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Sexta - 11 de Outubro de 2013 às 16:24

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As pessoas que forem ao Arquivo Público de Mato Grosso em busca de informações históricas sobre a divisão do estado, e consequentemente, a criação de Mato Grosso do Sul, fato que completa 36 anos nesta sexta-feira (11), terão que se contentar com poucos documentos oficiais e alguns exemplares de jornais da época. Parte dos registros governamentais pode estar perdida nos milhares de papéis guardados, mas ainda não catalogados no local, que fica no Centro de Cuiabá.

“O trabalho de catalogação que foi feito é referente ao período imperial do Brasil. É possível que a documentação sobre a divisão esteja nos lotes do período republicano, que ainda nem começou a ser mexido”, diz Lauro Portela, historiador do Arquivo Público. Essa ação, ele destaca, ainda não foi feita por falta de tempo hábil.

Página de jornal foi fotografada no Arquivo Público (Foto: Carolina Holland/G1 MT)

Página de jornal foi fotografada no Arquivo Público (Foto: Carolina Holland/G1 MT)

Por ora, quem for ao Arquivo Público pode ler a edição do Diário Oficial de Mato Grosso que traz em suas páginas a Lei Complementar nº 31, de 11 de outubro de 1977, que cria o estado de Mato Grosso do Sul, decretada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo então presidente do Brasil, o militar Ernesto Geisel. No entanto, a divisão entrou em vigor em 1º de janeiro de 1979.

Jornal traz em suas páginas momento histórico da divisão de MS e MT (Foto: Carolina Holland/G1 MT)

Jornal traz em suas páginas momento histórico da divisão de MS e MT (Foto: Carolina Holland/G1 MT)

Também é possível, na instituição, ter acesso a uma portaria de 1978, assinada por Maurício Rangel Reis, à época ministro do interior, que designa o professor Aecim Tocantins como representante de Mato Grosso, indicado pelo estado, na Comissão Especial de Transição criada pelo governo federal até que a lei que dividiu os estados fosse colocada em vigência.

Ainda sobre Tocantins, no arquivo consta o discurso dele, de 15 de março de 1979, saudando o governador Cássio de Barros quando ele passou o governo para Frederico Campos. Nesse documento, ele teceu críticas à forma como o processo de divisão foi conduzido - sem estudo profundo sobre as consequências, sem debate, com o assunto cercado de sigilo e com a separação sendo feita de forma “súbita e impetuosa”, com impacto na opinião pública.

Outro documento importante aberto ao público é a Mensagem à Assembleia Legislativa do governador José Garcia Neto para a abertura dos trabalhos legislativos de 1978, com as realizações do governo e relembrando que a lei que dividiu o estado já estaria em vigor quando do início dos trabalhos daquela Casa de Leis, no ano seguinte, na data de 15 de março de 1979.

No mais, o Arquivo Público tem ainda jornais de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul dando a visão de cada um sobre a divisão. Os do “Norte”, contrários à divisão. Os do “Sul”, apoiando a separação dos dois estados e celebrando a assinatura da lei por Geisel.

Arquivo Público de MT concentra documentos sobre a divisão do estado (Foto: Carolina Holland/G1 MT)

Arquivo Público de MT concentra documentos sobre a divisão
do estado (Foto: Carolina Holland/G1 MT)

Projeto entre MT e MS
O material disponível ao público pode, no entanto, aumentar nos próximos anos. Isso se um projeto, que deve ser desenvolvido em parceria com Mato Grosso do Sul, sair do papel e ajudar a contar para a população parte importante da história dos dois estados.

“A ideia é catalogar, microfilmar e digitalizar o acervo referente ao estado vizinho, para que possa ser disponibilizado ao público tanto daqui quanto de lá”, diz Portela.

O historiador diz que ainda não é possível saber detalhes de como ou quando isso será feito, porque o projeto ainda está em fase inicial.

História
Portela explica que a separação de Mato Grosso do Sul foi a segunda divisão de Mato Grosso. “A primeira foi em 1943, que deu origem ao território de Guaporé, hoje conhecido como Rondônia, e que deu origem também ao território de Ponta Porã”, diz.

O historiador conta ainda que a semente que culminou com a criação do estado na região Sul de Mato Grosso havia sido plantada muito antes da década de 70. Porém, havia perdido a força ao longo dos anos. Tanto que a a decisão de dividir veio “goela” abaixo dos mato-grossenses, por ordem dos militares que governavam o país e causou muita polêmica na época.

