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Nacional
Sábado - 30 de Julho de 2011 às 12:05

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Na última década, o Brasil viu aumentar a uma taxa média anual de 10% o número de adolescentes infratores submetidos a medidas de privação e restrição de liberdade. O contingente saiu de 8.579 nesse período para 17.703, conforme estudo da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Pelos números mais atuais, de novembro do ano passado, 12.041 estavam internados, 3.934 em internação provisória e 1.728 em medida de semiliberdade. Projetando a evolução média do último triênio, com avanço baixo e estável, o Brasil tem hoje 20 mil adolescentes recolhidos em educandários e delegacias especializadas.

Sistematizado pela Coor­­denação do Sistema Nacio­­nal de Atendimento Socio­­educativo (Sinase), o levantamento evidencia a preferência pela privação de liberdade em relação a outras formas de punição do infrator. Em abordagem inédita, o estudo ainda permite analisar em que medida o país recorre à reclusão desses jovens e quais estados mais têm usado esse recurso. O país interna 8,8 adolescentes a cada grupo de 10 mil jovens menores de 18 anos. O Distrito Federal lidera o ranking (taxa de 29,6), seguido do Acre (19,7) e de São Paulo (17,8). Oitavo na lista, o Paraná interna 9,8 adolescentes a cada 10 mil.

Doze estados registraram aumento no número de adolescentes em educandários, enquanto 15 diminuíram. Parte da explicação está na crescente oferta de vagas, com abertura de 2 mil em 80 novas unidades socioeducativas nos últimos 8 anos. No decênio 1996-2006 houve uma forte evolução da privação e restrição de liberdade, havendo a partir daí uma estabilização gradativa da curva de ascensão. Desde então, a variação média anual foi de 1,7% no índice de internação, a medida mais dura estabelecida pelo Estatuto da Criança e do Ado­­lescente (ECA). A medida de semiliberdade continua em alta, embora em proporção menor do que em anos anteriores.

Saiba mais
Veja a taxa de internação de adolescentes na última décadaQue medida é essa?
As medidas socioeducativas são aplicadas pelo Estado aos cidadãos entre 12 e 18 anos incompletos que cometem ato infracional. A aplicação das medidas leva em consideração as circunstâncias e a gravidade da infração praticada e, dessa forma, pode ser classificada em seis diferentes grupos:

Advertência

- Repreensão verba l aplicada pela autoridade judicial em que deve estar presente o juiz e o membro do Ministério Público.

O prazo não pode ser superior a seis meses e as atividades devem ser cumpridas em uma jornada máxima de oito horas semanais.

Liberdade Assistida

- Impõe obrigações ao adolescente, que deve ser acompanhado em suas atividades diárias (escola, família e trabalho) de forma personalizada.

Semiliberdade

- É a privação parcial da liberdade em que o adolescente realiza atividades externas durante o dia e é recolhido ao estabelecimento apropriado no período noturno, com acompanhamento de um orientador.

Internação

- É a mais grave e complexa das medidas socioeducativas. Ela deve ser aplicada somente nos casos de grave ameaça ou violência à pessoa, de reiteração no cometimento de infrações e de descumprimento de medida anterior.

Punição para o jovem é pior

Para o adolescente infrator não existe sentença préestabelecida, ao contrário do sistema penal comum. A permanência dele numa unidade socioeducativa ou sua progressão para uma medida em meio aberto depende de avaliação periódica. A cada seis meses os profissionais que o atendem (psicólogos, psiquiatras, assistentes sociais) encaminham ao juiz da infância um relatório com informações do processo de ressocialização. Se julgar necessário, o magistrado pode solicitar audiência com a equipe técnica, mais o diretor da unidade e a família do adolescente.

O jovem infrator pode ficar até nove anos respondendo por seus atos, através da progressão de medidas. Para especialistas em justiça penal juvenil, isso desfaz o mito de que nada acontece com o menor de 18 anos que comete infração. A punição pode até ser mais rigorosa. Um adulto condenado a 18 anos de prisão por assalto, por exemplo, pode sair em três anos se tiver bom comportamento. Enquanto o adulto pode responder até acusação de homicídio em liberdade, o jovem vai direto para o internamento.

Há, ainda, a diferença de tempo nas duas faixas etárias. Para um jovem, um ano perdido na prisão tem uma importância e uma temporalidade bem maior do que para uma pessoa de 40 anos. “É uma punição a mais para quem vai perder boa parte da adolescência”, diz a psicóloga Thelma Alves de Oliveira, coordenadora do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase) da Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente.

