De férias no Brasil, piloto trocou de papel com repórter do Estadão e pegou carona na pista
Felipe Massa, piloto e cobaia no mesmo dia em Interlagos
No primeiro momento, Felipe Massa deu risada, acreditando tratar-se de uma piada. Depois, quando viu que a coisa era séria, ficou preocupado.Tratou de ligar para a Ferrari para saber se poderia, nas férias, se expor a risco na pista. Seu desafio: pilotar em Interlagos, pela primeira vez, o carro do Troféu Linea, competição apadrinhada por ele próprio no Brasil, mas com um complemento assustador: seria, depois, passageiro no modelo Linea e eu o "piloto", um jornalista da área automobilística sem experiência prática de pista. E olha que o carro preparado para a corridas, com seu motor turbo de 210 cavalos, chega rápido na freada do S do Senna: 220 km/h.
Contra todas as previsões, a direção da Ferrari concordou com a realização da reportagem durante a etapa do Racing Festival, em São Paulo, semana passada. Há rumores de que tenha aumentado consideravelmente o valor da apólice de seguro do piloto. O Troféu Linea faz parte do Racing Festival e nela competem alguns dos maiores pilotos de turismo do Brasil, com Cacá Bueno, Christian Fittipaldi e Giuliano Losacco. Seria com esse carro que Massa e o jornalista Livio Oricchio, do Grupo Estado, viveriam uma experiência bem pouco comum, com objetivos profundamente distintos.
Enquanto o piloto da Ferrari, profissional, vice-campeão do mundo em 2008, procuraria desvendar os limites do modelo Linea nos 4.309 metros de Interlagos, o jornalista, ao seu lado, dentro do carro, aproveitaria a extraordinária oportunidade para assimilar o máximo de conhecimento possível do teste inédito de Massa: marchas utilizadas em cada curva, onde freia, como explora a potência do motor, detalhes do traçado, correções de trajetória.
Massa foi narrando sua volta, ensinando o jornalista a pilotar. Os instantes de prazer começam no breve curso, ainda diante dos boxes, para conhecer o que há disponível no carro e como funciona seus mecanismos. Massa e o jornalista, com a indumentária necessária e nos seus bancos de competição, ouvem atentos as explicações de Beto Gardano, responsável técnico do Troféu Linea, e Dudu Massa, irmão do piloto, promotor do Racing Festival.
Aí já surge uma diferença relevante de velocidade: no aprendizado. Para o piloto, os recursos do Linea de competição são familiares, apenas comandados de forma um tanto distinta do que está mais acostumado na F-1. Questão de adaptação. Para o jornalista, apesar do conhecimento básico da teoria, interagir com aquilo tudo que está sendo explicado, como câmbio sequencial acionado por imensa alavanca, uso da embreagem somente nas reduções de marchas, freios de ação ultra-rápida, tendo em mente primeiro a segurança e bem depois o desempenho, sem ser vexatório, soa desafiador.
A proximidade de pessoas envolvidas com o Racing Festival e até de serviçais do autódromo, todos ao lado do carro, estimulados pela presença de Massa, acompanhando cada movimento do piloto, ajuda a aumentar no profissional de comunicação a autocobrança por um trabalho minimamente decente. Seria como se, de repente, Massa estivesse na redação do Estadão.com.br num desafio de jornalismo.
Se não observasse os requisitos necessários, o que seria normal, alguém da área poderia redigi-lo rapidamente, sem prejuízos maiores. Já na experiência de Interlagos, quando se está a 200 km/h, reparos de condução são quase impossíveis. Não foi por outra razão que Luís Antônio Massa, o Titônio, pai do piloto, se aproximou discretamente do jornalista, antes de este assumir o volante, e lhe disse: "Cuide bem de meu patrimônio, por favor".
No fim, a experiência acabou sendo prazerosa para ambos. Leia, ao lado, os depoimentos em primeira pessoa de Massa e do jornalista, bem como a entrevista exclusiva do piloto. Claro, o verdadeiro piloto. Nenhum incidente marcou a produção da reportagem, a não ser uma leve escapada no S do Senna. Não é difícil supor de quem.
