Tiririca caminha rápido e compenetrado pelo corredor do anexo III da Câmara Federal. Os cabelos desgrenhados combinam com o conjunto composto de terno cinza-escuro, camisa rosa, gravata com grafismos azuis e sapatos marrons. 

A seu lado, a assessora de imprensa Edit Pinto da Silva, com uma mão pousada nas costas dele, o conduz em silêncio pelo corredor. A marcha é interrompida pelo deputado federal Sabino Castelo Branco (PTB-AM), que chega esbaforido e estica um ofício em direção a Tiririca pedindo sua assinatura. Ele pega o papel e prepara-se para assiná-lo quando é impedido por Edit.

– Pra que é isso? – indaga a assessora passando os olhos pelo documento.

– É sobre a merenda escolar – explica Castelo Branco.

Com um aceno de cabeça, Edit autoriza seu chefe a colocar a assinatura. Tiririca pega a caneta e, de maneira hesitante e com uma caligrafia penosa, escreve seu nome no documento.

Francisco Everardo Oliveira Silva, o palhaço Tiririca, estreou na Câmara neste ano como deputado federal por São Paulo pelo Partido da República (PR). Sua votação foi um marco: 1 353 820 votos, a segunda maior da história do país, superada apenas pelo falecido deputado federal Enéas, do Prona, eleito em 2002 com 1 573 820 votos. Com a votação recorde, o PR, que compõe a base parlamentar do governo Dilma, carregou para o Congresso outros 40 deputados. O número de votos conferidos a Tiririca é 12 vezes maior que a população de sua cidade natal, Itapipoca, no interior do Ceará, na qual vivem 116 065 pessoas, e quase o dobro da votação recebida pelo segundo colocado, o ex-governador fluminense Anthony Garotinho (694 862 votos), seu colega de partido. Apesar disso, Tiririca comporta-se na casa de forma acanhada, sempre ostentando um olhar triste, como um parente que mora no quarto dos fundos, de favor.

A pressa de Tiririca no momento em que foi abordado pelo deputado Sabino Castelo Branco se devia ao fato de estar atrasado para a reunião da Comissão de Educação e Cultura, da qual é membro. Ao fazer o deputado andar rápido, sua assessora também pretendia livrá-lo do assédio dos fãs que invariavelmente o abordam quando ele caminha pela Câmara. Um esforço em vão.

– Olha o Tiririca aí, gente! – grita o funcionário do balcão de informações da portaria do anexo III encerrando subitamente o atendimento a uma visitante. Com o anúncio do balconista, um grande grupo de prefeitos e vereadores, reunidos na Capital Federal para a Marcha Nacional de Prefeitos, se amontoa para tirar fotos ao lado do deputado-palhaço. O vereador Edivaldo Abençoado, de Santo Estevão (BA), fica tão ansioso para ser retratado abraçado a Tiririca que entrega sua sacola para a primeira pessoa que vê pela frente. Passada a euforia, é flagrado procurando nervosamente por seus pertences.

Quando finalmente consegue se desvencilhar do deputado da merenda escolar, dos inúmeros fãs e de uma dupla de jornalistas que tenta entrevistá-lo, Tiririca adentra o plenário 11 da Câmara, onde acontece a sessão da Comissão de Educação. Ele se acomoda em uma poltrona, põe sua pasta sobre a bancada de madeira, mira um ponto invisível à sua frente e não tira os olhos de lá. A reunião trata de um assunto quente, e o responsável pela polêmica está ao lado de Tiririca – seu colega de trabalho Stepan Nercessian, ator cuja última atuação na Rede Globo foi no humorístico Zorra Total. Nercessian, eleito pelo Partido Popular Socialista do Rio de Janeiro com 84 mil votos, presta solidariedade à ministra da Cultura, Ana de Holanda, que na véspera havia sido hostilizada durante um evento público em São Paulo. “Nunca assisti a um apedrejamento político como o que se está fazendo com a ministra Ana de Holanda!”, diz um exaltado Nercessian.

Outros deputados participam da acalorada discussão. Tiririca, entretanto, não emite um único som. Apenas olha para um lado e para o outro como se assistisse a uma partida de tênis. Naquela sala não há nenhuma pessoa mais popular do que ele. Os ombros curvados, as mãos postas sobre a mesa e o semblante sonolento em nada lembram o animado personagem que causou furor durante a campanha eleitoral com bordões do tipo “Vote em Tiririca. Pior do que está não fica”.

