Historiador: ligar neonazismo a imigração alemã é irresponsável
Os recentes casos envolvendo grupos neonazistas no País fizeram com que as polícias entrassem nos confrontos. De acordo com o delegado Paulo César Jardim, responsável pelo indiciamento de 35 integrantes desses grupos no Rio Grande do Sul, está na "gênese" da população do Sul a aceitação desse movimento devido às origens alemã e italiana de seus componentes. No entanto, para o historiador René Gertz, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), que pesquisa o assunto, a atitude do delegado de relacionar neonazismo com a imigração na região é uma "irresponsabilidade".
Para ele, o fascismo da Segunda Guerra Mundial fez com que se criasse um estigma sobre os alemães e italianos e se atribua a eles a culpa por incidentes extremistas como esses. "Não existem provas concretas de que movimentos dessa ideologia tenham relação direta com antepassados que vieram de países europeus como Alemanha, Itália e Polônia." Ele diz que cidades gaúchas com concentração alemã, como Teotônia, Estrela e Santa Cruz do Sul, são vítimas da relação que 99% das pessoas fazem ao ligar nazismo com a população germânica.
Gertz contesta qualquer ligação consanguínea dos neonazistas gaúchos da atualidade com os antepassados que vieram da Europa no século XIX. Ao analisar os nomes dos 14 condenados pela Justiça pelo espancamento de judeus em um bairro de Porto Alegre, ele constatou que somente um deles possuía - apenas um - sobrenome alemão. "Tu tem o Silveira, o Silva, o Pinto, o Monteiro, o Coutinho, o Machado. Onde que eles são esses alemães?", pergunta.
O historiador reconhece a existência de racismo no Rio Grande do Sul - "isso é o óbvio ululante como diria Nelson Rodrigues" -, mas questiona se esse preconceito é maior do que em qualquer outra parte do País. "Desafio que algum cientista social me prove que racismo e preconceito sejam maiores no Rio Grande do Sul do que em qualquer outro lugar."
Ele diz que nenhum nome importante do nazismo teria vindo para a região, já que o Brasil havia declarado guerra contra o fascismo. "A cúpula nazista alemã tinha em média 25, 30 anos, e hoje já não estariam mais vivos, muito menos promovendo o nazismo na região."
As atividades dos grupos neonazistas, segundo o historiador, é identificada nas cidades de Porto Alegre e Caxias do Sul, as duas maiores cidades do Rio Grande do Sul. "Não tem a ver com italianos em Caxias, é porque lá existem concentrações urbanas, e quanto maior a cidade, maior o problema."
Ele diz que em algumas localidades do Rio Grande do Sul o convívio entre pessoas de diferentes origens ocorre em um ambiente pacífico com intercâmbio de cultura. Uma desas comunidades é a dos negros e luteranos, que vivem na região de Pelotas.
"Um deles me disse: professor, minha cabeça está zonza porque eu me criei com os alemães, aprendi a falar alemão, organizo a minha casa, a minha estrebaria como eles, e agora vem umas moças do governo e dizem que nós temos que ser negros, viver do jeito negro, e não sei o que é isso", conta o professor, se referindo a políticas públicas sobre a questão racial.
Segundo Gertz, o delegado Paulo César Jardim sempre teve uma postura correta na condução das investigações sobre crimes de ódio. No entanto, há cerca de um ano passou a se pronunciar publicamente sobre neonazismo atribuindo esse extremismo aos imigrantes que vieram para o Rio Grande do Sul. "O Jardim passou a desandar totalmente em novembro, Tarso foi eleito em outubro, e no mês seguinte o Jardim passou a falar bobagem", diz, sobre os rumores de apoio do governo à posição que tem sido divulgada pelo delegado.
Sobre as colocações do historiador, o delegado Jardim disse apenas que "não quero contestá-lo. O meu conhecimento é oriundo dos próprios documentos apreendidos com eles (neonazistas) e de depoimentos deles prestados na delegacia".
Segundo o professor, os primeiros indícios do surgimento de movimentos neonazistas no Rio Grande do Sul datam do final dos anos 80, com a democratização brasileira, quando sugiram livros publicados pela editora Revisão que negavam o holocausto, além do surgimento do movimento separatista liderado pelo ativista político Irton Marx, no começo da década seguinte.
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