Acompanhamento

A progressão de medida socioeducativa só funciona se o acompanhamento for rigoroso. O descumprimento das medidas é um sinal de negligência. A conclusão é óbvia, mas ainda parece indecifrável para a maioria das pessoas: sem esse trabalho não há como garantir à sociedade que o adolescente não irá cometer mais infrações quando sair da unidade. Mas para a progressão funcionar, o juiz precisa ter para onde encaminhá-lo.

Cabe ao Estado fazer programas de semiliberdade e às prefeituras executar medidas de meio aberto, como liberdade assistida e prestação de serviços à comunidade. Contudo, segundo levantamento sistematizado pelo Sinase, das 435 unidades socioeducativas existentes no Brasil, 179 são de internação, 110 de semiliberdade, 16 de atendimento inicial e 130 são mistas. Espírito Santo, Mato Grosso e Tocantins sequer possuem programas de semiliberdade. Já o regime de meio aberto se concentra nas capitais.

Não tão perigosos como se supõe

Só neste ano, em Curitiba, 1.510 adolescentes infratores já cumpriram medida socioeducativa em meio aberto. Atendidos nos nove Centros de Referências Especializados de Assistência Social (Creas), 49% cumpriram medida em liberdade assistida, 13% em prestação de serviços à comunidade e 38% nas duas medidas associadas. A maioria (70%) têm de 15 a 17 anos, 22% de 18 a 21 e 7% de 12 a 14. Do total, 83% são meninos e 17%, meninas. Mas a história de Fábio e Joana (*) revela que as estatísticas não dizem tudo e esses jovens não parecem tão perigosos como é de se supor.

Joana se envolveu em um assalto junto com o namorado em fevereiro de 2010. Ela tinha 17 anos, ele 25. Ela diz ter entrado de gaiata quando ele parou a moto na frente de uma mulher e anunciou o assalto, entre os bairros Portão e Capão Raso. A mulher começou a gritar, ele se assustou e tentou fugir. Deu azar. Um carro da Polícia Militar passava pelas imediações. Foram pegos. Ele já tinha passagem pela polícia, acabou ficando um ano e cinco meses preso. Ela cumpriu medida socioeducativa prestando serviços em uma unidade de saúde.

Fábio entrou para as estatísticas por brigar na escola, aos 14 anos. E, segundo ele, não foi bem uma briga. Levantou a carteira da sala de aula acima da cabeça e ordenou a colega da 5ª série a pedir desculpas por tê-lo xingado. Ela não se desculpava, mas ele não podia ficar por muito tempo com a carteira para o alto. Ao tentar baixá-la, acabou batendo com a quina na testa da colega. A menina sofria de ataque epilético e a mãe não deixaria barato. Formalizou queixa.

Nem seria caso de uma medida socioeducativa, mas a própria mãe de Fábio viu nisso uma forma de protegê-lo de más companhias. A pedido dela, a punição acabou sendo de oito meses digitalizando documentos na Copel. Acabou sendo um prêmio, com salário de R$ 350 por mês. (MK)

Más condições

Coordenador do Laboratório de Análise da Violência da Uni­­versidade Estadual do Rio de Janeiro, o sociólogo Ignácio Cano não considera exagerado o número de jovens internados se comparado aos 496 mil adultos da população carcerária no país. Ele não arrisca dizer se o número é grande porque exigiria análise de todos os processos. Para ele, o mais grave são as condições de internação. “O quadro geral no Brasil é bastante negativo”, resume. Falta educação e ensino profissionalizante, mas há superlotação e maus-tratos. O tratamento nas unidades de socioeducação às vezes é mais duro do que para os adultos. “O jovem sai pior do que entrou”, diz Cano.

Doutora em Direito Penal e consultora do Unicef, Karina Sposato concorda que não dá para avaliar os números sem conhecer os processos, mas não acha prudente comparar adolescentes internados com adultos encarcerados por se tratar de sistemas diferentes. A comparação poderia reforçar o argumento da impunidade do adolescente, recorrente no debate público. A propósito, o senso comum vai contra o discurso há muito construído de que o Judiciário aplica em excesso as medidas restritivas de liberdade. Segundo ela, apesar dos 21 anos do ECA ainda existe uma cultura da institucionalização, de abrigar muitas vezes sem um bom argumento jurídico.

A privação de liberdade é escolhida para administrar situações que as outras medidas não dariam conta. Karina lembra haver uma vitimização prévia do adolescente, mas não dá para deixar de responsabilizá-lo pelos seus atos, para terem consciência de que serão punidos. Não que o jovem infrator não deva ser punido, pondera Karina, mas a privação de liberdade só caberia em condições excepcionais, para casos graves de violência e ameaça, como previsto no ECA. Fora dessas situações, o internamento é um equívoco, sentencia a advogada Ana Christina Brito Lopes, da Comissão da Criança e do Adolescente da seccional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Paraná.