ENTREVISTA COM FELIPE MASSA
Estadão.com.br - Gostou de pilotar o Linea, tão diferente da Ferrari de F-1 que você conduz?
Felipe Massa - Gostei muito. Foi divertido e não deixa de ser um novo aprendizado. Os limites na F-1 são completamente diferentes. Pilotos sempre gostam de conhecer coisas novas, andar em outras categorias. Em termos de desempenho, foi até melhor do que eu imaginava. (Massa participou também dos treinos livres de sexta-feira, com os demais pilotos da competição, e obteve o sexto tempo, 1min54s641. O mais rápido foi o atual campeão do Troféu Linea e líder do campeonato, Cacá Bueno, 1min53s888.)
Estadão.com.br. - Se disputasse a corrida de São Paulo, seria difícil superar quem já anda na frente, por causa das diferenças para a F-1?
Felipe Massa - Claro que não seria fácil. Fiz apenas um dia de treinos livres e precisaria de mais tempo para trabalhar no acerto. E temos de lembrar que enfrentei não apenas pilotos com a mão do carro, mas vários dos melhores pilotos de turismo do Brasil. Treinando um pouco mais, tenho capacidade de andar no nível deles. Em 2012 a seleção vai crescer um pouco porque a potência do Linea crescerá de 210 para 260 cavalos. Pilotar carros de Turismo é o caminho natural para quem deixa a F-1 e no futuro essa pode ser uma opção para mim.
Estadão.com.br - O Racing Festival está sendo repensado para 2012. Quais as novidades?
Felipe Massa - Vamos manter o campeonato do tamanho atual, com seis rodadas duplas. (Além do Troféu Linea são disputadas a Fórmula Futuro, competição-escola de monopostos, e duas categorias de moto, Honda 600 Hornet e CB300). Está praticamente confirmada uma corrida de rua, provavelmente em Vitória, embora Salvador também tenha manifestado interesse. O evento mudará de nome por questões de marketing e passará a se chamar Fórmula Fiat.Vamos também ampliar a premiação para pilotos e equipes e incluir até o público nesse pacote.
Estadão.com.br. - O que falta para sensibilizar mais os meninos do kart a disputar a Fórmula Fiat? Está sendo feito um trabalho para atraí-los, mostrar as vantagens de ganhar experiência na categoria antes de sonhar em viajar para o exterior e ter de investir muito mais?
Felipe Massa - Temos procurado facilitar o acesso de várias maneiras. Por exemplo: desde o ano passado oferecemos bolsas de 70%, 50% e 30% de desconto para os três melhores pilotos graduados do Campeonato Brasileiro de Kart entre 15 e 20 anos de idade. O campeão de 2011, por exemplo, correrá na Fórmula Fiat por pouco mais de R$ 60 mil. O orçamento da categoria, de R$ 220 mil, já é mais do que atraente. Agora, para que continue fornecendo a reposição de jovens talentos o kart precisa do incentivo de empresas e de uma redução de custos.
Estadão.com.br- Já participou de experiência semelhante antes, ser cobaia e professor por um dia de piloto aprendiz, sem experiência na pista, ao seu lado no carro?
Felipe Massa - Não. E, sinceramente, espero não passar por isso novamente. Brincadeira (risos). Foi divertido.
Estadão.com.br- Tem estado em contato com o pessoal da Ferrari?
Felipe Massa - Conversei brevemente com meu engenheiro, mas ele também estava em casa. Ninguém está trabalhando por causa do acordo entre as equipes. Vou embora para a Europa terça-feira, mas a fábrica da Ferrari reabre segunda-feira. (O próximo GP será dia 28, em Spa-Francorchamps, na Bélgica.)
Estadão.com.br - O que espera das oito etapas restantes do campeonato? Pensa ser possível uma mudança no que vimos nas últimas três etapas, vencidas por Ferrari e McLaren, ou seja, a Red Bull voltar a impor a vantagem maior do início de temporada?
Felipe Massa - Acredito na maior competitividade de Ferrari e McLaren, é o que indicam essas últimas corridas. Não imagino que a Red Bull possa abrir novamente a enorme vantagem das provas iniciais. Para mim, que sofri um pouco com os pneus mais duros, é animador saber que eles não serão mais usados até o fim do campeonato.
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