Florentina de Jesus

Passados 30 minutos de debate, Edit Pinto da Silva se aproxima de Tiririca, coloca novamente a mão nas costas dele e o conduz para fora da sala, rumo ao anexo IV, onde fica o gabinete do deputado. Aos 53 anos, com passagens por outras assessorias de imprensa do Distrito Federal, Edit Silva comporta-se como a mãe que acaba de matricular o filho pequeno na escola. Ao deixar seu assessorado em qualquer ambiente, certifica-se de que ele está devidamente sentado no lugar correto antes de se afastar.

Todos os deputados federais têm assessores de imprensa. A principal função desses profissionais – a maioria deles, jornalistas – é tentar emplacar seus deputados em reportagens de jornais, revistas e emissoras de TV. Quanto maior a visibilidade (positiva) de um político, mais ele fica na memória do eleitorado. Mas o trabalho de Edit é justamente o contrário: evitar que seu deputado conceda entrevistas. “É um caso raro de assessor de imprensa que quer esconder o assessorado”, afirma o deputado federal Chico Alencar, do PSOL do Rio de Janeiro. “Todo deputado quer os holofotes, mas o Tiririca, não.”

Edit é famosa na Câmara. De temperamento forte, suscita maledicências em Brasília por sua forma de lidar com Tiririca. “Ela é muito possessiva, tem ciúme do deputado”, critica uma assessora de imprensa que trabalha no Congresso. Em sua presença, outros assessores e jornalistas a tratam por “querida”. Pelas costas a chamam de “Florentina”. O apelido surgiu porque, no último Carnaval, ela se fantasiou com uma peruca vermelha para sair no bloco dos jornalistas em Brasília. Uma língua ferina comentou que daquele modo ela ficava a cara da personagem da canção mais famosa interpretada por seu chefe, aquela que diz: “Florentina / Florentina / Florentina de Jesus / Não sei se tu me amas / Pra que tu me seduz?” Quando o palhaço Tiririca gravou a música, em 1997, sua fama ultrapassou as fronteiras de Fortaleza, onde se apresentava em modestas casas de shows, para ganhar o Sudeste. Mas “Florentina” não é o único apelido de Edit. Quando trabalhava como assessora de imprensa do Ministério da Agricultura, era chamada de “Vaca Louca” por dar pitis com repórteres que contrariavam suas orientações.

Quando está ao lado do chefe – ou seja, quase sempre – Edit reage com mau humor se algum jornalista tenta entrevistá-lo. Pouco depois de sair da Comissão de Educação, Tiririca está caminhando pelo corredor quando uma repórter tenta abordá-lo.

– Deputado, por favor, fale comigo! – pede a repórter, com bloco de anotações na mão, acompanhada de um fotógrafo.

– É com ela aí, ó – devolve Tiririca apontando para Edit, que está a seu lado com os maxilares travados.

– Mas ela é brava, deputado. Quando soube que eu sou jornalista, veio falar comigo com quatro pedras na mão! – desabafa a repórter.

– Não é só com você… – responde ele.

Desde que assumiu o mandato, o deputado não dá um passo sem que um assessor o monitore. Edit não é a única. No plenário, Tiririca também é auxiliado por Valéria Almeida e Suely Caldas, duas funcionárias concursadas da Câmara Federal e lotadas na liderança do PR. Conhecidas como “regimentalistas” por conhecerem a fundo o Regimento Interno da Casa, são elas que orientam os parlamentares sobre o que e como devem votar.
O
trabalho de assessoria parlamentar de Valéria e Suely é mais intenso com deputados em primeiro mandato. Um parlamentar veterano sabe, por exemplo, que, durante as discussões que antecedem a chamada ordem do dia (período da sessão destinada às votações), ele pode se ausentar para tomar um café, já que nada importante sairá do falatório. Um neófito ficará plantado na poltrona achando que não deve se mover dali. É o caso de Tiririca. “Ele procura acompanhar a sessão do começo ao fim, e  às vezes eu falo para ele tomar um café, dar uma volta”, conta Valéria.

