sempre acompaha de perto as manifestações das vítimas.

A nota destaca que os policiais militares recebe formação e qualificação para atender bem à comunidade e que possui ainda o POP - Procedimento Operacional Padrão (coletânea de manual prático sobre o procedimento de atendimento de ocorrências policiais militares), que define a conduta e "o que fazer" nas abordagens: em atitude suspeita, suspeita e flagrância.

Confira a íntegra da nota da Polícia Militar:

"- A PM tem ciência desses dados e acompanha as denuncias, reclamações e demais assuntos ligados a este objeto.

- Todos esses casos são enviados ao Comando da PM, não só os da Ouvidoria da PM, como os da Ouvidoria Geral, e outras denuncias colhidas nos Batalhões, Corregedoria ou no disk denúncia 0800653939. Todos eles também sofrem uma análise inicial e, conforme cada caso, é solicitado informações ao envolvido, ou aberto um procedimento administrativo de apuração (Sindicância ou Inquérito Policial), pela Corregedoria Geral da PM;

- Todo policial militar recebe formação em seu ingresso na PM: Oficiais 3 anos de curso superior, Sargentos 1 ano de curso técnico, Soldados 8 meses de curso técnico. Ao longo de sua carreira os temas técnicos e relacionados a atuação policial são retomados em qualificações tipo, estudos de caso, seminários, palestras, etc.;

- Este ano já ocorreram 02 qualificações abordando os temas: controle e correição interna, abordagem policial militar, uso de viaturas PM, comunicação e relacionamento com a imprensa, atendimento, policiamento comunitário;

- A PM possui ainda o POP - Procedimento Operacional Padrão (coletânea de manual prático sobre o procedimento de atendimento de ocorrências policiais militares), que define a conduta e "o que fazer" nas abordagens: em atitude suspeita, suspeita e flagrância;

- O procedimento em abordagem policial vai depender de cada situação encontrada na ocorrência. Basicamente o atendimento cotidiano de informação, orientação, que não demandam o uso legal de força. Ou nos casos em que o uso desta força é feito de forma proporcional e com suporte técnico, nos caos citados acima: atitude suspeita, suspeita e flagrante delito, definidos e treinados no POP.

- A PM busca sempre excelência em sua prestação de serviços a sociedade. A PM condena toda conduta inadequada, fora da legalidade ou contrária as orientações técnicas".






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