O delegado Rivaldo Barbosa, da Divisão de Homicídios (DH) da Polícia Civil do Rio, deu detalhes, na noite desta sexta-feira (4), do inquérito que indiciou e pediu a prisão de 10 PMs no caso do desaparecimento de Amarildo, no dia 14 de julho. Segundo ele, durante a abortagem dos policiais no bar da Rocinha, onde o ajudante de pedreiro foi visto pela última vez antes de entrar no carro rumo à UPP, um dos PMs teria dito: "Boi, perdeu, chegou a sua hora".
"Boi" era o apelido de Amarildo e a frase teria sido dita por Douglas Roberto Vital Machado, um dos 10 PM presos — todos já se apresentaram após a prisão preventiva decretada —, após telefonema de um informante, segundo a delegada Ellen Souto, presidente do inquérito. Após a abordagem, ele entrou no carro da PM e não foi mais encontrado. Após mais de dois meses, seu corpo também não foi achado. Oito necrópsias já foram realizadas, em todo o estado, para verificar se cadáveres eram dele. Uma nova operação será realizada, a partir de segunda (7), para achar os restos mortais de Amarildo.
"Nós comprovamos o motivo pelo qual que ele [Amarildo] seria levado à sede da UPP. Seria para fornecer informações sobre drogas e armas, principalmente armas, já que a informação de que ele teria a chave do paiol de armas, explicou a delegada Ellen Souto, presidente do inquérito.
De acordo com a investigação da Polícia Civil, Amarildo morreu após ser submetido à uma sessão de tortura. A delegada Elen Souto revela ainda que foram ouvidas 22 vítimas de tortura por policiais da UPP Rocinha. De acordo com Ellen, os depoimentos narram com detalhes o modus operandi de tortura da tropa do major Edson. "Eles relatam que as torturas sofridas foram sempre com o objetivo de informações de drogas e armas. Todos contaram que foram submetidos a choques elétricos com o corpo molhado e ingeriram de cera líquida", diz a delegada.
Os presos vão responder judicialmente pelos crimes de tortura seguida de morte e ocultação de cadáver. São eles: Edson dos Santos (ex-comandante da UPP), Luiz Felipe de Medeiros, Jairo da Conceição Ribas, Douglas Roberto Vital Machado, Marlon Campos Reis, Jorge Luiz Gonçalves Coelho, Victor Vinícius Pereira da Silva, Anderson César Soares Maia, Wellington Tavares da Silva e Fábio Brasil da Rocha. A PM informou, na noite desta sexta, que os 10 acusados se apresentaram no Quartel General com seus advogados. Antes de serem levados para uma unidade prisional, eles passarão pela Polícia Civil.
Segundo Ellen, a operação tinha o objetivo de cumprir 58 mandados de prisão expedidos pela Justiça. Não foi expedido mandado de busca e apreensão de armas. No domingo, dia 14, às 18h, o resultado da operação era de 28 prisões cumpridas no contexto de 58 pedidas. Até então, nenhuma arma ou droga havia sido apreendida.
Versão fantasiosa
No texto da denúncia, o MP indica que PMs criaram uma "versão fantasiosa" para atrapalhar a investigação do sumiço do ajudante de pedreiro. O documento afirma que "previamente ajustados entre si, os denunciados, aproveitando-se do fato de as câmeras localizadas na frente da base estarem providencialmente com defeito, montaram versão fantasiosa da saída do denunciado da sede da UPP e passaram a fazer notícia de que este teria sido sequestrado e morto pelos traficantes daquela comunidade".
PMs negam
Segundo o criminalista Marcos Espínola, advogado de Victor da Silva, Douglas Machado, Jorge Luiz Gonçalves Coelho e Marlon Campos Dias, a conclusão do inquérito não contém provas que incriminem seus clientes e a prisão é um exagero. “Não há necessidade de prender réus primários, com bons antecedentes, residência fixa e emprego, podendo ser encontrados a qualquer momento para colaborar com o processo”, explicou, em nota enviada pela assessoria de imprensa.
Policial se passou por traficante
O documento do Ministério Público descreve que, quatro dias após o desaparecimento, um dos policiais, sabendo o número de um telefone que estava apreendido e que era monitorado pela polícia, usou o celular de um morador da comunidade, se passando pelo traficante Catatau, e afirmou que era um dos autores da morte de Amarildo.
De acordo com a denúncia, o major Edson Santos, na época comandante da UPP da Rocinha, inconformado com o fracasso da Operação Paz Armada, realizada na sua área, determinou aos demais policiais denunciados que localizassem e levassem para a sede da UPP pessoas que fossem ligadas ao tráfico, com a finalidade de extrair informações sobre a localização das armas e drogas.
Uma ligação ao soldado Douglas Roberto Vital Machado acabou fazendo com que os PMs chegassem até Amarildo, que estava em um bar, com a chave de um paiol do tráfico, diz o MP.
O documento diz ainda que "no dia 14 de julho de 2013, em horário que não se pode precisar, mas após as 19 horas, no Parque Ecológico da Rocinha, perto da sede da UPP, na região chamada de Portão Vermelho, os PMs torturaram Amarildo com emprego de violência, "causando-lhe sofrimento físico e mental, com fim de obter informações da vítima". As lesões produzidas foram a causa eficiente da morte da vítima, segundo a Promotoria.
Testemunhas deixam Rio
A terceira testemunha do caso Amarildo incluída no Programa Nacional de Proteção à Testemunha deixou o Rio nesta quinta-feira (3). De acordo com a polícia, ela é uma ex-moradora da Rocinha, que atuava como informante dos policiais da UPP da comunidade e temia ser morta tanto por PMs quanto por traficantes. E afirmou que o ajudante de pedreiro tinha ligações com o tráfico.
Segundo a polícia, em seu depoimento na DH, ela contou que Amarildo chegava a guardar chaves de casas usadas como esconderijo de armas e drogas. E admitiu ter avisado os policiais sobre a localização do ajudante de pedreiro no dia em que ele desapareceu.
Em setembro, mãe e filho, também moradores da Rocinha, já tinham sido retirados da cidade pela Polícia Federal. No primeiro depoimento, eles disseram que traficantes mataram Amarildo. No entanto, um mês depois, as testemunhas afirmaram ter sido coagidas pelo então comandante da UPP, Major Edson Santos, a dar essa versão em troca de dinheiro.
Entenda o caso
Amarildo sumiu após ser levado à sede da UPP da Rocinha, onde passou por uma averiguação. Após esse processo, segundo a versão dos PMs que estavam com Amarildo no dia 14 de julho, eles ainda passaram por vários pontos da cidade do Rio antes de voltarem à sede da Unidade de Polícia Pacificadora, onde as câmeras de segurança mostram as últimas imagens de Amarildo, que, segundo os policiais, teria deixado o local sozinho.
No dia 27 de setembro, uma ossada achada em Resende, no Sul Fluminense, passou por uma necrópsia, motivada pelas suspeitas de que poderia ser de Amarildo. O relatório, porém, foi considerado inconclusivo, e a ossada será novamente analisada no Rio de Janeiro. O resultado deve sair entre até o dia 12 de outubro.
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