Há nisso um componente cultural, uma tendência de punir o adolescente muito mais do que o adulto, constata Ana Christina. São punidos sob o argumento de representarem um perigo à sociedade, ou sob a desculpa de protegê-los de si mesmo, pela vida que levam. Por melhor que pareça, o confinamento nunca é bom. “Se até o pessoal do Big Brother reclama, com aquela mordomia toda, imagine um adolescente com toda a energia típica da idade confinado em condições precárias”, compara. Daí a conclusão de que a cultura punitiva prevalece sobre a cultura socioeducativa mesmo com todo o aparato normativo existente.

De acordo com Ana Christina, sem um efetivo atendimento socioeducativo não há como falar em inimputabilidade, que é a responsabilização do adolescente em conflito com a lei, muitas vezes confundida com a penalização. Comparados os dois tratamentos, o jovem infrator será tão imputável quanto o adulto. Para a advogada, que também é mestre em Criminologia e coordenadora do Observatório de Vio­­lências Contra a Infância da Universidade Federal do Paraná, deve-se priorizar as peculiaridades de desenvolvimento desse adolescente.

Ana Christina propõe uma inversão da lógica acusatória: quantos deles foram vítimas antes de serem vitimizadores? Antes de puni-los não seria mais prudente dar-lhes condições de saúde, alimentação e educação? Não faria mais sentido oferecer o mínimo e, só então, responsabilizar quem transgride a lei? Mas há um abismo entre a lógica e a realidade. O perfil dos jovens privados de liberdade, diz Ana Chris­­tina, revela uma vida ausente de políticas básicas tanto na sua formação quanto no seu desenvolvimento físico saudável. O arremate: “Como é que se vai aplicar a lei contra alguém que nunca teve a lei a seu favor?”

Maioridade penal define julgamento

A maioridade penal é fixada em 18 anos pelo artigo 228 da Constituição. É a idade em que, diante da lei, um jovem passa a responder inteiramente por seus atos, como adulto. É a idade-limite para que alguém responda na Justiça de acordo com o Código Penal. Um menor é julgado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Pela legislação brasileira, um jovem infrator não pode ficar mais de três anos internado em instituição de reeducação. É nesse ponto que reside a polêmica.

As penalidades previstas ao adolescente infrator são as socioeducativas. Crianças até 12 anos são inimputáveis, não podem ser julgadas ou punidas pelo Estado. De 12 a 17 anos, o infrator será levado a julgamento numa Vara da Infância e da Juventude e poderá receber punições como advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, inserção em regime de semiliberdade ou internação em unidade educacional. Não pode ser enviado ao sistema penitenciário.

A legislação brasileira en­­tende que o menor de 18 anos não possui desenvolvimento mental completo para compreender o caráter ilícito de seus atos e, por isso, deve receber tratamento diferenciado da­­que­­le aplicado ao adulto. Con­­sidera-se o sistema biológico, levando em conta somente a idade do jovem, independentemente de sua capacidade psíquica. Nesse particular, a legislação penal brasileira difere de outros países.

Nos Estados Unidos e Ingla­­terra, por exemplo, não existe idade mínima para aplicação de penas, levando em conta a índole do criminoso, sem importar a idade, e sua consciência a respeito da gravidade do ato cometido. Em Portugal e na Ar­­gentina, o jovem atinge a maioridade penal aos 16 anos, idade que cai para 14 na Alemanha e 7 na Índia.

Projeto busca regular socioeducação

Mais adolescentes infratores em medidas socioeducativas de meio aberto do que em regime fechado. Maior corresponsabilidade da família, da comunidade e do Estado na recuperação desses jovens. Estas são propostas do Projeto de Lei que tramita no Senado criando o Sistema Nacio­­nal de Atendimento Socio­­edu­­cativo (Sinase). A iniciativa busca estabelecer um marco regulatório no país, organizando os princípios de natureza política, administrativa e pedagógica para o adequado funcionamento dos programas socioeducativos de atendimento ao adolescente em conflito com a lei.

O Sinase permite harmonizar e unificar procedimentos, evitando que cada estado adote uma política desvinculada das diretrizes nacionais. Merece destaque a prioridade dada às medidas em meio aberto, em detrimento das restritivas de liberdade, a serem usadas em caráter excepcional, além das regras para a construção dos centros de internação e a qualificação das equipes de atendimento.

O projeto enfatiza a articulação de políticas intersetoriais e a constituição de redes de apoio para garantir o direito à convivência familiar e comunitária do adolescente autor de ato infracional.

A secretaria está elaborando ainda uma proposta de regularização da profissão do socioeducador, com curso de formação a ser desenvolvido pelo Ministério da Educação com apoio de instituições de ensino superior.






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