Pedra rompe limites das metrópoles, entra na rotina policial em cidades de até 10 mil habitantes e lota clínica de recuperação
Crack agora se alastra pelo interior nordestino
Ele começou com álcool há dez anos, quando tinha 17. Depois, viciou-se em maconha. Há cinco anos, quando chegou aos 23, mergulhou de cabeça na pedra de cocaína, o crack. Hoje, aos 28, é um dos 43 internos em uma chácara de recuperação de dependentes químicos no interior do Nordeste. Diz que está limpo, sente-se bem depois de quatro meses sem drogas, e lamenta o inferno vivido no crack ao lembrar que só conseguiu parar quando viu a mãe dentro de um carro de polícia.
Etelvi Nascimento Silva nunca esteve em São Paulo, a metrópole que convive com o crack ao ar livre. Da cracolândia, só ouviu falar. Etelvi fumou a primeira pedra de cocaína no sertão pernambucano, em Floresta, cidade de 30 mil habitantes, a 430 km do Recife, onde nasceu.
Hoje, embora o governo federal ainda pesquise o tamanho do estrago do crack no fundão do País - via Fiocruz -, na sertaneja Floresta de Etelvi e nas vizinhas Petrolândia (32 mil habitantes), Belém do São Francisco (20 mil) e Itacuruba (10 mil), a droga avança. E essa região dentro do "polígono da seca" está prestes a trocar a alcunha de "polígono da maconha" por "polígono do crack".
Rota. "O crack hoje faz parte do cotidiano do sertão", afirma o capitão Marcondes Ferraz, da PM pernambucana, um dos chefes do combate ao tráfico de drogas na região de Petrolina (cerca de 300 mil habitantes). O militar explica que o 5.º Batalhão de Petrolina, no qual chefia uma companhia, é hoje o segundo no ranking das apreensões de drogas no Estado. Perde somente para a delegacia especializada da área (Denarc), do Recife. Petrolina está às margens do Rio São Francisco, ao lado da baiana Juazeiro (200 mil habitantes). É uma próspera região agrícola.
As duas cidades ficam à beira da BR-407, que liga Sul-Sudeste à BR-116, os Estados de Piauí e Maranhão pela BR-316, e o Ceará pela BR-020. Esse conjunto de estradas forma a malha rodoviária que funciona como rota de tráfico para a cocaína que passa pelos centros distribuidores, como São Paulo.
Sob a jurisdição do capitão Marcondes estão ainda Dormentes (16 mil habitantes) e Afrânio (18 mil habitantes), nas quais também há registros da presença do crack. "E onde há drogas, há armas", acrescenta o policial. Nas operações antidrogas do primeiro semestre, o 5.º Batalhão apreendeu 112 armas curtas, 102 longas e 61 brancas (faca).
Um investigador de polícia, que trabalha em área ainda mais isolada, em pleno "polígono da maconha", onde fica o município de Floresta, diz que o uso do crack nas comunidades pequenas não ocorre como em São Paulo, onde os dependentes vagam em turmas, consumindo a droga nas ruas. Na cracolândia do sertão, a cocaína em pedacinhos se espalhou pelos pontos de venda, as "bocas de fumo", e, como os saquinhos de pó, é consumida dentro de casa.
Entreposto. O policial conta que encontrou em Floresta, a cidade de Etelvi, uma pedra de 120 gramas de crack enterrada em um quintal. "Eles desenterram, quebram para vender os pedaços, depois voltam a enterrar o que sobra dentro de sacos plásticos", explicou o investigador. "Se não houver uma ação mais efetiva e rápida do Estado, logo vamos ver por aqui o que ocorre em São Paulo."
Conferindo as planilhas da PF, ele conta: nos últimos 12 meses foram apreendidos 47 kg de cocaína, 1.081 de maconha pronta para consumo, 281 mil mudas da planta, mais de 8 kg de sementes e 606 gramas de crack. "O que é registrado como crack, é pedra de cocaína. Mas pode haver também a pedra registrada só como cocaína", diz ele, que defende normatização para os registros.
O delegado, no entanto, se diz otimista com os resultados da presença da PF na caatinga. "Apreendemos dias atrás um carregamento de 100 quilos de maconha que vinha do Paraguai dentro da armação metálica da carroceria de um carro", contou. "É sinal de sucesso das operações de erradicação das plantações, que repetimos a cada três meses."
No Instituto de Criminalística de Salgueiro, a perita Yeda Sá Araújo passa boa parte do tempo analisando amostras de drogas. Foram 356 exames de comprovação química neste ano. Os laudos se acumulam na pequena e abafada sala. "Aqui aparece de tudo. Maconha, cocaína e crack, e muito armamento."
Para além do constante trabalho da polícia, a chaga do vício rápido da pedra no interior nordestino pode ser constatada na observação da clínica de recuperação existente em Juazeiro. Ali já supera as internações por alcoolismo. De acordo com o presidente da Comunidade Evangélica para Recuperação de Viciados (Ceprev), Robson Vieira Pereira, 70% dos internos na instituição estão em tratamento da dependência do crack. São os colegas de Etelvi, gente até de outros Estados que chega a Juazeiro em busca de uma saída da pedra.
Na semana passada, sob temperatura de 38°C, às 14h, um grupo de homens se reunia à sombra de uma construção sem paredes. Ouviam uma palestra pontuada de pregações de fé religiosa contra as drogas e em defesa da vida. "Os dependentes do crack recorrem ao Ceprev em maior quantidade", diz Ferreira, ressaltando que "é a velocidade do vício e o efeito danoso da droga na saúde dos usuários e de suas famílias que os levam a buscar ajuda rapidamente".
Vício e roubo. Assim ocorreu com Eté, o rapaz de Floresta, assim chamado pelas irmãs e pela mãe. "Aqui já se pode ver eles fumando na rua (sic)", conta Olindina Maria da Silva, mãe de Etelvi, em entrevista na casa da família, em um bairro simples, na semana passada. Lembrando dos dias difíceis que passou, Olindina diz que lutou para tirá-lo do mau caminho. "Ele aqui vivia, dava uma volta e de repente chegava doido da cabeça. Então, quer dizer, não ia buscar em Belém, Petrolândia. Era aqui na cidade mesmo que encontrava."
Foi no dia em que ela estava no carro da polícia, com o filho preso por roubar um celular para pagar a droga, que os dois tiveram um diálogo duro para ambos. "Ele me disse: "Mãe, me ajude. Não sou eu, mãe; me ajude"", recorda Olindina, emocionada, ao lado de uma filha e de netos, na varanda da pequena casa.
"Ele começou na cachaça e na maconha", recorda Olindina. Há uns quatro anos, entrou no crack. "Eu disse a ele: "Ô, meu filho, eu já passei por tanta coisa. Vou passar por essa agora, meu filho?"" O rapaz, então, respondeu: "Mãe, tenha fé em Jesus. O que a senhora passou, não passa mais. Deus é mais."
Firme diante de mais uma promessa do filho de largar a pedra, Olindina batalhou os R$ 300 necessários para o pagamento da taxa mensal de internação no Ceprev, para onde Eté foi mandado. Ela afirma que acredita na recuperação do rapaz. Mas não quer o filho de volta a Floresta tão cedo. Teme por ele. "A gente só não pode dizer a casa, ou é ali que vende, ou acolá. Ninguém é doido de entregar ninguém. Porque o senhor sabe: entregou agora, mais tarde já tá é lá duro, enterrado. É desse jeito."
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