“Na década de 70, quando já se tinha calado essa voz de separação, a ideia foi reacendida pelos militares. Mas, não foram ouvidas as populações das duas áreas na época. Foi de cima para baixo. Nunca foi feita consulta popular sobre isso. Havia uma identidade mato-grossense que sobrepujava qualquer tentativa de divisão. E isso foi feito à revelia disso. O que fica é que as pessoas se sentiram meio ultrajadas pelo que os militares fizeram”, afirma Portela.

Jornal da região sul de MT faz crítica aos "nortistas" sobre a divisão (Foto: Carolina Holland/G1 MT)


Jornal da região sul de MT faz crítica aos "nortistas" sobre a divisão (Foto: Carolina Holland/G1 MT)

Entre as justificativas para tal ação na época, três se destacam: as pessoas queriam a divisão, Mato Grosso era muito grande e poderia querer se separar do país e a busca do governo militar por maior quantidade dos chamados senadores biônicos, por meio da criação de mais um ente federativo.

Garcia Neto, chefe do Executivo estadual na época, ficou conhecido como um dos responsáveis pela divisão. Em defesa própria, no entanto, o governador declarou que também foi pego de surpresa, e que apenas soube do acontecimento quando já estava no gabinete de Geisel.

"Ele se defendeu dizendo isso. Mesmo assim, ficou para a história como se tivesse contribuído. E sofreu politicamente por conta disso. Deixou o governo e, em 79, concorreu ao Senado e perdeu, apesar de ter sido um candidato da ditadura, membro do partido da ditadura e governador nomeado pela ditadura. Então, para ele, o custo político da divisão foi muito grande", conta Portela.

Garcia Neto governou Mato Grosso entre 1975 e 1979. Ele morreu em 2009, aos 87 anos, em Cuiabá, vítima de um acidente vascular cerebral (AVC).





Fonte: Do G1 MT

Comentários (1) Faça um comentário

  • Schabib Hany
    Universitário, Corumbá - MS
    Parabéns pela reportagem. Moro em Corumbá desde 1964, quando cheguei com meus pais do Líbano, e tinha exatamente 18 anos quando da impactante divisão de Mato Grosso. Em nosso jornal escolar, em 1975, fizemos uma enquete, na qual ficou clara a opinião contrária dos corumbaenses e ladarenses à divisão. Mais de 70% dos entrevistados eram contrários (e essa índice era replicado em pesquisa realizada por universitários do Centro Pedagógico de Corumbá, da antiga UEMT. ia Iniciava então o curso de Letras em Corumbá (que depois o troquei por História na antiga FUCMT, hoje UCDB, em Campo Grande), pois queria mesmo era fazer Comunicação Social, mas ainda não era oferecida na "Novacap". Meu primeiro emprego foi como revisor do "Diário da Serra" (dos Diários Associados), ao lado de pessoas queridas como Seu Libório e Seu Rubens, verdadeiros mestres na revisão. Pude constatar, então, que reservadamente muitos oposicionistas (isto é, emedebistas, não eram favoráveis à criação do novo estado, porque eles sabiam que isso foi feito para beneficiar a extinta Arena, partido de sustentação do governo, já em pleno processo de desgaste pelos 13 anos sem alternância. No caso de Corumbá, nem os políticos ligados à Arena eram favoráveis ao novo estado, com capital em Campo Grande. Corumbá, decorridos 42 anos da divisão, ainda têm laços culturais e históricos com Cuiabá, Cáceres, Poconé e Barão de Melgaço. Quando trabalhava na redação do saudoso "Diário de Corumbá", década de 1990, tive acesso à confidência do último governador de Mato Grosso, o corumbaense Cássio Leite de Barros (vice-governador que assumiu o governo depois da renúncia do então governador Garcia Neto, que renunciou ao cargo para tentar uma vaga ao Senado), e constatei que ele também era avesso à elite política de Mato Grosso do Sul. Em síntese, para a maioria da população de Corumbá e de todo o Pantanal "Sul-mato-grossense", a divisão foi prejudicial, econômica, política, social e culturalmente. Seria bom que fizessem uma série de reportagens sobre essa surpreendente (e justificável) realidade.

    Domingo - 13 de Setembro de 2020 às 00:10h Responder

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