Que a Europa pague por seus erros de política econômica
E o circo continua. Na quinta-feira as autoridades --na falta de um termo mais apropriado-- da zona do euro vão reunir-se em Bruxelas para a milésima discussão de sua resposta à crise grega.
O período preparatório para a cúpula, que supostamente deveria formular um segundo e muito maior resgate para a Grécia, vem sendo lamentavelmente típico do caótico e complicado processo europeu de discussão política. O Banco Central Europeu prosseguiu em sua discussão em alto volume, mas confusa, com ministros financeiros da zona do euro sobre a redução do valor da dívida soberana grega e o que constitui ou não uma moratória.
Quem está assistindo a tudo com um misto de resignação e desespero é a instituição que desceu de paraquedas no campo de batalha no início do resgate, em maio de 2010: o Fundo Monetário Internacional. Qualquer pessoa que ainda creia que o FMI é uma organização dotada de onipotência sinistra deveria dar uma olhada em sua situação atual _e começar a refletir, como estão fazendo alguns em Washington, sobre como o FMI poderia se distanciar de uma situação em que o risco à sua reputação está começando a pesar mais que o benefício possibilitado por sua presença.
Foi uma boa ideia o FMI envolver-se na Grécia. O fato de que o fez reflete as habilidades diplomáticas de seu agora ex-diretor-gerente, Dominique Strauss-Kahn. A participação do FMI exigiu que fosse superada a resistência de europeus truculentos --entre os quais o presidente do BCE, Jean-Claude Trichet-- que queriam resolver o problema eles próprios.
O FMI contribuiu com conhecimento especializado, credibilidade e crédito barato. Pessoas razoáveis --categoria que, nesta ocasião, provavelmente abrange até mesmo a maioria dos economistas-- argumentarão que, desde o começo, nunca foi provável que a Grécia conseguisse imprimir uma virada a suas finanças públicas sem uma reestruturação de sua dívida. Mas, com reestruturação ou sem, a Grécia ainda precisava converter um déficit fiscal primário em um superávit, e sempre foi provável que isso seria mais fácil quando contasse com o apoio do FMI.
Mas, em parte devido ao orgulho europeu obstinado e em parte devido às dimensões das economias envolvidas, o FMI contribuiu com menos de um terço do pacote de resgate de €110 bilhões anunciado em maio de 2010: €30 bilhões, contra os €80 bilhões da zona do euro. Foi uma situação nova: embora tivesse co-financiado programas de resgate antes, tanto que dinheiro da UE complementou seus empréstimos feitos à Europa do leste em 2008-09, o fundo havia, concretamente, operado como o parceiro sênior, ou havia existido uma união quase completa de objetivos entre ele e os outros credores.
Este papel júnior talvez não tivesse tanta importância por si só, desde que o FMI atuasse como portal de credibilidade, assumindo papel de liderança na negociação e na implementação da condicionalidade do empréstimo com seu destinatário, a Grécia. Mas o que se descobriu foi que ele precisou realmente impor a condicionalidade a seu co-credor disfuncional, a zona do euro.
Tudo considerado, o governo grego vem tendo uma chance razoável de implementar uma combinação muito dura de aperto fiscal pesado e mudanças estruturais.
O fracasso real é a balbúrdia caótica do processo de tomada de decisões na zona do euro. É essa discórdia, tanto quanto o fracasso da vontade política na Grécia ou até mesmo a perspectiva de uma reestruturação da dívida, propriamente dita, que vem aumentando muito os spreads das obrigações gregas e que agora contagiou a Itália e a Espanha com o vírus do pânico.
Hoje o FMI já não se dá ao trabalho de ocultar sua frustração com as altercações e vacilações europeias, e a possibilidade de que o Fundo se desengaja da Grécia vem sendo cada vez mais discutida em Washington. Na semana passada, quando acordou sua parcela mais recente de financiamento para a Grécia, o Fundo deixou claro que apenas as ramificações continentais --e possivelmente globais-- mais amplas de uma possível moratória grega desordenada o levavam a continuar a emprestar em uma situação tão incerta. O problema principal não era nada que a Grécia tivesse deixado de fazer, mas a questão de se o financiamento de médio prazo vindo da zona do euro será garantido, dado que, com ou sem calote, é provável que os empréstimos privados demorem muito a voltar a ser feitos.
Sustar os desembolsos previstos no programa de empréstimos já acordado seria uma opção nuclear. Mas, quando se trata de aumentar seu compromisso sob um segundo resgate, o FMI talvez fizesse bem em olhar seriamente para o caos da máquina política europeia que o fundamenta, e então dizer "não, obrigado". O FMI deveria recusar-se terminantemente a aumentar seu engajamento se isso implicar em endossar qualquer programa como o plano de rolagem voluntária da dívida proposto em Paris, que agravaria o problema da dívida de longo prazo, ao oferecer aos detentores de títulos incentivos para que participem. Se uma negativa do FMI em acrescentar mais empréstimos a seus planos atuais provocar turbulências no mercado, que seja. O FMI deveria estar presente para aliviar problemas de liquidez, não para jogar fora dinheiro bom, emprestando para governos insolventes. Se a zona do euro quiser seguir uma estratégia de resgate que é insensata, que ela mesmo a financie.
Em um sentido importante e perturbador, a insistência do FMI sobre o financiamento substancial e de longo prazo da zona do euro pode vir a tornar-se uma forma de autopreservação. É inevitável que, em algum momento, os países que subscrevem o esforço de resgate da zona do euro, especialmente a Alemanha, terão que qualificar alguns de seus próprios prejuízos como dívida impagável ou efetuar uma transferência fiscal para a Grécia de alguma outra maneira. O FMI não o fará: ele é um organismo que concede empréstimos em momentos de crise, não um tio benevolente que auxilia países ricos delinquentes, e é preciso ficar claro que haverá dinheiro suficiente entrando da zona do euro para que ele possa recuperar seu dinheiro.
O FMI precisa pensar seriamente sobre a companhia em que opta por andar. Strauss-Kahn agiu corretamente em assumir um risco calculado, levando o fundo a intervir no meio da briga dos mercados de capitais na Grécia. É bem possível que sua sucessora, Christine Lagarde, seja a pessoa que vai organizar a saída do FMI dessa situação.
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