O comportamento taciturno do ex-palhaço é alvo de comentários de seus colegas e dos funcionários da Câmara. “Acho que ele está deprimido. É um homem sem energia. Não fala, não ri, não interage com as pessoas”, afirma um de seus colegas da Comissão de Educação. Os deputados esperavam que, na Câmara, Tiririca mantivesse o entusiasmo da campanha e animasse o serviço contando piadas e fazendo imitações. Mas, contrariando as expectativas, ele tem se mostrado um deputado circunspecto que evita conversas e só ri na hora de tirar fotos com fãs ou quando recebe cumprimentos – situações em que responde com o polegar levantado em sinal de positivo. É também um parlamentar assíduo. Até o dia 23 de maio só havia faltado a duas sessões da Comissão de Educação e tinha 100% de frequência em plenário.

“O Tiririca deve se sentir inferiorizado intelectualmente porque aqui há professores, intelectuais. Por isso ele não fala”, diz um deputado da bancada nordestina, professor e escritor. De fato, a decisão de colocar o humorista na Comissão de Educação e Cultura causou polêmica. Acusado de ser analfabeto, Tiririca teve de provar na Justiça que sabia ler e escrever. Em contrapartida, é possível encontrar em qualquer livraria do país uma obra em que ele aparece como coautor: As Piadas Fantárdigas do Tiririca, o que, tecnicamente, o credenciaria até a se candidatar à Academia Brasileira de Letras.

Editado pela Matrix, o livro tem coautoria do humorista Ciro Botelho, que declarou recentemente ter escrito a obra sozinho. Paulo Tadeu, editor da Matrix, conta que teve a ideia de publicar o livro em 2006, quando trabalhava com Tiririca e Ciro na Record. “Coloquei o Ciro para ajudar o Tiririca porque, com muitos shows e gravações, ele não teria tempo de fazê-lo sozinho. “Más há muitas pessoas famosas que assinam livros que foram escritos por ghost-writers”, exemplifica. Em um  trecho do livro, Tiririca explica o que significa a expressão “morreu-eu-eu”, um de seus bordões mais famosos: “É quando o cara vai pro beleléu. Exemplo: o abestado foi coisar com a mulher de outro abestado porque essa mulher era fantárdiga, mas aí o abestado descobriu, ficou aporrinhado e lascou a peixeira no bucho do filho de uma égua. Resultado: ele morreu-eu-eu!”

Peixe fora d’água

Nos corredores comenta-se que a cúpula do PR orientou o deputado famoso a não abrir a boca para evitar que, em um momento de espontaneidade, emita opiniões polêmicas a ponto de lhe render a perda do mandato por quebra do decoro parlamentar. O fato é que, na única vez em que foi deixado só, no começo do ano, Tiririca contrariou a orientação do partido, da ala governista, e votou contra o salário mínimo de 545 reais, proposto pelo governo. Não se sabe até hoje se o deputado apertou o botão errado ou se, como disse à época, “votou com o povo”.

A despeito de sua reclusão e seu silêncio, dos quatro deputados que compõem a bancada das celebridades – Tiririca, o ex-boxeador Acelino Popó Freitas, o ex-BBB Jean Wyllys e o ex-jogador de futebol Romário –, o humorista é o mais querido pelos colegas. Popó é do tipo que não desperta comentários positivos nem tampouco negativos. Romário, com seu jeito blasé, seus ternos bem cortados e seu cabelo em ordem, é tido como antipático. De Jean Wyllys se fala que é “metido a besta” devido a seus pendores intelectuais.

Tiririca desperta sentimentos paternais e maternais nos deputados. Não foi admoestado nem mesmo quando usou verba pública para pagar suas despesas em um resort no Ceará ou quando contratou os humoristas José Américo Niccolini e Ivan de Oliveira, do programa Café com Bobagem, para trabalhar como seus assessores (os dois continuam exercendo a função administrativa). Ao contrário: em um pronunciamento em plenário, o deputado Vicentinho (PT-SP) destacou sua ausência de soberba. “Podem verificar que Sua Excelência está aqui de forma humilde, quieto em seu canto”, discursou.

Um dos raros deputados a adotar uma postura crítica em relação a Tiririca é Chico Alencar. “O Tiririca é um peixe fora d’água no Congresso, mas tem que aprender a nadar. Até agora ele está completamente apagado”, afirma. Segundo Alencar, Tiririca tende a frustrar tanto seus eleitores, que esperavam dele uma atitude rebelde, quanto os que imaginavam que, eleito, ele podia trabalhar duro. “Ele ainda não fez a transição do palhaço para o deputado”, avalia.

