A perspectiva de juros em queda no Brasil traz de volta um abacaxi para o governo: a remuneração da poupança. Mas a sensibilidade do tema deve fazer com que as autoridades busquem soluções que não alterem profundamente as regras da caderneta, evitando criar um ruído político no Congresso.
Nas contas do economista da Tendências Consultoria Juan Jensen, a queda da taxa básica de juros (Selic) a 10% ao ano já tornaria a poupança competitiva com fundos de renda fixa que cobram uma taxa de administração relativamente baixa, de 2%.
"Se o governo continuar com a estratégia de reduzir os juros, ele vai ter que mudar as regras da poupança, porque senão você vai ter uma migração de fundos para a poupança e uma dificuldade do governo para rolar a dívida pública", disse.
A Selic atualmente está a 12%, após o Banco Central (BC) surpreender o mercado na semana passada com um corte de 0,5 ponto percentual da taxa básica. A expectativa das instituições financeiras que mais acertam previsões de curto prazo, de acordo com o boletim Focus do próprio BC, é de que a Selic caia a 10,50% em janeiro de 2012.
Segundo uma fonte do Executivo, que falou à Reuters sob condição de anonimato, o governo acredita haver mais espaço para a redução de juros, cenário que pressionaria para mudanças no rendimento das cadernetas de poupança, mas considera difícil haver alguma alteração, já que a poupança é o destino preferido da grande maioria dos pequenos poupadores brasileiros.
O assunto sequer estaria em discussão no Planalto neste momento, que tem outras prioridades para negociar com o Congresso, como a PEC 300, que fixa o piso de remuneração nacional de policiais e bombeiros. O governo, segundo a fonte, quer evitar um desgaste político para a presidente Dilma Rousseff neste momento.
A poupança tem uma remuneração fixa de 0,5% ao mês, ou aproximadamente 6,2% ao ano, mais a variação da Taxa Referencial (TR). Ao contrário de outras opções de investimento, porém, ela é isenta de Imposto de Renda (IR), pois é a principal fonte de financiamento para o crédito imobiliário.
Migração de recursos
Nas contas de Jensen, para um fundo de renda fixa igualar a remuneração de 6,2%, considerando uma TR igual a zero, ele precisa gerar ganho bruto de cerca de 7,7% caso a aplicação seja inferior a um ano. Nesse caso, o Imposto de Renda (IR) devido é de 20%. Se a taxa de administração for de 2%, o fundo precisa então ter remuneração bruta de 9,7% para superar a poupança.
"Com a Selic atual, fundos que cobram altas taxas de administração, de 4% ao ano, já praticamente empatam com a poupança", afirmou o economista. Essa discussão já foi levantada em 2009, quando a Selic caiu ao menor patamar histórico, a 8,75% ao ano, em meio ao esforço do governo para limitar os efeitos da crise financeira internacional. Em julho daquele ano, a captação líquida da poupança cresceu para R$ 6,7 bilhões, maior resultado para o mês até então pelo menos desde 1995, segundo o BC.
Dados divulgados nesta terça-feira revelaram que o saldo da poupança já supera R$ 400 bilhões. Qualquer alteração no rendimento da poupança, proposta que poderia causar grande desgaste político à Dilma, teria que ser enviada ao Congresso. A questão, de grande sensibilidade, também poderia ser descartada para 2012, ano de eleições municipais.
Em 2009, o governo chegou a enviar um projeto de lei ao Congresso prevendo o fim da isenção de IR para as cadernetas de poupança com saldo superior a R$ 50 mil, mas a medida não chegou a avançar no Parlamento.
O economista-chefe da corretora BGC Liquidez, Alfredo Barbutti, é cético sobre possíveis mudanças, não só porque trabalha com um cenário de queda menor dos juros, mas também porque avalia que os fundos de investimento têm espaço para reduzir suas taxas de administração. Essa visão encontra respaldo também dentro do governo. "O maior prejudicado seria a indústria de fundos", afirmou Barbutti.
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