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Nacional
Segunda - 18 de Julho de 2011 às 21:59

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Os olhos do paramédico estavam injetados de sangue, e sua expressão era tensa. Mulheres gestantes lotavam o bunker de concreto semiescuro, assim como tinham feito ontem e farão amanhã. O número de pacientes se multiplicou por cinco ou até dez. O paramédico exausto já perdeu a conta, em meio a uma sucessão confusa e ininterrupta de exames médicos e partos.

A notícia tinha se espalhado: já não era preciso dar à luz em casa e correr o risco de perder o bebê ou morrer no parto. Hadiatou Kamara, 18 anos, aguardava no meio da multidão de mulheres. Ela já tinha perdido um filho e uma filha recém-nascidos. "Os dois morreram", ela falou baixinho.

Agora, em sua terceira gestação, ela estava nesta clínica de saúde na zona rural nos arredores da capital, Freetown. O governo de Serra Leoa eliminou a cobrança de taxas para o atendimento a gestantes e crianças, e, pela primeira vez, Kamara -- como milhares de outras mulheres em um país onde cirurgias vêm sendo feitas à luz de faroletes e telefones celulares -- tinha condições de ter sua gravidez acompanhada por profissionais médicos formados.

Aqui, no Centro de Saúde Comunitário de Waterloo, as mulheres não cabiam no recinto e transbordavam da porta, como vem acontecendo constantemente desde que as consultas deixaram de ser cobradas, no ano passado.

Serra Leoa está na vanguarda de uma revolução que, por enquanto, está sendo fortemente subsidiada por doadores internacionais e que parece estar reduzindo substancialmente os riscos à saúde aqui, um dos países de mais alto risco no mundo para gestantes e crianças pequenas.

Nos últimos anos, um país após outro da África subsaariana vem eliminando a cobrança de consultas médicas, especialmente para mulheres e crianças, e, embora especialistas reconheçam que muito mais pessoas estejam recebendo cuidados médicos, eles avisam que ainda é cedo para declarar que os esforços tenham resultado em melhorias mensuráveis na saúde no continente.

Em Serra Leoa, porém, parece claro que vidas estão sendo salvas, oferecendo uma lição precoce e concreta sobre o impacto da oferta gratuita de atendimento médico aos muito pobres e vulneráveis.

Ao eliminar a exigência de pagamentos -- que às vezes chegam a centenas de dólares, representando o impedimento principal ao uso das instalações de saúde --, o governo do país parece ter reduzido fortemente os índices de mortalidade de grávidas e as mortes de crianças pequenas por malária.

Os resultados em Serra Leoa "são nada menos que espetaculares", disse Robert Yates, economista sênior de saúde no Departamento de Desenvolvimento Internacional do Reino Unido, que está pagando por quase 40% do programa de US$35 milhões, sendo a maior parte do resto financiado por doadores como o Banco Mundial. Desde que eliminou a cobrança das consultas médicas, o número de crianças de até 5 anos atendidas em clínicas aumentou 214% em Serra Leoa, enquanto os índices de mortalidade em gravidezes complicadas caiu 61% e o índice de mortes por malária de crianças tratadas em hospitais diminuiu 85%, segundo cifras fornecidas por Yates.

"Temos sinais indicando que há resultados positivos", disse Vijay Pillai, gerente para Serra Leoa no Banco Mundial.

Dois anos atrás Yates escreveu no periódico "The Lancet" que nos últimos anos, Zâmbia, Burundi, Níger, Libéria, Quênia, Senegal, Lesoto, Sudão e Gana haviam aderido a alguma forma de atendimento médico gratuito, especialmente para gestantes e crianças pequenas. Ruanda vem oferecendo seguro-saúde por valores nominais há mais de uma década, e, depois da eliminação das cobranças de consultas no Burundi, em 2006, o número médio de partos realizados mensalmente em clínicas e hospitais subiu 61%, enquanto as cesáreas tiveram aumento de 80%.

"Faz todo sentido que, se aumentarmos a utilização dos serviços", disse Yates, o resultado serão melhorias na saúde. "É mais do que óbvio. Sabemos que essas soluções funcionam."

Mas os obstáculos ainda existentes são grandes. Aqui em Serra Leoa, a ministra da Saúde, Zainab Bangura, diz que seu país precisa de 54 ginecologistas, mas tem apenas quatro. E há apenas dois pediatras no país, que tem mais de 5 milhões de habitantes.

Falando da motivação para aumentar o acesso da população à saúde, Bangura disse: "Perdemos dez anos" devido à guerra civil. "Precisamos iniciar medidas drásticas."

Mas os doadores não vão financiar o programa para sempre, e a esperança é que as receitas da extração de diamantes e minerais -- instáveis, por enquanto -- os substituam. Recentemente a Unicef descobriu o desaparecimento de medicamentos no valor de 14% do total que havia sido doado ao país. A agência exigiu a abertura de uma investigação.

Em vista de como são recentes, sobrecarregados e não testados alguns dos esforços para proporcionar atendimento de saúde gratuito, alguns pesquisadores relutam em traçar uma correlação automática entre melhor acesso e melhor saúde. Os resultados "não são diretamente evidentes", disse Sophie Witter, pesquisadora sênior na Universidade de Aberdeen, na Escócia, que vem estudando a eliminação de honorários médicos na África.

Lucy Gilson, professora de Políticas e Sistemas de Saúde na Universidade da Cidade do Cabo, concordou: "Eu não estaria preparada para declarar especificamente que acontece x ou y em matéria de resultados em saúde".

Mas Serra Leoa, ainda marcada por uma guerra civil brutal que durou uma década -- homens que tiveram seus membros decepados por rebeldes jogam futebol em uma praia da capital com a ajuda de próteses -- estava no último lugar ou quase no último das tabelas de mortalidade materna e infantil.

O país não tinha outra possibilidade senão melhorar, fato que talvez seja a razão dos benefícios vistos automaticamente após a eliminação das taxas médicas. Os rebeldes niilistas da Frente Revolucionária Unida alvejavam propositalmente as instalações de saúde, vistas como símbolos da autoridade governamental.

"O objetivo era impedir que Serra Leoa fosse o pior lugar do mundo", disse Dominic O"Neill, funcionário britânico que até recentemente chefiava o escritório do Departamento de Desenvolvimento Internacional no país. "É uma resposta emergencial a algo que era uma crise humanitária. O objetivo era salvar pessoas da morte."

Embora o paramédico exausto aqui em Waterloo, Jimmy Jajua, tenha se queixado de a demanda ser tão grande que não lhe dava tempo para folgar, ele observou que as mortes de gestantes diminuíram "drasticamente" agora que sua clínica rudimentar, que ainda não tem eletricidade, parou de cobrar pelas consultas.

As mulheres nas clínicas disseram que se sentem mais seguras por terem trocado os partos de risco em casa por pelo menos algum acompanhamento médico.

Em uma manhã recente na principal maternidade de Freetown, cerca de 80 mulheres lotavam uma sala de espera para fazer exames de pré-natal, ocupando todos os bancos que, segundo médicos, antes eram pouco usados. Quando uma enfermeira perguntou quantas delas tinham podido vir ao hospital apenas porque as taxas tinham sido eliminadas, a maioria das mulheres levantou a mão. O clima era de otimismo, e elas cantaram em uníssono "somos as mulheres grávidas e estamos dizendo "bom-dia"".

Nas enfermarias espartanas do hospital construído na década de 1920, com suas paredes caiadas e leitos metálicos, poucas mulheres sentiam saudades dos partos feitos em casa. "Em casa você não é cuidada direito", disse Fatamatou Touray, 39, que já tinha perdido três filhos.

E médicos disseram que, embora estejam sobrecarregados, quanto mais pacientes atendem, maior é a diferença que fazem.

"Sou o único cirurgião disponível aqui, sete dias por semana e noites também", falou Ibrahim Bundu, médico chefe do hospital de Makeni, a nordeste de Freetown. "É apenas o patriotismo que me faz continuar."

Como disse o ex-premiê britânico Tony Blair, cuja fundação, a Iniciativa de Governança da África, ajudou a criar o programa, "para muitos em Serra Leoa, esta é literalmente a primeira vez que eles têm algo assim".






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