Como é praxe em Brasília, Tiririca chega à capital federal às terças-feiras e volta para sua residência, em São Paulo, às quintas. No Planalto Central, passa as noites em um hotel enquanto aguarda que seja concluída a reforma dos apartamentos funcionais destinados aos deputados. Na capital paulista, vive na companhia dos quatro filhos e da segunda esposa, Nana Magalhães, uma morena de seios volumosos que despertou a libido masculina e feminina ao desfilar em um tubinho colante e decotado durante a posse dos deputados, em fevereiro. “É uma morena gostosona, linda mesmo”, diz uma funcionária da Casa mordendo os lábios.

Quando está em São Paulo, Tiririca volta a ser Tiririca. Às segundas e quintas ele dá expediente na Rede Record, onde grava quadros do programa Show do Tom. “Ele é dono de grande intuição, está preparado para se adaptar às mais diversas situações de roteiro e de improviso. Ele se molda às circunstâncias. Só tem que deixá-lo brilhar”, afirma Tom Cavalcante, seu amigo e chefe.

A dupla atividade de Tiririca inspirou seu partido a espalhar entre os jornalistas a seguinte teoria da conspiração: as críticas feitas a ele na imprensa são fruto de ciúme da Rede Globo por ele ser dos quadros da Record. “Você sabe como é a briga entre as duas emissoras”, disse um deputado do PR a uma jornalista, no mês passado, pedindo sigilo. “Tudo isso é conflito de interesses. Criticam o Tiririca não como deputado, mas como estrela da televisão”.

Extremamente inteligente

A versão de que Tiririca se sente intimidado é rebatida pelo líder do PR na Câmara, o deputado Lincoln Portela (eleito por Minas Gerais com 109045 votos). “Tiririca está sendo prudente se inteirando da atividade parlamentar. Já tem projetos elaborados e está esperando a hora certa para apresentá-los”, diz Portela, que define o colega de partido como “extremamente inteligente”. “Ele não chegou aqui por acaso. Inteligência não é educação formal.” Sobre a suspeita de tristeza do palhaço, ele corrige: “Ele não é palhaço, é artista. E não está triste. Ele joga futebol”.

Joga mesmo. Na terça-feira 17 de maio, enquanto deputados do primeiro escalão como ACM Neto (DEM-BA) e Aldo Rebelo (PCdoB-SP) se digladiavam para aprovar – ou reprovar – as mudanças no Código Florestal, um outro grupo, do qual Tiririca fazia parte, olhava para o relógio contando os minutos – o temor era o de que, caso a votação se estendesse madrugada adentro, o futebol fosse cancelado. Às 20h20 a sessão foi encerrada sem que o Código fosse votado. A pelada estava garantida.

Por volta das 22 horas, Tiririca chegou à Adepol, o clube dos delegados de polícia de Brasília. Com um conjunto de náilon preto, meiões vermelhos e chuteiras cor de prata, estava impecavelmente preparado para o jogo. No campo, assessores e outros deputados esperavam por ele.

Tiririca e Popó tiraram par ou ímpar para escolher seus times. Deu ímpar, e Popó começou a recrutar seus parceiros
– entre eles o deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ). Como as camisetas não haviam chegado até o início da partida, o time de Popó teve de começar o jog0 nu da cintura para cima, o que proporcionou o estranho espetáculo de deputados correndo seminus com a barriga balançando e o rosto avermelhado pelo esforço. Quando as camisetas chegaram, o time de Tiririca vestiu azul e o adversário, verde. O jogo terminou em 3 x1 para o time azul. O palhaço-deputado fez dois gols.

O momento de alegria de Tiririca durou exatamente os 30 minutos da partida. No dia seguinte à pelada, a sessão da Câmara dos Deputados foi movimentada. Os parlamentares rejeitaram um requerimento de convocação do ministro Antonio Palocci para explicar como se deu a miraculosa evolução de seu patrimônio, que cresceu 20 vezes em quatro anos. A discussão sobre o Código Florestal também pegou fogo. E Tiririca mais uma vez saiu do plenário como entrou: calado.

O deputado mais votado do Brasil só mostrou sua faceta irreverente quando o garçom, durante um evento no Senado, lhe ofereceu café. Ele olhou para o conteúdo da xícara e respondeu sem solenidade nenhuma: